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Pneumonia Nosocomial

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 28/07/2017

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 Pneumonia Nosocomial

 

A pneumonia nosocomial (PN) é definida como o aparecimento de infiltrado pulmonar - novo mais evidência clínica de que o infiltrado é de origem infecciosa - , que incluem o aparecimento de febre, expectoração purulenta, leucocitose e diminuição da oxigenação. Para ser denominada de nosocomial, a pneumonia deve, necessariamente, ocorrer após a alta hospitalar dentro do período compatível com uma possível incubação de um microrganismo adquirido no hospital após a alta ou em mais de 48 horas após a admissão hospitalar.

A PN associada à ventilação mecânica (PNV) ocorre 48 horas após a intubação endotraqueal. A pneumonia associada aos cuidados de saúde, por sua vez, se refere à doença adquirida em instituições como clínicas de diálise, hospitais-dia ou asilos. Os critérios para o diagnóstico de pneumonia associada aos cuidados de saúde são sumarizados no Quadro 1.

 

Quadro 1

 

CRITÉRIOS PARA PNEUMONIA ASSOCIADA AOS CUIDADOS DE SAÚDE

               Hospitalização por >=2 dias durante os 90 dias anteriores

               Residência em lar de idosos ou instalações de cuidados extensivos

               Uso a longo prazo da terapia endovenosa em casa, incluindo antibióticos

               Hemodiálise durante os últimos 30 dias

               Início de tratamento de feridas

               Membro da família com patógeno multirresistente

               Doença imunossupressora ou terapia imunossupressora

               Uso de antibióticos durante os 90 dias anteriores

               Incapacidade de deambulação e alimentação por tubo ou uso de agentes supressores de ácido gástrico

 

Epidemiologia e Fatores de Risco

 

A PN é a segunda causa mais frequente de infecção adquirida no hospital, ficando somente atrás de infecções urinárias; é a primeira causa de infecção adquirida na UTI e a maior causa de mortalidade associada à infecção nosocomial. Sua incidência depende da idade, com dados americanos relatando 5/1.000 casos em pacientes com idade menor que 35 anos e 15/1.000 casos em pacientes acima de 65 anos de idade. Desses, mais de 80% são PAVs, com risco cumulativo de 1%/dia de ventilação mecânica.

Um estudo brasileiro, entretanto, mostrou relação com ventilação mecânica em cerca de 50% dos casos. Outro estudo norte-americano, incluindo mais de 9 mil pacientes em ventilação mecânica por mais de 24h, demonstrou a ocorrência de 9,3% de pneumonia, sendo o intervalo de tempo entre a intubação e o diagnóstico de 3,3 dias. A mortalidade por pneumonia hospitalar, e mais especificamente associada à ventilação mecânica, é em torno de 30 a 50%, com mortalidade atribuível estimada em 10 a 50%.

Alguns fatores de risco estão associados com o aparecimento da PN por agentes resistentes, como o uso de antibióticos intravenosos nos últimos 90 dias por, pelo menos, 5 dias, internação hospitalar antes da PN, choque séptico no momento da ocorrência da PNV, ocorrência de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e terapia de substituição renal. O uso de corticosteroides não foi confirmado como fator de risco para PN com agentes multirresistentes, e coma na admissão hospitalar parece ser um fator protetor.

As pneumonias adquiridas na comunidade têm algumas diferenças significativas em relação às PNs. Em primeiro lugar, as causas infecciosas são diferentes e a probabilidade de infecção por agentes multirresistentes é muito maior em pacientes com PN; o estado geral de saúde dos pacientes com PN também costuma ser muito pior do que o dos pacientes com pneumonia adquirida na comunidade.

As PNs são, em geral, adquiridas por microaspirações. Assim, uma mudança na flora do trato respiratório superior leva ao aparecimento de agentes potencialmente resistentes nos pacientes com PN. Dessa forma, a colonização da faringe e do trato gastrintestinal por agentes nosocomiais é o primeiro passo para a ocorrência da PN. Essa colonização ocorre devido a distintos fatores exógenos, como a instrumentação do trato respiratório superior com sondas e tubos, assim como o uso de antibióticos de amplo espectro.

As etiologias microbianas da PNV não parecem diferentes daquelas que ocorrem entre os pacientes sem SDRA que necessitaram de ventilação mecânica por períodos de tempo semelhantes e que tiveram níveis similares de exposição à antibioticoterapia. As PNs podem ser divididas em precoces e tardias. Sabe-se que os padrões de colonização nas vias aéreas superiores e inferiores mudam nos primeiros 3-4 dias de um padrão de tipo comunitário para um padrão nosocomial típico.

Assim, a literatura, para fins de classificação, estratifica as PNs em precoces e tardias, considerando o limite de 5 dias da internação hospitalar para PN ser considerada precoce. A colonização com padrões similares à comunidade foi associada à pneumonia de início precoce, enquanto os padrões nosocomiais estiveram associados a um risco de pneumonia de início tardio.

Diversos estudos, entretanto, questionam a relação entre o momento da PNV e o risco de agentes multirresistentes, não tendo sido encontradas diferenças etiológicas significativas nas PNVs precoces e tardias. Dessa forma, a ventilação mecânica parece ser um fator que aumenta o risco de apresentar mesmo precocemente uma flora multirresistente, sendo, portanto, um fator modificador de doença.

A presença de fatores de risco para agentes multirresistentes é mais importante que a distinção temporal entre a pneumonia precoce e a tardia. No entanto, a evidência ainda sugere que os pacientes que desenvolvem PNV após >5 dias de hospitalização estão em maior risco de infecção com organismos patógenos multirresistentes (MDR) do que os que desenvolvem PNV mais precocemente.

Os agentes etiológicos das PNs são dependentes da flora microbiana habitual de cada instituição. Logo, conhecer o perfil epidemiológico de cada instituição é o primeiro passo na determinação da etiologia e do tratamento empírico desses pacientes. Os agentes etiológicos da PN variam conforme os diferentes estudos, mas os dois principais são a pseudomonas aeroginosa e o staphylococcus aureus (s. aureus). A seguir, se destacam a klebsiella pneumoniae e o acinetobacter. Também são importantes outras enterobactérias, comensais da orofaringe como o streptococcus viridans e estafilococos coagulases negativos.

O Quadro 2 apresenta os principais agentes etiológicos encontrados nas PNs.

 

Quadro 2

 

PRINCIPAIS AGENTES ETIOLÓGICOS NAS PNEUMONIAS NOSOCOMIAIS

                S. pneumoniae resistentes

                S. aureus meticilina-sensível

                S. aureus meticilina-resistente

                Gram-negativos não ESBL (resistência a ß-lactamases de espectro estendido)

                Gram-negativos produtores de ESBL (E. coli, klebsiella pneumoniae e enterobacter)

                Pseudomonas aeroginosa

                Acinetobacter

 

Fatores de Risco para Agentes Multirresistentes

 

Os fatores de risco para PN por agentes multirresistentes são pouco estudados. Apenas um fator de risco é significativamente associado ao risco de PN por agentes multirresistentes, que é o uso prévio de antibiótico intravenoso. Embora outros fatores de risco possam ser relevantes, faltam evidências suficientes a respeito. A pneumonia por staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) é mais frequente na pneumonia tardia em comparação com a PN precoce; amostras prévias de vias aéreas como em cultura nasal com agente MRSA também são fatores de risco para PN por agente MRSA.

Para infecções por pseudomonas aeroginosa, os estudos identificaram que uso prévio de antibióticos, ventilação mecânica e história de doença obstrutiva crônica são fatores de risco para infecção por esse agente. Embora haja dados limitados, os pacientes com fibrose cística e bronquiectasias são mais propensos que aqueles com outras doenças pulmonares a serem cronicamente colonizados com p. aeruginosa e, portanto, também apresentam risco aumentado de infecção por p. aeruginosa multirresistente.

 

 

Fisiopatologia e Medidas para Prevenção

 

A aspiração é a principal rota pela qual as bactérias invadem as vias aéreas inferiores e causam PAV. Existe a necessidade de que os patógenos alcancem o trato respiratório inferior e sejam capazes de vencer os mecanismos de defesa do sistema respiratório, que incluem os mecânicos como os reflexos de tosse, humorais como os anticorpos e celulares. A cânula endotraqueal mantém as cordas vocais abertas, facilitando aspiração; outros dispositivos e equipamentos utilizados no ambiente hospitalar aumentam esse risco.

A redução da tosse efetiva por sedação, ou mesmo paralisia, pode também contribuir para o processo. Uma vez aspiradas, as secreções se mantêm em volta do cuff orotraqueal e, se ocorrerem mudanças na pressão do cuff, sua deformidade subsequente pode fazer com que o material aspirado seja transportado em volta do cuff por ação capilar.

A manutenção de pressão do cuff maior que 25cm de água (e menor que 30cm de água para evitar lesão traqueal) é eficiente em prevenir a aspiração. Outras medidas associadas à redução de PAV são: evitar intubação ou reintubação com uso de ventilação não invasiva, elevação do decúbito e medidas habituais de controle de infecção como lavagem de mãos e vigilância microbiológica.

A PN é associada com fatores de risco para seu desenvolvimento, que podem ser divididos em modificáveis ou não modificáveis. Entre os fatores de risco não modificáveis, estão a idade, a gravidade do paciente, a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), as doenças neurológicas, os traumas e as cirurgias. Simples medidas como lavagem e desinfecção das mãos podem ajudar a prevenir essas infecções. Outro ponto fundamental é que procedimentos invasivos que envolvam manipulação das vias aéreas devem ser evitados sempre que possível, pois predispõem ao desenvolvimento de pneumonia.

 

Quadro Clínico

 

Os achados diagnósticos da PN são inespecíficos. A doença é definida como o aparecimento de um infiltrado pulmonar novo em radiografia de tórax, associado à secreção pulmonar purulenta, bem como aparecimento de febre, leucocitose e, embora não seja consenso, alteração das trocas gasosas. A presença de infiltrado pulmonar novo com dois desses critérios tem sensibilidade de 70% e especificidade de 75% para o diagnóstico de PN.

O Consenso Brasileiro de PN sugere que o diagnóstico seja feito com base no aparecimento de infiltrado pulmonar novo ou progressivo à radiografia do tórax, associado à presença de sinais e alterações laboratoriais, que incluem os seguintes:

                febre definida por temperatura >38ºC;

                leucocitose (>10.000/mm3) ou leucopenia (<4.000/mm3);

                secreção traqueal purulenta.

A acurácia desses critérios, avaliada em estudos com autópsia como padrão-ouro para o diagnóstico, depende do número de critérios utilizados. A utilização dos três critérios associados ao critério radiológico tem sensibilidade inferior a 50%, enquanto que a utilização de apenas um dos critérios leva à redução da especificidade para menos de 35%.

Em pacientes críticos internados em UTI, os sinais clínicos indicados anteriormente identificam a pronta necessidade de início de antibioticoterapia ampla e avaliações microbiológicas para excluir outras possíveis fontes de infecção e identificar o patógeno causador. Essa abordagem pode proporcionar modificações posteriores da terapêutica, no sentido de ampliação (em caso de resistência) ou restrição.

Uma forma de avaliar esses pacientes é através do escore clínico de infecção pulmonar (em inglês, clinical pulmonary infection score [CPIS]) em que os achados, o gram e as culturas do aspirado traqueal, presentes no momento da suspeita diagnóstica, são pontuados, com um escore total de, no máximo, 12 pontos (0-12). Pacientes com CPIS superior a 6 apresentaram alta probabilidade de PNVs, com sensibilidade e especificidade de 93 e 100%, respectivamente.

Entretanto, em outros estudos, o CPIS obteve sensibilidade de 72,77% e especificidade de 42,85%, comparativamente a outros métodos, obtendo acurácia semelhante ao uso dos três critérios clínicos. O Quadro 3, adaptado do Consenso Brasileiro de PN, sumariza os critérios CIPS.

 

Quadro 3

 

ESCORE CLÍNICO DE INFECÇÃO PULMONAR CPIS

Temperatura ºC

                =36,5 e =38,4 = 0 ponto

                =38,5 e =38,9 = 1 ponto

                =39,0 ou =36,0 = 2 pontos

Leucometria sanguínea (por mm3)

                =4.000 e =11.000 = 0 ponto

                <4.000 ou >11.000 = 1 ponto + bastões =500 = + 1 ponto

Secreção traqueal 0 - 4+ (cada aspiração, total/dia)

                <14+ = 0 ponto

                =14+ = 1 ponto + secreção purulenta = + 1 ponto

 

 

Índice de oxigenação: PaO2, FiO2, mmHg

                >240 ou SARA = 0 ponto

                =240 e ausência de SARA = 2 pontos

Radiografia do tórax

                Sem infiltrado = 0 ponto

                Infiltrado difuso = 1 ponto

                Infiltrado localizado = 2 pontos

Cultura semiquantitativa do aspirado traqueal (0?1?2 ou 3+)

                Cultura de bactéria patogênica =1 + ou sem crescimento = 0 ponto

                Cultura de bactéria patogênica >1 + = 1 ponto + mesma bactéria identificada ao gram >1 + = + 1 ponto

 

 

 

Diagnóstico da Etiologia da pneumonia nosocomial

 

A hemocultura é positiva em apenas 15% dos indivíduos com PN. Ainda assim, o exame é específico e deve ser valorizado quando positivo mais do que as amostras invasivas de trato respiratório. Em 26% dos casos, o lavado broncoalveolar (LBA) encontra o mesmo agente etiológico e em 27% dos casos, é encontrado outro foco infeccioso.

Os pacientes com PN bacterêmicos também têm aumento de morbidade e mortalidade, de forma que as hemoculturas podem modificar o manejo nesses casos, já que, muitas vezes, o exame identifica um agente multirresistente e, em alguns casos, permite desescalonar a terapia; assim, o exame é indicado em todos os pacientes.

Recomenda-se a colheita padronizada de dois pares de hemocultura, preferencialmente no pico febril, em locais diferentes de punção, com volume mínimo de 10mL de cada amostra. A colheita de material para hemoculturas não deve retardar o início da antibioticoterapia. Deve-se considerar, entretanto, que uma única dose de antibiótico é capaz de impedir o crescimento de microrganismos em cultura. Todos os pacientes com derrame pleural significativo devem ainda ser submetidos à toracocentese.

As diretrizes internacionais recomendam o uso de amostras não invasivas com culturas semiquantitativas (aspiração traqueal) para diagnosticar a PNV, em vez de amostras invasivas (LBA, escovado protegido, entre outras). Os estudos que compararam as duas estratégias não demonstraram diferenças significativas que justifiquem o uso de técnicas invasivas. Em geral, os aspirados traqueobrônquicos têm capacidade de recuperação de patógenos semelhantes ao lavado e escovado, porém com uma tendência a menor especificidade.

Não há evidência de que a amostragem microbiológica invasiva com culturas quantitativas melhore os resultados clínicos, em comparação com a amostragem não invasiva com culturas quantitativas ou semiquantitativas. A amostragem não invasiva pode ser feita mais rapidamente do que a invasiva, com menos complicações e recursos. As culturas semiquantitativas podem ser feitas mais rapidamente do que as quantitativas, com menos recursos de laboratório e menos especialização necessária.

O LBA e o escovado protegido têm eficácia similares, e as três técnicas exibem uma taxa de falso-positivo e falso-negativo em torno de 10 a 30%. Mesmo os valores de contagem de colônias, a partir dos quais deve ser valorizado o patógeno como causador de infecção, não estão absolutamente definidos, com autores reportando níveis considerados significativos entre 103 e 105 colônias. De qualquer forma, a realização de LBA para guiar modificação de terapêutica em pacientes com germes resistentes e má evolução clínica está associada a um impacto prognóstico ruim.

Mais importante parece ser a realização precoce do exame (até 12 horas da suspeita diagnóstica), visto que essa abordagem associa-se à resolução de mais de 60% dos episódios. Assim, o início rápido do tratamento e a coleta precoce de culturas são mais importantes no diagnóstico do que o tipo de técnica quantitativa utilizada.

O LBA é realizado através da infusão de 140mL de soro fisiológico pelo canal de trabalho do fibrobroncoscópio impactado no segmento ou subsegmento pulmonar suspeito, identificado previamente por análise radiológica. O líquido recolhido é encaminhado para cultura quantitativa, utilizando-se, em geral, o ponto de corte de 104 unidades formadoras de colônias (UFC/mL) para diferenciação entre colonização e infecção; apesar do relato de sensibilidade de 73% e especificidade de 82%, um estudo nacional revelou sensibilidade de 92,5% e especificidade de 94,1%.

O escovado protegido, por sua vez, é realizado por meio da introdução de uma escova protegida por cateter plástico, selada na sua extremidade distal, que é posteriormente liberada, até o leito distal de um subsegmento escolhido previamente, de acordo com a anormalidade radiológica. Utiliza-se, em geral, o ponto de corte de 103UFC/mL para diferenciação entre colonização e infecção. Uma metanálise mostrou sensibilidade de 66 ± 19% e especificidade de 90 ± 15% com esse exame.

Ao serem realizados métodos invasivos para diagnosticar a PNV, as culturas quantitativas invasivas, cujos resultados culturais estão abaixo do limiar de diagnóstico - achados com escovado protegido <103UFC/mL ou LBA com <104UFC/mL. Nesse caso, a recomendação das diretrizes é descontinuar os antibióticos. Os fatores clínicos também devem ser levados em conta nessa decisão.

Esses fatores incluem a probabilidade de uma fonte alternativa de infecção, a terapia antimicrobiana prévia no momento da cultura, o grau de suspeita clínica, os sinais de sepse grave e a evidência de melhora clínica. Estudos que comparam as duas estratégias mostram desfechos clínicos semelhantes e menor uso de antibióticos na estratégia que descontinua a terapia.

Os pacientes devem ter seu tratamento adaptado aos resultados de exames microbiológicos e não empiricamente. Assim deve-se desescalonar a terapia com antibióticos com base em resultados de hemoculturas. Os métodos não invasivos para obtenção de amostras respiratórias incluem a expectoração espontânea, a expectoração induzida, a aspiração nasotraqueal em um paciente incapaz de cooperar para produzir uma amostra de escarro, e aspiração endotraqueal.

Existem dúvidas sobre o uso de biomarcadores para diagnóstico de PN, e as diretrizes recomendam que os critérios clínicos isoladamente sejam utilizados ao invés dos biomarcadores séricos como a procalcitonina sérica (PCT). A PCT é um precursor da calcitonina, que é secretada constitutivamente pelas células C da glândula tireoide e as células K do pulmão.

Em indivíduos saudáveis, a PCT é normalmente indetectável (<0,01ng/mL). Quando estimulada pela endotoxina, a PCT é rapidamente produzida pelo tecido parenquimatoso em todo o corpo. Essa produção de PCT também tem sido observada em diversos tipos de infecções bacterianas, o que poderia ser um bom indicador de infecção.

As diretrizes recomendam que a PCT combinada com os critérios clínicos seja utilizada na decisão de iniciar ou descontinuar os antibióticos, em vez de apenas se considerarem os critérios clínicos, pois essa abordagem aumenta a sensibilidade e a especificidade do diagnóstico. As evidências indicam que a PCT mais critérios clínicos podem diagnosticar a PN e a PNV com uma sensibilidade e uma especificidade de 67 e 83%, respectivamente.

Recentemente, tem sido estudado o uso do receptor desencadeante expresso em células mieloides (Trem-1) como um marcador biológico de infecção microbiana. O Trem-1 é um membro da superfamília de imunoglobulina fortemente expressa nos neutrófilos e monócitos infiltrando tecidos invadidos por bactérias ou fungos. No entanto, seu uso no diagnóstico de infecções é incerto; vários estudos recentes sugerem que o sTREM-1 também pode ser aumentado em causas não infecciosas de inflamação.

O sTREM-1 mais os achados de LBA podem ser utilizados juntamente com critérios clínicos para ajudar na decisão de iniciar ou interromper tratamento antibiótico. Para os pacientes com suspeita de PN e PNV, o uso da proteína C-reativa (PCR) é útil, embora não consiga fazer a distinção entre a presença de PN ou não. Assim, as diretrizes preferem a utilização de critérios clínicos ao uso da PCR para tomada de decisão.

Uma dúvida da literatura é em relação aos pacientes com traqueobronquites associadas à ventilação mecânica. Nos estudos, a traqueobronquite foi definida como febre sem outra causa definida, com produção de escarro nova ou aumentada, cultura de aspirado traqueal positiva (>106UFC/mL de uma nova bactéria) e ausência de evidência radiográfica de PN. Considerando as evidências da literatura, as diretrizes não recomendam realizar o tratamento antibiótico nesses casos.

Nos estudos que fizeram pesquisa microbiológica, a pseudomonas aeroginosa foi identificada em 34% dos casos. Outros organismos comuns incluíram acinetobacter (27%), klebsiella (5%) e MRSA (32%). Os organismos multirresistentes constituíram 61% de todos os isolados, e as infecções polimicrobianas constituíram 31% dos episódios de traqueobronquites. Os estudos não conseguiram demonstrar benefício com antibioticoterapia nesses pacientes.

 

Tratamento

 

O tratamento das PNs é, normalmente, empírico. A seleção de um regime antibiótico empírico para PN e PNV suspeita clinicamente é um desafio, já que devem ser considerados os benefícios potenciais de iniciar precocemente antibióticos adequados, e a seleção de um regime antibiótico empírico para PN deve ser guiada por dados locais de resistência a antibióticos. Todos os hospitais devem pesquisar e informar o perfil de agentes microbianos e sua resistência para a equipe clínica, e o uso de antibióticos deve ser adaptado em relação a essas características locais.

Estudos de vigilância sugerem que os microrganismos mais comumente associados ao VAP nos EUA são s. aureus (aproximadamente, 20-30% das amostras isoladas), p. aeruginosa (aproximadamente, 10-20% dos isolados), bacilos gram-negativos entéricos (aproximadamente, 20-40% dos isolados) e acinetobacter baumannii (aproximadamente, 5-0% dos isolados). Os dados de vigilância nacional e internacional sugerem que uma fração considerável das PNVs é atribuível a agentes MRSA e gram-negativos resistentes. Se não houver dados locais ou regionais que demonstrem patógenos e/ou padrões de resistência antimicrobiana, esses agentes deverão ser utilizados.

As diretrizes atribuem um alto valor ao direcionamento dos patógenos específicos associados à PNV tão estreitamente quanto possível para assegurar tratamento adequado, minimizando o supertratamento e suas consequências indesejáveis. A flora antimicrobiana e os padrões de resistência podem variar de forma considerável entre (e dentro) os países, as regiões, os hospitais, as UTIs em um hospital e os espécimes utilizados.

Para o tratamento empírico de pacientes com PNV, é recomendado incluir cobertura para s. aureus, pseudomonas aeruginosa e outros bacilos gram-negativos em todos os regimes empíricos. A maioria dos autores recomenda incluir um agente ativo contra MRSA somente em pacientes com qualquer um dos seguintes fatores:

               um fator de risco para resistência antimicrobiana;

               pacientes tratados em unidades onde >10-20% de s. aureus são MRSA, ou sua incidência não é conhecida.

Para cobertura de agentes MRSA, tanto a vancomicina quanto a linezolida são boas opções. Em pacientes sem indicação para cobertura de agentes MRSA, os antibióticos que podem ser utilizados são piperacilina tazobactam, cefepima, levofloxacino, imipeném ou meropeném. A literatura recomenda prescrever 2 antibióticos com ação antipseudomonas de diferentes classes para o tratamento empírico de suspeita de VAP apenas em pacientes com fatores de risco para agentes multirresistentes essa conduta não é um consenso, e muitas instituições não utilizam dois antibióticos para cobertura de pseudômonas.

Os fatores de risco para agentes multirresistentes em PNV são sumarizados nos Quadros 4 e 5.

 

Quadro 4

 

FATORES DE RISCO PARA AGENTES MULTIRRESISTENTES NA pneumonia nosocomial ASSOCIADA À VENTILAÇÃO MECÂNICA

               Terapia com antibióticos intravenosos nos últimos 90 dias

               Choque séptico no momento do diagnóstico

               5 ou mais dias de internação antes da ocorrência de PNV

               Insuficiência renal antes do aparecimento da PNV

PNV: pneumonia nosocomial associada à ventilação mecânica.

 

Quadro 5

 

FATORES DE RISCO PARA AGENTES MULTIRRESISTENTES NA pneumonia nosocomial

               Uso prévio de antibiótico intravenoso dentro de 90 dias

               Fatores de risco para pseudômonas resistente

               SDRA

SDRA: síndrome do desconforto respiratório agudo.

 

Em unidades onde >10% dos isolados gram-negativos são resistentes a um agente que está sendo considerado para monoterapia ou onde as taxas de susceptibilidade antimicrobiana local não estão disponíveis, recomenda-se prescrever um antibiótico ativo contra p. aeruginosa para o tratamento empírico de PNV em pacientes sem fatores de risco para resistência antimicrobiana.

Em doentes com suspeita de VAP, sugere-se evitar os aminoglicosídeos se estiverem disponíveis agentes alternativos com atividade gram-negativa adequada. Em pacientes com suspeita de PNV, deve-se evitar a colistina se estiverem disponíveis agentes alternativos com atividade gram-negativa adequada. Se o paciente tiver doença pulmonar estrutural aumentando o risco de infecção gram-negativa (por exemplo, bronquiectasias ou fibrose cística), são recomendados dois agentes antipseudomonas. A seleção de um regime antibiótico empírico para PN deve ser guiada por dados de resistência local aos antibióticos.

Os estudos sugerem que os regimes com aminoglicosídeos foram associados com menores taxas de resposta clínica, sem diferenças na mortalidade. Pode ser necessário baixar a dose em doentes com peso <70kg para evitar convulsões; as polimixinas, por sua vez, devem ser reservadas para locais onde haja uma alta prevalência de resistência a múltiplos medicamentos e conhecimentos locais na utilização deles.

A dosagem baseia-se na atividade de base de colistina (CBA); por exemplo, um milhão de UI de colistina é equivalente a cerca de 30mg de CBA, o que corresponde a cerca de 80mg do colistimetato (polimixina B [1mg = 10 000 unidades]). Na ausência de outras opções, é aceitável usar o aztreonam como um agente adjuvante com outro agente baseado ß-lactâmico que tem alvos diferentes dentro da parede celular bacteriana.

Em relação ao tratamento da PN não associada à ventilação mecânica, recomenda-se prescrever um antibiótico com atividade contra s. aureus não MRSA e, se houver fatores de risco para agentes MRSA como uso de antibióticos intravenosos dentro de 90 dias, hospitalização em uma unidade onde >20% dos isolados de S. aureus são resistentes à meticilina, ou a prevalência de MRSA é desconhecida, ou que apresentam alto risco de mortalidade sugere-se prescrever um antibiótico com atividade contra MRSA. Fatores de risco para a mortalidade incluem a necessidade de suporte ventilatório devido à PN e o choque séptico.

Para pacientes com PN que necessitem de cobertura empírica para MRSA, recomenda-se vancomicina ou linezolida em vez de um antibiótico alternativo. Para pacientes com PN que estão sendo tratados empiricamente e não têm fatores de risco para infecção por agentes MRSA nem alto risco de mortalidade, não é necessária a cobertura de agentes MRSA. Nesse caso, opções de antibióticos são piperacilina azobactam, cefepima, levofloxacino, imipeném ou meropeném. Os fatores de risco para mortalidade incluem a necessidade de suporte ventilatório devido à pneumonia e o choque séptico.

As indicações para a cobertura de MRSA incluem tratamento antibiótico intravenoso durante os 90 dias anteriores e tratamento em uma unidade onde a prevalência de MRSA entre os isolados de s. aureus não é conhecida ou é >20%. A detecção prévia de MRSA por cultura ou outro exame também aumenta o risco de infecção por agente MRSA. O limiar de 20% foi escolhido para equilibrar a necessidade de terapia antibiótica inicial eficaz contra os riscos de uso excessivo de antibióticos.

Se a cobertura para agentes MRSA é desnecessária, o regime de antibióticos deve incluir cobertura para agentes meticilina-sensíveis; se houver alto risco de infecção grave por agente gram-negativo, recomendam-se dois agentes antipseudomonas. Se o paciente tiver doença pulmonar estrutural como bronquiectasias ou fibrose cística, são recomendados dois agentes antipseudomonas; todavia, essa é uma indicação controversa.

Uma amostra respiratória de gram com bacilos gram-negativos numerosos e predominantes. Na ausência de outras opções, é aceitável usar aztreonam como um agente adjuvante com outro agente com base em ß-lactâmico, pois tem alvos diferentes dentro da parede celular bacteriana. Para pacientes com PN que estão sendo tratados empiricamente, recomenda-se prescrever antibióticos com atividade contra p. aeruginosa e outros bacilos gram-negativos.

Para pacientes com PN com fatores que aumentam o risco de infecção por pseudômonas ou outra infecção gram-negativa, ou seja, uso prévio de antibiótico intravenoso dentro de 90 dias, ou um alto risco de mortalidade, sugere-se prescrever antibióticos de duas classes diferentes com atividade contra p. aeruginosa. Para todos os outros pacientes com PN que estão sendo tratados empiricamente, pode ser prescrito um único antibiótico com atividade contra P. aeruginosa. Para aqueles que estão sendo tratados empiricamente, recomenda-se não usar um aminoglicosídeo como único agente antipseudomonas.

Uma dúvida é sobre o benefício da terapia antibiótica inalatória, se pode aumentar a potência dos antibióticos e se eles podem ser considerados como terapia adjuvante. Os estudos com colistina inalatória mostram melhora em desfechos microbiológicos, mas ainda faltam evidências de benefício em desfechos clínicos.

Para pacientes com PN/PNV devido à p. aeruginosa que permanecem em choque séptico ou com alto risco de morte quando os resultados dos testes de susceptibilidade aos antibióticos são conhecidos, sugere-se a combinação de dois antibióticos aos quais o isolado é suscetível, e não monoterapia, porém não se recomenda a utilização de monoterapia com aminoglicosídeos.

Outras recomendações das diretrizes para pacientes com PN/PNV incluem:

               Para PN/PNV causadas por espécies de acinetobacter: tratamento com carbapenem ou ampicilina/sulbactam se o isolado é susceptível a esses agentes. Em pacientes com PN/PNV causadas por espécies de acinetobacter sensíveis apenas a polimixinas, recomenda-se a polimixina intravenosa (colistina ou polimixina B) e sugere-se colistina inalatória associada;

               Em pacientes com PN/PNV causadas por espécies de acinetobacter que são sensíveis somente à colistina, sugere-se não usar rifampicina adjuvante;

               A tigeciclina não é recomendada como primeira escolha para tratamento de PN/PNV causada por acinetobacter;

               A seleção de um antibiótico apropriado para a terapia definitiva (não empírica) requer testes de sensibilidade aos antimicrobianos;

               Em pacientes com PN/PNV causadas por um patógeno resistente ao carbapenem que é sensível somente às polimixinas, recomenda-se a utilização de polimixinas intravenosas (colistina ou polimixina B) e colistina inalatória adjuvante;

               A colistina inalatória pode ter vantagens farmacocinéticas em relação à polimixina B inalatória.

 

O tempo de duração recomendado para o tratamento da PN/PNV é de 7 dias; estudos utilizando tempos maiores de tratamento como 8 a 15 dias não mostraram benefícios. Existem situações em que pode ser indicada uma duração mais ou menos longa de antibióticos, dependendo da melhora dos parâmetros clínicos, radiológicos e laboratoriais.

Para pacientes com PN/PNV, sugere-se que a antibioticoterapia seja desescalonada em vez de fixa. Para pacientes com PN/PNV, podem-se utilizar os níveis de PCT além dos critérios clínicos para orientar a descontinuação da antibioticoterapia.

Os principais indicadores clínicos são os seguintes:

               probabilidade de uma fonte alternativa de infecção;

               terapia antimicrobiana prévia no momento da cultura;

               grau de suspeição clínica;

               sinais de sepse grave;

               evidência de melhora clínica.

 

Os indivíduos com PN precoce sem fatores de risco para agentes multirresistentes podem ser tratados de forma semelhante àqueles com pneumonia adquirida na comunidade. Os pacientes com pneumonia tardia devem receber, no mínimo, cobertura para pseudômonas, e o esquema antibiótico deve ser adaptado às circunstâncias clínicas e à realidade da instituição em que se encontram.

 

Referências

 

1-Kalil AC, Metersky ML, Klompas M, et al. Management of Adults With Hospital-acquired and Ventilator-associated Pneumonia: 2016 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the American Thoracic Society. Clin Infect Dis 2016; 63:e61.

2-Diretrizes brasileiras para tratamento das pneumonias adquiridas no hospital e das associadas a ventilação mecânica-2007.

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