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Diarreia Aguda

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 02/03/2016

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Diarreia aguda é definida por aumento do número de evacuações ou diminuição da consistência de fezes, sendo necessário um mínimo de três evacuações diárias, algumas definições de diarreia utilizam o peso das fezes considerando o volume fecal maior que 200-250 gramas ao dia como compatível com quadro de diarreia, essa definição, entretanto, do ponto de vista prático, é difícil, por esse motivo a escolha pela definição clínica. Do ponto de vista prático, os pacientes com queixa quase que invariavelmente referem alteração da consistência das fezes, não mostrando muita atenção àqueixa quando ocorre o aumento de evacuações isoladamente.

A duração do quadro deve ser menor do que duas semanas, pacientes com diarreia por períodos maiores que esse apresentam a chamada diarreia persistente, já períodos maiores que 4-8 semanas definem diarreia crônica.

Em 90% dos casos a Diarreia aguda apresenta uma causa infecciosa e a ingestão de água e alimentos contaminados com microorganismos patogênicos é a principal fonte de transmissão da doença, no caso de Diarreia aguda não-infecciosa é notável a ausência de sintomas constitucionais, os quadros,  em mais de 80% dos casos, são autolimitados, porém as diarreias agudas infecciosas ainda representam uma das cinco principais causas de mortalidade mundial principalmente considerando os casos que ocorrem em países de poucos recursos.

 

Etiologia

São causas frequentes de Diarreia aguda as seguintes:

 

Causas não-infecciosas

-Medicações ou uso de outras substâncias osmóticas;

-Substâncias contendo magnésio;

-Síndrome de má-absorção;

-Medicações que causam diarreia por outros meios (principalmente antibióticos como clavulonato).

 

Vírus

-Calicivirus, entre eles os Norovírus (antes denominado de Norwalk);

-Rotavírus.

 

Bactérias

-Vibrio cholera;

-Escherichia coli;

-Shigella;

-Salmonella;

-Campylobacter;

-Yersinia enterocolitica.

 

Toxinas

-Estafilococos;

-Clostridium;

-Bacillus cereus;

-E.coli.

 

Em geral, o quadro se inicia por conta da secreção intestinal aumentada secundária a uma toxina bacteriana, nesses casos a diarreia costuma ocorrer precocemente em relação à ingestão de toxinas, podendo ocorrer com poucos minutos da mesma. Assim o tempo de aparecimento da Diarreia aguda pode sugerir o diagnóstico, instalação abrupta sugerindo, por exemplo, a possibilidade de toxinas bacterianas, podendo ocorrer em minutos até seis horas, como as toxinas pré-formadas do S.aureus e Bacillus cereus. O Norovírus pode apresentar quadro superagudo de vômitos com diarreia aparecendo horas depois, o que ajuda a diferenciar das diarreias mediadas por toxinas.

As diarreias que ocorrem entre 8 a 16 horas da ingestão sugerem quadros virais ou por Clostridium perfringens e os quadros que aparecem em tempo maior sugerem infecções virais e principalmente bacterianas.

Uma evolução com sintomas sistêmicos, incluindo rigidez de nuca, sugere, por exemplo, listeriose, lembrando que gestantes que fizeram consumo de leite pasteurizado apresentam possibilidade 20 vezes maior de desenvolver infecção por listeria.

 

As diarreias podem ainda ser divididas conforme local anatomicamente provável em:

Alta: proveniente do intestino delgado, os episódios diarreicos são mais volumosos. Causa síndrome disabsortiva associada com esteatorreia.

Baixa: evacuações em pouca quantidade, frequentes, associadas a tenesmo e urgência fecal.

 

A mais importante causa de gastrienterite infecciosa são os norovírus, anteriormente denominados de vírus norwalk, que cursam com quadro inicialmente proeminente de náuseas e vômitos. As infecções por esse agente são mais frequentes no inverno, com transmissão via alimentar e pessoa-pessoa e taxa de ataque alta acima de 50%, usualmente os pacientes apresentam resolução completa dos sintomas em três dias. Os norovírus usualmente acometem crianças com mais de quatro anos de idade e adultos jovens.

O rotavírus são outra causa de diarreia por vírus, pode causar quadro semelhante, mas por vezes mais proeminente, tipicamente se disseminam em meses de inverno e em crianças de 4 meses a 4 anos de idade, a maioria dos adultos infectados são assintomáticos ou pouco sintomáticos, sintomas dispépticos associados são frequentes.

A presença de febre é mais frequente em diarreias inflamatórias, por bactérias como a Shigella, mas mesmo as diarreias por toxinas podem causar, geralmente nesses casos a febre é baixa acompanhada de quadro inicial de dor abdominal em cólica e vômitos com evolução rápida para diarreia, com recuperação usual em 12 a 48 horas, uma fonte usual dessa toxina é a dieta rica em proteínas como churrascos e em maionese, ovos e saladas.

A diarreia inflamatória caracteriza-se por evacuações frequentes, mas usualmente de pouco volume, com presença de muco, sangue ou pus, febre nesses casos é comum e pode ser maior que 38,5 graus, dor abdominal também é frequente e principalmente tenesmo. No caso das diarreias inflamatórias, o uso de antibióticoterapia deve ser considerado, mas algumas causas de diarreia com sangue podem piorar sua evolução com antibiótico, o exemplo clássico é a Escherichia coli entero-hemorrágica, que cursa com diarreia sanguinolenta, mas usualmente sem febre e principalmente sem tenesmo (dor à evacuação), também cursa com ausência de leucócitos fecais, quando nesses pacientes se faz uso de antibióticos ou agentes que diminuem a motilidade como a loperamida, que aumenta a chance de complicações como a púrpura trombocitopênica trombótica e síndrome hemolítico-urêmica.

A salmonellose, que é uma das causas possíveis de diarreia inflamatória infecciosa, tem curso subagudo, com febre por 1-2 dias e curso com diarreia por 5-7 dias, na maioria dos casos os pacientes apresentam gastroenterite simples, mas podem evoluir ainda com diarreia inflamatória, a febre pode em casos eventuais ser alta, pode ser transmitida por quase todos alimentos além de transmissão interpessoal. Os pacientes com prótese valvar ou riscos de bacteremia podem se beneficiar do uso de antibióticos.

A shigelose, causada por Shigella, por sua vez, tem um período de incubaçãoo de um a dois dias, cursa inicialmente com dor abdominal em cólica seguida de febre e diarreia, que nas formas leves pode não ser sanguinolenta, mas nas formas piores costuma ser associada a febre alta, tenesmo e diarreia frequente, com presença de sangue oculto nas fezes em virtualmente 100% dos casos.

O campylobacter, por sua vez, costuma ocorrer mais em imunodeprimidos, com período de incubação de dois a cinco dias, mas pode cursar com diarreia inflamatória em mais de 60% dos casos. A escherichia coli entero-toxigênica tem período de um a dois dias, que inicia com quadro relativamente leve com dores abdominais e vômitos, frequente em viajantes, mas nem todos pacientes apresentam quadro de diarreia inflamatória, ao contrário da E.coli entero-invasiva que traz sintomas inflamatórios frequentemente.

Outra possibilidade diagnóstica é a de diarreia associada ao uso de antibióticos, que pode evoluir ou não com enterocolite, os principais antibióticos associados são  clindamicina, cefalosporinas, amoxacilina/clavulonato, quando não é causada pelo clostridium dificile costuma ser um quadro leve e autolimitado, ocorrendo durante ou imediatamente após o curso de antibioticoterapia, nesses pacientes o uso de probióticos poderia ter algum benefício embora ainda sem evidência para se  fazer uma recomendação formal.

O clostridium dificile constitui na principal causa de colite infecciosa em pacientes hospitalizados, mas apenas 10-20% dos casos de diarreia associada a antibióticos. A transmissão dessa infecção nosocomial ocorre através das mãos de funcionários ou entre os próprios pacientes. A doença só ocorre após a administração de antibióticos, que levam a redução da flora intestinal normal, possibilitando a proliferação do C. difficile. Estes, passam a produzir toxinas citopáticas que, quando em quantidade suficiente, causam a denominada colite pseudomembranosa. Em geral ocorre precocemente após o uso de antibióticos, mas é descrita até seis meses após seu uso.

A diarreia pode ser aquosa ou sanguinolenta e costuma vir acompanhada de dores abdominais e febre. Leucócitos e eritrócitos nas fezes são positivos.

Outra causa de diarreia, que merece comentários adicionais é a cólera, que dificilmente ocorre fora de regiões epidêmicas em países subdesenvolvidos, é causada pelo Vibrio cholerae. A diarreia é causada por uma enterotoxina que ativa a adenilato-ciclase intestinal que aumenta a produção de AMP-cíclico, pode causar uma diarreia explosiva e fatal, que permanece mesmo após parada de ingestão alimentar com perda de volume de 1 litro por hora, podendo evoluir com morte em três horas. O uso de antibióticos como ciprofloxacina por dois a três dias e hidratação melhora o prognóstico dos pacientes com sobrevida na maioria dos casos.

A giardíase pode apresentar-se como quadro de diarreia infeccioso agudo, mas que em geral aparece com quadro crônico, mas eventualmente pode-se apresentar com quadro agudo ou subagudo. A quase totalidade dos casos é transmitida por água contaminada, sintomas como perda de peso e dor abdominal são frequentes, mas febre é incomum e a diarreia não costuma ser inflamatória, o diagnóstico pode ser feito por exame protoparasitológico de fezes ou sorologia, e metronidazol 500 mg EV a cada 8 horas por 5-7 dias é o tratamento de escolha.

 

Exames Complementares

A maioria dos pacientes não tem necessidade de exames complementares. Pacientes com comorbidades, toxemiados, com hipotensão, diarreia inflamatória importante e imunodeprimidos têm indicação da realização de exames complementares que incluem:

 

-Hemograma completo, eletrólitos e função renal.

 

Exames de fezes incluem leucócitos fecais, que são frequentemente positivos em pacientes com diarreia inflamatória. A presença de leucócitos fecais sugere como agentes etiológicos como Shigella, Campylobacter e E.coli entero-invasiva. A coprocultura e eventualmente hemoculturas fazem o diagnóstico etiológico dos quadros diarreicos e são indicadas em imunodeprimidos, pacientes com quadro de hipotensão e e toxemia ou que não responderem a antibióticoterapia empírica.

Em pacientes com uso de antibiótico recente deve ser considerado o diagnóstico de toxina por clostridium dificile. O diagnóstico definitivo é feito pela pesquisa das toxinas A e B do Clostridium nas fezes. A pesquisa pelo ELISA tem uma sensibilidade de 92% e especificidade de quase 100%, as culturas não devem ser utilizadas para diagnóstico, pois podem detectar clostridium sem toxina funcional. Outros exames são dependentes de características específicas da apresentação.

 

Tratamento

O tratamento é principalmente de suporte, com a desidratação representando a causa de 50% das mortes, assim a hidratação é muito importante no manejo desses pacientes. A terapia de reidratação oral é a escolha, sendo eficaz em mais de 90% dos casos, com a hidratação parenteral sendo reservada para casos com hipotensão, taquicardia e desidratação grave.

Em casos com diarreia inflamatória sanguinolenta, com evolução ruim com hipotensão ou portadores de doenças graves, tem indicação de pesquisa de agentes bacterianas e quinolonas como ciprofloxacina 500 mg a cada 12 horas por três a cinco dias ou cefalosporinas de segunda geração como a cefuroxima 500 mg a cada 12 horas são boas opções.

O tratamento dos sintomas como dor abdominal e vômitos deve ser sempre realizado, já o tratamento sintomático da diarreia é controverso. O uso de antidiarreicos como a loperamida é opcional e estudos demonstraram a segurança em seu uso em pacientes sem diarreia inflamatória não prejudicando a evolução dos pacientes, a loperamida é usada em dose inicial de 4 mg com uso de 2 mg a cada novo episódio de diarreia, com dose máxima diária de 16 mg ao dia (os comprimidos são de 2 mg), efeitos colateriais incluem constipação e piora da dor abdominal. O racecadotril pode ser utilizado, pois como inibidor da encefalinase pode diminuir a quantidade de água em cada evacuação, a medicação é entretanto cara e com benefício sintomático mínimo. O uso de probióticos apesar de disseminado tem benefício questionável e não deve ser rotineiramente utilizado.

Após quadros de Diarreia aguda, pode ocorrer casos transitórios de deficiência lactase, particularmente na população asiática a deficiência parcial ou total da lactase é frequente, mas mesmo na população caucasiana em que sua deficiência é mais rara é descrita em 25% dos adultos, esta pode ser piorada nestes quadros.

Em geral, a deficiência de lactase apresenta-se como sintoma crônico, mas sempre após Diarreia aguda recomenda-se evitar lacticínios com retorno destes após duas semanas.

 

Referências

Guerrant RL, Van Gilder T, Steiner TS, et al. Practice guidelines for the management of infectious diarrhea. Clin Infect Dis 2001; 32:331.

 

Musher DM, Musher BL. Contagious acute gastrointestinal infections. N Engl J Med 2004; 351:2417.

 

Thielman NM, Guerrant RL. Clinical practice. Acute infectious diarrhea. N Engl J Med 2004; 350:38.

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