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Síndrome das pernas inquietas

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 15/08/2016

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A síndrome das pernas inquietas, também conhecida como síndrome de Willis-Ekbom, é uma desordem neurológica dos movimentos associada ao sono. Durante o sono, os pacientes apresentam movimentos característicos das pernas que podem ser associadas com o despertar.

 

Epidemiologia

A prevalência populacional varia de 2,5 e 15% dos adultos, dependendo da frequência dos sintomas que se considera para determinar a presença da síndrome, e se refere aos sintomas de movimentos dos membros inferiores espontâneos e contínuos associados a parestesias e desconforto nos  membros inferiores. A prevalência aumenta com a idade e é maior em mulheres. Em pacientes que desenvolvem sintomas antes dos 40 anos é comum história familiar.

 

Fisiopatologia

A fisiopatologia da síndrome permanece pouco compreendida, os estudos identificaram anormalidades tanto de sistema nervoso central como periférico. A mais comum alteração encontrada nesses pacientes é redução de estoques de ferro no sistema nervoso central; ferritina liquórica é diminuída. Alterações dopaminérgicas com redução dos níveis de dopamina no sistema nervoso central também são frequentes nesses pacientes. Outros neurotransmissores envolvidos incluem opioides endógenos, glutamina e glutamato.

 

Manifestações Clínicas

O principal achado dessa síndrome é uma necessidade importante e irresistível de movimentar as pernas (acatisia), ocasionalmente envolve também os membros superiores. Essa necessidade não costuma ser dolorosa, mas é associada a desconforto. Várias descrições são associadas com a sensação como “sensação de formigas subindo na perna” ou “inquietude nas pernas”, ou “sensação que soda cáustica foi jogada na perna”. Os sintomas eventualmente podem se estender para membros superiores e tronco, pacientes muito sintomáticos apresentam maior chance de recorrência desses sintomas.

A realização de movimentos com as pernas é associada com alívio imediato parcial dos sintomas e a manutenção do movimento aumenta a sensação de alívio, mas os sintomas podem retornar após a interrupção de movimentos. Ignorar a sensação de necessidade e movimentar as pernas leva ao aumento progressivo da acatisia até ocorrer movimento involuntário. Inicialmente os sintomas ocorrem apenas à noite, mas posteriormente podem ocorrer no período matutino, mas mesmo quando ocorre durante o dia a sensação é pior no período noturno.

A síndrome é associada ainda com movimentos semirritmicos das pernas durante o sono e o parceiro nota por muitas vezes esse sintoma antes do aparecimento da queixa do paciente, mas nem todos pacientes apresentam esses movimentos rítmicos durante o sono, assim como nem todos pacientes com movimentos rítmicos das pernas apresentam sensação de necessidade de movimentar os membros inferiores.

Sintomas como insônia e fadiga posteriormente podem aparecer, pois a síndrome tem impacto negativo na qualidade do sono, também perda de concentração e memória podem ocorrer, e por final sintomas depressivos e ansiosos.

A síndrome ocorre em até 20% das mulheres durante a gestação e em 20 a 60% dos pacientes em programas de diálise. Parece haver associação entre neuropatia e a síndrome, embora um estudo em pacientes com neuropatia tenha encontrado prevalência da síndrome de 5,2%, sugerindo que essa prevalência é similar a da população em geral. Também é relatado deficiência cerebral de ferro em pacientes com síndrome das pernas inquietas.

Foi encontrada ainda alta prevalência da síndrome em pacientes com ataxia espinocerebelar tipo 3, a explicação fisiopatológica desses achados ainda é desconhecida e a doença é considerada um distúrbio idiopático primário. Ainda assim considera-se que certas condições como deficiência de ferro, insuficiência renal crônica dialítica, diabetes mellitus, gestação, esclerose múltipla, doença de Parkinson, doenças reumáticas e insuficiência venosa como causas secundárias da síndrome.

 

Diagnostico Diferencial

Câimbras noturnas são comuns, mas podemos distinguir da síndrome de pernas inquietas pelo padrão da dor e ausência dos chamados “nós musculares” que são pontos de gatilho para precipitar a dor encontrada nos músculos em caso de câimbras.

As parestesias podem ocorrer na síndrome, mas devemos lembrar que essas podem aparecer em pacientes sem a síndrome após permanecerem sentados por longo período. A acatisia hipotensiva, por sua vez, é uma condição associada à disfunção autonômica e tem sensação de desconforto vaga que melhora quando se cruza as pernas. Devemos lembrar que essas duas condições só ocorrem com paciente sentado, ao contrário da síndrome das pernas inquietas. Durante o sono, movimentos periódicos da perna também são associados com apneia do sono, doenças neurodegenerativas, lesões medulares, AVC e narcolepsia. A tabela 1 cita os critérios diagnósticos para a síndrome.

 

Tabela 1: Diagnóstico de síndrome das pernas inquietas

 

Critérios diagnósticos

-Necessidade imperiosa de mover as pernas acompanhada de sensação de desconforto (acatisia) até realizar esse ato.

-Ocorre em repouso (sentado ou deitado).

-Melhora com movimento ou ao andar.

-Pior à noite.

 

Achados associados com a síndrome:

-Movimentos involuntários da perna quando acordado.

-Movimentos periódicos da perna dormindo.

 

  

Exames Complementares e Diagnóstico

Poucos exames são necessários para avaliar o paciente. A polissonografia ajuda a descartar ou a verificar se existem outros distúrbios do sono associados, mas não é obrigatória para confirmação diagnóstica. Deve-se pesquisar se existe deficiência de ferro com dosagem de ferro, transferrina e ferritina. A função renal pode opcionalmente ser avaliada, mas não existe necessidade de outros exames laboratoriais.

Existem critérios diagnósticos definidos para a síndrome, sendo necessária a presença dos cinco critérios para a sua confirmação, são estes:

 

-Necessidade de movimentar as pernas acompanhadas de sensação de desconforto nas pernas;

-A necessidade de mover as pernas piora ou inicia-se em períodos de inatividade ou quando ao deitar;

-As sensações são aliviadas pelo movimento como andar ou se esticar;

-As sensações são piores à noite do que durante o dia;

-Sintomas não são explicados por outras condições como câimbras noturnas.

 

Tratamento

Níveis de ferritina < 45-50 mcg/L são associados com a síndrome das pernas inquietas severas e é sugerida a reposição de ferro em pacientes com níveis de ferritina < 75 mcg/L, uma opção é o uso do sulfato ferroso 300 mg 2 a 3 vezes ao dia. A combinação com vitamina C pode ajudar a melhorar os sintomas.

Medidas não farmacológicas podem ser realizadas, como atividades para manter o estado mental alerta, exercício físico regular e redução do consumo de cafeína. Em pacientes com necessidade de hemodiálise pode ocorrer melhora com a otimização da diálise. Identificar fatores agravantes e evitá-los ajuda a melhorar os sintomas.

Existe indicação de tratamento em pacientes com sintomas quase diários ou que incomodam muito o paciente. Os agentes dopaminérgicos e a levodopa são considerados primeira linha de tratamento. Entre essas opções podemos citar bromocriptina, pergolide e pramipexol, todos com benefícios documentados em estudos randomizados com 90 a 100% de alívio parcial e 70 a 100% de melhora dos movimentos periódicos da perna durante o sono. Esses agentes apresentam efeitos colaterais como insônia, congestão nasal, edema de mãos e pés. Apesar do uso da medicação, os sintomas podem retornar com necessidade de ajuste na medicação, o que ocorre principalmente com a levodopa e menos com agonistas dopaminérgicos.

Outros agentes com benefício possível são os opioides, benzodiazepínicos em particular o clonazepam, zolpidem e anticonvulsivantes (mais estudados são carbamazepina e gabapentina) todos esses com melhora subjetiva de sintomas em diversos estudos. A tabela 2 especifica as medicações e as doses que podem ser utilizadas para o tratamento da síndrome das pernas inquietas.

 

Tabela 2: Medicações para o tratamento da síndrome das pernas inquietas

 

Medicação

Dose inicial

Dose máxima

Levodopa

50 mg ao dia

200 mg à noite

Pergolide

0,25 mg

0,5 mg dividido em duas doses diárias

Pramipexol

0,125 mg ao dia

1,5 mg dividido em 2 a 3 doses

Ronipirol

0,25 mg ao dia

3 mg divididos em 2 a 3 doses

Codeína

30 mg à noite

180 mg divididos em 2 a 3 doses

Gabapentina

300 mg ao dia

3600 mg divididos em 3 doses

Cabergolina

0,5 mg à noite

4 mg à noite

Clonazepam

0,25 à noite

2 a 4 mg à noite

 

Em pacientes dialíticos existem estudos com levodopa e pergolide, o que torna estes agentes provavelmente a primeira escolha nesses casos.

 

Uma sugestão de tratamento poderia ser a seguinte:

-Repor ferro em pacientes com deficiência;

-Medidas não farmacológicas como evitar cafeína, atividade física, entre outras.

-Iniciar agente dopaminérgico;

-Caso sem melhora trocar para gabapentina;

-Se sem resposta usar outro agente dopaminérgico;

-Adicionar um segundo agente como um benzodiazepínico, gabapentina ou opioide.

 

Referências

1-Earley CJ. Restless leg syndrome. New England J Medicine 2003; 348: 2103-2109.

 

2- Trotti LM, Bhadriraju S, Becker LA. Iron for restless legs syndrome. Cochrane Database Syst Rev 2012; 5:CD007834.

 

3- Aurora RN, Kristo DA, Bista SR, et al. The treatment of restless legs syndrome and periodic limb movement disorder in adults--an update for 2012: practice parameters with an evidence-based systematic review and meta-analyses: an American Academy of Sleep Medicine Clinical Practice Guideline. Sleep 2012; 35:1039.

 

4- Wilt TJ, MacDonald R, Ouellette J, et al. Pharmacologic therapy for primary restless legs syndrome: a systematic review and meta-analysis. JAMA Intern Med 2013; 173:496.

 

5- Silber MH, Becker PM, Earley C, et al. Willis-Ekbom Disease Foundation revised consensus statement on the management of restless legs syndrome. Mayo Clin Proc 2013; 88:977.

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