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Resfriado comum

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 27/03/2017

Comentários de assinantes: 2

Resfriado comum

 

O Resfriado comum, ou rinossinusite viral aguda, refere-se a uma síndrome de sintomas respiratórios superiores que pode ser causada por uma variedade de patógenos virais. As referências a essas doenças em escritos antigos atestam a longa associação de resfriados e saúde humana.

Observações antigas verificaram que os resfriados diminuíam de frequência durante as viagens marítimas e depois reapareciam quando o contato social era restabelecido, sugerindo que essas doenças foram transmitidas de pessoa para pessoa ? o que se confirmou em estudos de transmissão humana realizados no início do século XX.

Os estudos epidemiológicos iniciados por Dingle e colaboradores na década de 1940, entre famílias em Cleveland, demonstraram o papel dos contatos familiares na disseminação dos resfriados e evidenciaram maior incidência entre crianças do que em adultos.

Embora seja, em geral, leve e autolimitado, o Resfriado comum está associado a um grande custo econômico, inclusive à perda de produtividade. A infecção viral do trato respiratório é responsável por, aproximadamente, 21 milhões de dias de ausência escolar e 20 milhões de dias de ausência de trabalho por ano nos EUA. A cada ano, ocorrem 110 milhões de visitas médicas, e os pacientes gastam quase 3 bilhões de dólares em medicamentos sem necessidade de prescrição.

 

Etiologia

 

Os patógenos com mais frequência associados aos sintomas do Resfriado comum são os rinovírus que causam, aproximadamente, metade de todas as rinossinusites virais agudas. Outros patógenos importantes incluem os coronavírus e o vírus sincicial respiratório (VSR). O influenzavírus, o parainfluenza e o adenovírus podem estar associados a sintomas de vias aéreas superiores; entretanto, esses agentes costumam causar sintomas respiratórios de vias aéreas inferiores, além dos sintomas respiratórios superiores característicos do Resfriado comum.

O metapneumovírus, detectado pela primeira vez em 2001, parece ser a causa de 5% dos resfriados comuns e pode cursar eventualmente com sintomas de vias aéreas inferiores.

 

Epidemiologia

 

Em climas temperados, resfriados ocorrem durante todo o ano, já nos climas tropicais, o Resfriado comum é prevalente ao longo do ano, e a incidência tem pouca correlação com as mudanças climáticas. Embora surtos de gripe possam estar associados às estações chuvosas, em nosso País, a incidência tende a ser maior no inverno; porém, ao contrário do influenzavírus, não ocorrem grandes surtos em períodos de tempo curtos como 8 a 12 semanas.

A incidência média de Resfriado comum em crianças pré-escolares é de 5 a 7 por ano; porém, de 10 a 15% das crianças terão, pelo menos, 12 infecções por ano, e a incidência da doença diminui com a idade, com médias de 2 a 3 ao ano na idade adulta.

A incidência de resfriados comuns é aumentada pelo contato com crianças em casa ou por contato extenso com crianças fora do lar, como em creches. As crianças cuidadas em creches fora do lar durante o primeiro ano de vida têm 50% mais resfriados do que aquelas que permanecem em casa.

 

Transmissão

 

Em geral, os vírus respiratórios são disseminados por três mecanismos: aerossóis de pequenas partículas, aerossóis de partículas grandes e contato direto. Os aerossóis de pequenas partículas formam núcleos de gotículas que não se assentam e podem ser transmitidos por distâncias relativamente longas pelo ar. Quando inalados, esses aerossóis podem atingir as vias aéreas inferiores.

Os aerossóis de partículas grandes referem-se a gotículas geradas a partir da via aérea que se estabelecem rapidamente e são transmitidas apenas em distâncias relativamente curtas. Essas partículas são, em geral, filtradas pelo trato respiratório superior e não são depositadas no trato respiratório inferior. O contato direto refere-se ao contato com fômites contaminados, bem como ao contato direto de pessoa para pessoa.

A infecção com os vírus respiratórios produz uma resposta imune adaptativa, e o risco de infecção na exposição subsequente parece estar relacionado com a presença ou ausência de anticorpos específicos contra o patógeno. A frequência de infecção com esses vírus deve-se aos vários mecanismos dos patógenos para evitar as defesas do hospedeiro.

Infecções com rinovírus e adenovírus resultam no desenvolvimento de imunidade protetora específica do sorotipo. As infecções repetidas com esses agentes patogênicos ocorrem porque existe um grande número de sorotipos distintos de cada vírus.

 

Patogênese

 

A infecção viral do epitélio nasal pode estar associada à destruição do revestimento epitelial, como acontece com os vírus da gripe e adenovírus, e menos extensos, como os coronavírus, ou sem dano histológico aparente, como ocorre com rinovírus e VSR. Independentemente dos achados histopatológicos, a infecção do epitélio nasal está associada a uma resposta aguda em resposta inflamatória, caracterizada pela liberação de uma variedade de citocinas e pela remoção da mucosa.

Embora haja alguma variação nas vias específicas envolvidas na resposta aos diferentes patógenos virais, essa resposta aguda parece ser responsável, pelo menos em parte, por muitos dos sintomas associados ao Resfriado comum.

Obstrução nasal e rinorreia são os sintomas proeminentes do resfriado. A resposta nasal parece estar associada ao agrupamento do sangue nos vasos capacitantes do nariz e ao aumento do fluxo nasal. A contribuição importante dessas mudanças na obstrução nasal é demonstrada pelo efeito descongestionante substancial associado ao uso de vasoconstritores tópicos. O aumento da permeabilidade vascular com extravasamento de soro na mucosa nasal e nas secreções nasais também pode contribuir para a obstrução nasal.

A tosse é um sintoma menos comum nos resfriados; mas quando ocorre, é frequentemente relatada como o sintoma mais incômodo. A patogênese da tosse em resfriados é mal compreendida e pode ser devido a uma variedade de mecanismos. A extensão da infecção viral no trato respiratório inferior parece estar associada à tosse em alguns pacientes.

Também há evidência de que, em alguns casos, a tosse é desencadeada por alterações neurais como resultado da estimulação dos receptores sensibilizados das vias aéreas superiores. O gotejamento posterior é outro mecanismo da tosse. A dor de garganta que é característica de resfriados de rinovírus pode ser produzida pela elaboração de bradicinina como parte da resposta inflamatória. Concentrações aumentadas de bradicinina são encontradas nas secreções nasais durante os resfriados de rinovírus.

 

Manifestações clínicas

 

O início dos sintomas de Resfriado comum ocorre, em geral, de 1 a 3 dias por uma infecção viral. O primeiro sintoma costuma ser uma sensação de garganta dolorida ou, conforme descrito com frequência pelos pacientes, “garganta raspando”, seguida de obstrução nasal e rinorreia. A dor de garganta resolve-se, em geral, de forma rápida, e, no segundo ou terceiro dias da doença, predominam os sintomas nasais. A coriza clara e a diminuição da capacidade olfativa são comuns.

A tosse está associada a, aproximadamente, 30% dos resfriados e, em geral, começa com o aparecimento de sintomas nasais. Sintomas sistêmicos são incomuns em resfriados, podendo ocorrer particularmente em infecções pelo influenzavírus, VSR e adenovírus ? nesse caso, pode haver febre e outros sintomas constitucionais. O resfriado normalmente persiste por cerca de 1 semana, ainda que, em 25% dos casos, dure 2 semanas. Dados recentes sugerem que a coinfecção por múltiplos patógenos pode estar associada a doenças prolongadas.

O aumento da secreção nasal é óbvio para o examinador. Uma alteração na cor ou na consistência das secreções é comum durante o curso da doença, e não é indicativa de sinusite ou superinfecção bacteriana; uma coriza fortemente amarelada só levará à suspeita de sinusite bacteriana se os sintomas estiverem presentes por, pelo menos, 5 dias. O exame da cavidade nasal pode revelar cornetos nasais eritematosos edemaciados, embora essa característica não seja específica e tenha utilidade diagnóstica limitada.

 

Diagnóstico diferencial

 

O diagnóstico diferencial do Resfriado comum inclui distúrbios não infecciosos, bem como outras infecções do trato respiratório superior, que tem sintomas semelhantes. A rinite alérgica tem sintomas semelhantes ao Resfriado comum. A presença de prurido nasal ou conjuntival sugere doença alérgica, e alguns dados sugerem que os pacientes podem diferenciar essas doenças de forma confiável. Outras causas menos comuns de sintomas respiratórios superiores são o corpo estranho e a fase catarral da coqueluche.

A sinusite pode ocorrer de forma aguda ou como uma complicação do Resfriado comum. O envolvimento sinusal está presente em doenças não complicadas do Resfriado comum e, mais comumente, não indica uma infecção bacteriana sobreposta. A sinusite bacteriana pode ser de difícil distinção. A sinusite bacteriana terá maior probabilidade de estar presente se os sintomas persistirem por mais de 10 dias, se houver doença grave ou se os sintomas piorarem.

 

Exames complementares

 

Os estudos laboratoriais de rotina não são úteis para o diagnóstico e o manejo do Resfriado comum. Um esfregaço nasal para eosinófilos pode ser útil se houver suspeita de rinite alérgica. A predominância de leucócitos polimorfonucleares nas secreções nasais é característica de resfriados não complicados e não indica superinfecção bacteriana.

Os patógenos virais associados com o Resfriado comum podem ser detectados por cultura, detecção de antígenos, PCR ou métodos sorológicos. Esses estudos não são indicados em pacientes com resfriados, pois um diagnóstico específico é útil somente quando o tratamento com um agente antiviral é contemplado. As radiografias de tórax e seios nasais não têm benefício, caso se suspeite de sinusite bacteriana devido a tempo e característica dos sintomas; o tratamento empírico sem exame de imagem é recomendado.

 

Complicações do Resfriado comum

 

O Resfriado comum costuma ter pouco significado clínico. Um estudo recente descobriu que a otite média aguda foi diagnosticada em associação com 30% de infecções virais, e a disfunção de tuba auditiva é relativamente comum em pacientes com infecções de vias aéreas superiores (Ivas). A sinusite foi associada com 8% das Ivas virais, e as exacerbações agudas de asma são frequentes em infecções virais.

 

Tratamento

 

A terapêutica antiviral específica não está atualmente disponível para o tratamento de doenças do Resfriado comum. E os inibidores da neuraminidase, oseltamivir e zanamivir, têm um efeito modesto sobre a duração dos sintomas associados às infecções pelo vírus da gripe, e não são indicados no Resfriado comum. A dificuldade de distinguir influenzavírus de outros patógenos comuns do frio e a necessidade de iniciar a terapia precocemente na doença são limitações práticas ao uso desses agentes para Ivas leves. A terapia antibacteriana não é benéfica no tratamento do Resfriado comum.

O tratamento atual do Resfriado comum depende de medicações sintomáticas direcionadas a sintomas específicos. Para os resfriados comuns, a eficácia dos tratamentos para obstrução nasal, rinorreia e dor de garganta ou cefaleia tem sido demonstrada em estudos em adultos. Tentativas de demonstrar efeitos benéficos desses agentes em crianças falharam, talvez pela dificuldade em avaliar sintomas subjetivos nessa população. Devido à ausência de benefícios demonstrados e ao potencial de toxicidade, as terapêuticas sintomáticas de Resfriado comum não são recomendadas para crianças com menos de 4 anos de idade, exceto para tratamento de dor ou febre.

Em relação aos descongestionantes nasais, os agentes adrenérgicos tópicos e orais são opções. Não foram realizados estudos comparativos sobre o Resfriado comum. No entanto, é geralmente aceito que os agentes tópicos são mais potentes do que os fármacos orais. Deve evitar-se o uso prolongado dos agentes adrenérgicos tópicos para não causar rinite medicamentosa, um efeito de rebote aparente quando o fármaco é descontinuado. Sendo assim, o tempo recomendado de uso é de até 3 dias.

A absorção sistêmica das imidazolinas (por exemplo, oximetazolina e xilometazolina) tem sido associada, raramente, com braquicardia, hipotensão e coma. Os anti-histamínicos não têm qualquer efeito sobre a congestão nasal. O tratamento da rinorreia é realizado sobretudo pelo bloqueio da estimulação colinérgica da secreção glandular. O tratamento com brometo de atropina ou brometo de ipratrópio produz uma pequena diminuição da rinorreia. Em estudos de grande porte, o ipratrópio produziu uma diminuição de 22 a 31% dos sintomas.

Os anti-histamínicos de primeira geração têm sido utilizados há muitos anos para o tratamento da rinorreia associada ao Resfriado comum, com efeito pequeno. Os anti-histamínicos de segunda geração não tiveram efeito sobre os sintomas do Resfriado comum em um número limitado de estudos. A irrigação nasal com salina fisiológica é, em geral, recomendada.

Os espirros são, com frequência, relatados como um sintoma durante o Resfriado comum; entretanto, raramente são considerados os sintomas mais incômodos. Os anti-histamínicos são eficientes para o tratamento de espirros. A dor de garganta é um sintoma comum no início do curso do resfriado e, comumente, o primeiro sintoma observado pelo paciente. A dor de garganta associada a resfriados, em geral, não é intensa. O tratamento com analgésicos leves é indicado em alguns casos, sobretudo se houver mialgia ou dor de cabeça associada.

A tosse durante os resfriados é produzida por vários mecanismos diferentes, e o tratamento deve ser direcionado para a causa subjacente mais provável. Em alguns pacientes, parece ser devido à obstrução nasal ou ao gotejamento pós-nasal. A tosse é mais proeminente durante o período de maior sintoma nasal, e pode responder ao tratamento com uma medicação demulcente calmante à garganta, como o mel e própolis, ou uma combinação anti-histamínico ou anti-histamínico/descongestionante.

Em alguns casos, a tosse pode ser um resultado da doença reativa das vias aéreas induzida pelo vírus ou da infecção viral das vias aéreas inferiores ? nesse caso, a medicação mais utilizada é o dextrometorfano. Esses pacientes podem ter tosse que persiste por dias a semanas após a doença aguda e podem beneficiar-se de terapia broncodilatadora.

A tosse que persiste na resolução de outros sintomas de resfriado ou em associação com rinorreia ininterrupta pode ser devida à sinusite e responder à terapia antibiótica. A supressão da tosse com medicamentos não específicos com codeína ou brometo de dextrometorfano é comum, mas a eficácia desses agentes não foi demonstrada no Resfriado comum.

Os resfriados comuns são autolimitados e variam de gravidade de episódio para episódio, tendo uma incidência imprevisível ao longo do tempo. Muitas medicações diferentes e não convencionais têm sido promovidas, porém poucas foram submetidas a rigorosa avaliação científica. O zinco como tratamento para o Resfriado comum foi sugerido devido ao fato de ser um inibidor da protease 3C do rinovírus, uma enzima essencial para a replicação do vírus.

Embora o zinco nunca tenha demonstrado ter um antiviral significativo efeito in vivo, essa observação produziu numerosos estudos clínicos para avaliar a eficácia dele como uma terapia comum de frio. Os resultados desses estudos variam de reduções drásticas na gravidade do Resfriado comum à ausência de achados significativos. As pastilhas de zinco podem estar associadas a fatores como boca dolorida e náuseas ocasionais. O zinco intranasal pode causar irritação nasal, e tem sido associado à anosmia em casos raros. A dose diária é de 75mg.

Echinacea é um remédio tradicional para o Resfriado comum, e o uso dessa erva para o tratamento de sintomas respiratórios data do final de 1800. Muitos estudos de prevenção ou tratamento do Resfriado comum com a Echinacea têm sido relatados, mas a falta de caracterização do produto e de qualidade desses estudos limita a interpretação e a generalização dos resultados.

Embora estudos iniciais sugeriram que a equinácea possa ter efeitos benéficos no tratamento, estudos recentes e mais rigorosos não conseguiram detectar qualquer efeito dela sobre os sintomas de Resfriado comum. As evidências atuais não são suficientes, portanto, para recomendar o uso da Echinacea.

 

Referências

 

1-Turner RB. Common Cold, in Mandell, Douglas and Benett Principles and Practice of Infectious Diseases 8 Th edition 2016.

2-Kirkpatrick GL. The common cold. Prim Care 1996; 23:657.

Comentários

Por: Atendimento MedicinaNET em 23/03/2017 às 09:08:06

"Bom dia, Dr. Marcelo. Agradecemos o seu comentário, suas considerações são muito importantes para nós. Atenciosamente, os Editores."

Por: Marcelo Augusto Antonio em 22/03/2017 às 14:56:27

"Apesar de não considerar a prescrição de mucolíticos, expectorantes e da equinácea, uma vez que estas drogas não mudam a morbidade e a evolução natural da doença, considero, até o momento, o uso do Pelargonium sidoides, amparado por alguns guidelines (cito pag 18 de http://www.aborlccf.org.br/imageBank/guidelines_completo_07.pdf)"

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