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conjuntivite

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 28/01/2016

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A conjuntiva é uma membrana translúcida fina que reveste a parte anterior da esclera e interior das pálpebras. Pode ser dividida em duas  partes: a conjuntiva bulbar e a conjuntiva palpebral. A inflamação ou infecção da conjuntiva é conhecida como conjuntivite e é caracterizada por dilatação dos vasos conjuntivais, resultando em hiperemia e edema da conjuntiva, tipicamente associado com descarga lacrimal. É uma queixa comum e o diagnóstico mais provável em pacientes com história de olho vermelho e descarga lacrimal, em geral é um processo benigno, mas é importante diferenciar de outras condições que cursam com olho vermelho, como o glaucoma de ângulo agudo e as ceratites infecciosas.

 

Epidemiologia

A conjuntivite afeta muitas pessoas, sendo de longe a principal queixa oftalmológica em serviços de emergência. A conjuntivite tem importante impacto econômico. Estima-se que nos EUA ocorrem cerca de 6 milhões de episódios de conjuntivite aguda por ano. O custo do tratamento bacteriano é estimado entre 350 a 860 milhões de dólares ao ano, se trata de uma condição extremamente contagiosa e é associada com absenteísmo e perda de frequência escolar.

A maioria dos pacientes é inicialmente tratado  por médicos da atenção primária ou em serviços de emergência, ao invés de oftalmologistas, de forma que é importante para esses profissionais serem treinados para atendimento dessa condição. A prevalência de conjuntivite varia de acordo com fatores como idade do paciente e estação do ano.

As conjuntivites podem ser divididas em infeciosas ou não infecciosas. As conjuntivites não infecciosas podem ser alérgicas, tóxicas ou representarem um processo cicatricial. Já as conjuntivites infecciosas podem ser virais ou bacterianas. A conjuntivite viral é a mais comum causa de conjuntivite infecciosa sendo mais prevalente no verão e em segundo lugar na primavera. A conjuntivite bacteriana em alguns estudos foi a causa mais frequente encontrada em criança, representando neste grupo 50 a 75% dos casos, mas acredita-se que isso seja um viés de amostragem, com seleção dos casos mais graves, em adultos a conjuntivite viral é muito mais frequente.

As conjuntivites podem ainda ser classificadas em agudas, hiperagudas e crônicas, de acordo com a sua instalação e a gravidade da sua resposta. A conjuntivite pode ainda ser secundária a doenças como gonorreia, chlamídia, reação enxerto-hospedeiro e síndrome de Reiter. Nesses casos, o tratamento da doença primária pode resolver os sintomas oculares.

É importante diferenciar a conjuntivite de outras doenças oculares que possuem apresentação clínica semelhante. Uma abordagem baseada na história clínica e ocular e um exame oftalmológico pode ser útil no diagnóstico e tratamento. Tanto a conjuntivite como outras doenças oculares podem apresentar-se como "olhos vermelhos", o diagnóstico diferencial do olho vermelho e o conhecimento sobre as características típicas de cada doença ocular são importantes. O sintoma mais sugestivo de uma outra causa de olho vermelho do que as conjuntivites é a perda visual, que sempre leva a suspeição de outras patologias.

 

Manifestações clínicas e diagnóstico diferencial

A história e o exame ocular focado são cruciais para a tomada adequada de
decisões sobre o manejo dessas condições. Os sintomas oculares podem indicar a causa de conjuntivites. O sintoma mais característico das conjuntivites é a hiperemia ocular, a presença de uma secreção purulenta ou mucopurulenta é frequentemente causada por uma conjuntivite bacteriana, já uma secreção aquosa é mais característica de uma conjuntivite viral. A presença de prurido significativo é frequentemente asssociada à conjuntivite de etiologia alérgica.

A apresentação clínica pode ser muitas vezes inespecífica. Basear-se no tipo de descarga e sintomas dos pacientes nem sempre leva a um diagnóstico preciso. Além disso, a evidência científica entre a correlação dos sinais e sintomas de conjuntivite com sua etiologia é pobre. Um estudo envolvendo pacientes com conjuntivite bacteriana com cultura positiva, mostrou que 58% tinham prurido, 65% tinham sensação de queimadura, e 35% tinham descarga serosa ou nenhuma secreção lacrimal, o que mostra a inespecificidade dos sintomas dessa condição.

Outro sintoma frequente é a dificuldade em abrir um dos olhos pela manhã, um sintoma mais comum  em conjuntivites bacterianas, mas que também em algumas séries foi encontrada frequentemente em pacientes com conjuntivites virais. Em alguns pacientes a evolução pode ser hiperaguda com secreção abundante e aparência de muco nos olhos, com quemose, edema de pálpebras superiores e adenopatia pré-auricular dolorosa. A Neisseria gonorrhoea é particularmente associada com essa forma de apresentação.

Em 2003, uma grande meta-análise não conseguiu encontrar quaisquer estudos clínicos correlacionando os sinais e conjuntivite com sua etiologia; depois, os mesmos autores realizaram um estudo prospectivo e demonstraram que uma combinação de sinais incluindo sintomas bilaterais em pálpebras, ausência de prurido e ausência de história de conjuntivite foi preditor de conjuntivite bacteriana. O envolvimento de ambos os olhos e aderência das pálpebras na parte da manhã foi um preditor mais forte para resultado de cultura bacteriana positiva, e qualquer prurido ou um episódio anterior de conjuntivite tornou um resultado positivo de cultura bacteriana menos provável. Além disso, o tipo de descarga (purulenta, mucosa, aquosa) ou outros sintomas não são específicos para qualquer classe particular de conjuntivite.

A conjuntivite bacteriana pode ser contraída diretamente a partir de indivíduos infectados ou pode resultar de proliferação anormal da flora individual. Mãos contaminadas na conjuntiva, propagação oculogenital são fontes de contaminação. Além disso, certas condições, tais como imunossupressão, rupturas de barreiras epiteliais, anormalidade de estruturas anexas e trauma podem predispor a conjuntivite bacteriana. A etiologia mais comum são os estafilococos, seguido pelo Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae. Em crianças, a doença geralmente é causada por H.influenzae, Streptococcus pneumoniae e Moraxella catarrhalis. O curso da doença dura geralmente de 7 a 10 dias.

A conjuntivite viral mais frequentemente tem uma descarga lacrimal aquosa e sem cor, mas esse achado, conforme já pontuado, não consegue predizer a etiologia das conjuntivites, na sua evolução característicamente o outro olho se torna envolvido em 24 a 48 horas, embora sinais unilaterais não sejam excludentes de conjuntivite viral. A maioria dos casos é causada por adenovírus (65-90%)  e sinais de infecção de vias aéreas superiores são sugestivas de etiologia viral. Usualmente, os sintomas pioram em 3 a 5 dias, mas têm uma evolução benigna com resolução dos sintomas usualmente em duas semanas. Duas síndromes principais são associadas às conjuntivites virais, a primeira delas é caracterizada pelo aparecimento abrupto de febre elevada, faringite,  conjuntivite bilateral e por linfadenomegalia periauricular. Outros casos evoluem com ceratoconjuntivite caracterizada por secreção aquosa, hiperemia, quemose e linfadenopatia ipsilateral. A linfadenopatia é observada em até 50% dos casos de conjuntivite viral, sendo mais frequente na conjuntivite viral em comparação com a conjuntivite bacteriana.

A conjuntivite viral secundária à adenovírus é altamente contagiosa, e o risco de transmissão varia entre 10 a 50%. O vírus se espalha através do contato direto através de dedos contaminados, instrumentos médicos, piscina ou itens pessoais; em um estudo, 46% das pessoas infectadas tiveram culturas positivas crescendo em swabs das mãos. Por causa das altas taxas de transmissão, a lavagem das mãos, a rigorosa assepsia de instrumentos e isolamento dos pacientes infectados são recomendados. O período de transmissibilidade são calculados como entre 5 a 12 dias e de 10 a 14 dias, respectivamente.

O vírus Herpes simples compreende 1,3% a 4,8% de todos os casos de conjuntivite aguda, é normalmente unilateral e apresenta descarga aquosa fina, e que acompanha vesículas e lesões das pálpebras em muitos pacientes. Antivirais tópicos e orais são recomendados para encurtar o curso da doença, mas corticosteroides devem ser evitados porque  potencializam as complicações do vírus. O Herpes-Zóster pode envolver o tecido ocular, especialmente se as primeira e segunda partes do nervo trigêmio for envolvido. As pálpebras (46%) são os locais mais comuns de envolvimento ocular, seguidos da conjuntiva (41%). Complicação corneana e uveíte podem estar presentes. Em pacientes com vesículas na ponta de nariz aumenta o risco de envolvimento corneano e nesse caso os pacientes devem ser encaminhados para uma avaliação oftalmológica completa.

Embora na atenção primária o exame ocular seja muitas vezes limitado por causa de falta de uma lâmpada de fenda, a informação útil pode ser obtida com uma lanterna simples. O exame oftalmológico deve se concentrar na avaliação da acuidade visual, tipo de descarga, opacidade córnea, forma e tamanho da pupila, inchaço da pálpebra e presença de proptose.

Apesar de dor ser um sintoma comum nas conjuntivites, ela costuma ser muito mais intensa em diagnósticos diferenciais, como o glaucoma de ângulo agudo, outros fatores que ajudam a diferenciar essa situação é a presença de alterações pupilares no glaucoma e a tensão ocular elevada, enquanto costuma ser normal nas conjuntivites.

A conjuntivite alérgica é a resposta inflamatória da conjuntiva a alérgenos como pólen, pelos de animais e outros antígenos ambientais, e afeta cerca de 40% da população nos Estados Unidos, mas apenas 10% dos indivíduos com conjuntivite alérgica procura a atenção médica, e a entidade é muitas vezes subdiagnosticada. Hiperemia ocular e prurido são os sintomas mais consistentes. A conjuntivite sazonal alérgica compreende 90% de todas as conjuntivites alérgica nos Estados Unidos.

 

Exames complementares

A obtenção de culturas da conjuntiva é geralmente reservada para suspeita de conjuntivite neonatal infecciosa, conjuntivite recorrente, conjuntivite resistente ao tratamento, conjuntivite com secreção purulenta abundante e casos suspeitos de conjuntivite gonocócica ou por chlamydia.

Um teste rápido para antígeno está disponível para adenovírus e tem sensibilidade de 89% e até 94% de especificidade. Esse teste pode identificar as causas virais de conjuntivite e evitar o uso desnecessário de antibióticos. Trinta e seis por cento dos casos de conjuntivite são devido ao adenovírus, e um estudo estimou que o teste rápido do antígeno poderia evitar 1,1 milhões de tratamentos com antibióticos inadequados, com redução de custo de 400 milhões de dólares anualmente.

 

Tratamento e manejo das conjuntivites

Não existem tratamentos específicos para as conjuntivites virais, mas o uso de lágrimas artificiais, anti-histamínicos tópicos ou compressas geladas podem aliviar os sintomas. Os medicamentos antivirais não são úteis e antibióticos tópicos não são indicados e não protegem contra infecções secundárias, e seu uso pode complicar a apresentação clínica, causando alergias e toxicidade, levando ao atraso no diagnóstico de outras possíveis doenças oculares. Os pacientes devem ser encaminhados para um oftalmologista se os sintomas não se resolverem após 7 a 10 dias por causa do risco de complicações. Na conjuntivite por herpes, o uso de agentes antivirais tópicos e corticoesteroide oral pode ser benéfico. Uma boa higiene nas mãos pode ser utilizada para diminuir a propagação da conjuntivite viral.

Nos pacientes com conjuntivites alérgicas, a mais importante medida é a retirada do fator causal, o uso de anti-histamínicos tópicos é recomendado, mas o uso de esteroides tópicos pode causar rebote dos sintomas, sendo portanto controverso. Nas conjuntivites tóxicas, a recomendação é de evitar o contato com o agente agressor, o que leva à resolução dos sintomas na maioria dos casos.

Nas conjuntivites bacterianas sabe-se que os antibióticos tópicos são eficazes na redução da duração dos sintomas de conjuntivite, alguns pacientes têm resolução espontânea, de forma que observação clínica pode ser razoável. Todos os antibióticos de amplo espectro parecem ser eficazes no tratamento de conjuntivite bacteriana. Não há diferenças significativas em alcançar a cura clínica entre os antibióticos tópicos, assim não é possível fazer recomendações específicas em relação a qual antibiótico escolher. Fatores que influenciam a escolha de antibióticos incluem a disponibilidade local, história de alergias, padrões de resistência e custo. Os esteroides tópicos não são recomendados nesses pacientes. A conjuntivite bacteriana hiperaguda apresenta uma grave secreção purulenta abundante e diminuição da visão. Muitas vezes, é causada por Neisseria gonorrhoeae e carrega um alto risco para o envolvimento da córnea. No caso de perfuração de córnea secundária  à conjuntivite bacteriana hiperaguda, o tratamento consiste na ceftriaxona intramuscular, e infecção por clamídia concorrente deve ser tratada também. conjuntivite bacteriana crônica é o termo utilizado para descrever qualquer conjuntivite com duração superior a quatro semanas causada por Staphylococcus aureus, Moraxella e outras etiologias bacterianas, nesses casos o referenciamento para o oftalmologista deve ser realizado. Os sintomas incluem olhos vermelhos, secreção purulenta ou descarga mucopurulenta e quemose. A secreção bacteriana purulenta grave  sempre leva   em consideração  a etiologia gonocócica com realização de cultura. A conjuntivite pode não responder à terapia antibiótica padrão,  em pacientes sexualmente ativos uma consideração da possibilidade  de infecção por chlamydia deve ser feita. A possibilidade de queratite bacteriana é elevada em usuários de lentes de contato, que devem ser tratados com antibióticos tópicos e serem referenciados para um oftalmologista. Em pacientes que usam  
lentes de contato deve ser solicitado que interrompam seu uso imediatamente.

Situações especiais

Conjuntivite por estafilococo meticilino-resistente

Estima-se que 3% a 64% das infecções estafilocócicas oculares são resistentes à meticilina; nesse caso se recomenda encaminhamento ao especialista.

Conjuntivite por clamídia

Estima-se que em 1,8% a 5,6%  dos casos, as conjuntivites agudas são causadas por clamídia, na maioria dos casos são unilaterais e têm infecção genital concomitante;  hiperemia conjuntival, descarga mucopurulenta, formação de folículos adenolinfoides são características dessa condição. A descarga é frequentemente purulenta ou mucopurulenta. No entanto, os pacientes usualmente apresentam sintomas leves por semanas a meses, cerca de 54% dos homens e 74% das mulheres têm infecção genital concomitante. A doença é geralmente adquirida por via oculogenital ou outro contato íntimo com pessoas infectadas. Em recém-nascidos os olhos podem ser infectados após o parto vaginal em mães infectadas, o tratamento com antibióticos sistêmicos, como azitromicina e doxiciclina por via oral é eficaz , tanto os pacientes como seus parceiros sexuais devem ser tratados para coinfecção com gonorreia. Não há dados que suportam o uso de antibiótico tópico para tratamento de lactentes, nesse caso se requer terapia sistêmica porque mais do que 50% dos pacientes podem ter infecção pulmonar, nasofaringe, e de trato genital concomitante.

 

Conjuntivite secundária ao Tracoma

O tracoma é outra causa de conjuntivite, a doença é causada por Chlamydia trachomatis e é umas das principais causas de cegueira afetando 40 milhões de pessoas, principalmente em áreas com má higiene. Descarga mucopurulenta e desconforto ocular são alguns dos sintomas descritos nessa condição. As complicações tardias, como lesões cicatriciais palpebrais, lesão corneana com perda visual são frequentes.

O tratamento é com dose única de azitromicina por via oral (20mg / kg). Os pacientes  também podem ser tratados com pomadas de antibióticos tópicos durante seis semanas (ou seja, tetraciclina ou eritromicina). Outras formulações com antibióticos sistêmicos, além da azitromicina, como a tetraciclina ou a eritromicina durante três semanas pode ser uma alternativa.

 

Sinais de alerta nas conjuntivites

Avaliação imediata com oftalmologista é recomendada se existe perda visual, dor moderada, secreção purulenta grave, envolvimento da córnea, cicatrizes conjuntivais e falta de resposta à terapêutica, episódios recorrentes de conjuntivite, ou história de herpes simplex ocular. Além disso, os seguintes pacientes devem ser considerados para encaminhamento: usuários de lentes de contato, os doentes que necessitam de corticoesteroides e aqueles com fotofobia.

 

Referências

Azari AA. Conjunctivitis: Systematic review of Diagnosis and Treatment: JAMA 2013; 310 (16): 1721-1730.

 

Weiis A et al. Acute conjunctivitis in childhood. J pediatr 1993; 122:10.

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