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Infecções pelo HIV e SIDA no Departamento de Emergência

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 05/10/2018

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O vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) provoca uma deficiência progressiva do sistema imunológico, levando à síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) na ausência de tratamento. Apesar das medidas preventivas, ainda em 2012, havia 35,3 milhões de pessoas vivendo com HIV no mundo e 2,3 milhões de novos diagnósticos de SIDA no mesmo ano.

O desenvolvimento da terapia antirretroviral combinada de alta potência (HAART) em 1996 aumentou drasticamente a expectativa de vida dos pacientes infectados pelo HIV e, no início do ano 2000, a expectativa de vida de pacientes infectados pelo HIV em países desenvolvidos era equivalente à de pessoas comparáveis que não estavam infectadas pelo vírus, e as taxas de internação hospitalar nesses pacientes reduziram em mais de 3 vezes.

As diretrizes atuais do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA recomendam o tratamento de todos os pacientes infectados pelo HIV com medicamentos antirretrovirais (ARVs). Essas recomendações atuais baseiam-se na evidência de que os ARVs reduzem o risco de progressão da doença em todos os pacientes independentemente da contagem de linfócitos CD4.

Essa recomendação é uma alteração em relação às diretrizes anteriores, que recomendavam a terapia apenas para pacientes com contagens de CD4 <350 células/mm3 ou com infecções oportunistas que definem a presença de Aids. As diretrizes se baseiam na evidência de que o tratamento diminui o risco de transmissão e que pacientes com carga viral indetectável do HIV têm um risco extremamente baixo de transmitir o vírus para outras pessoas. Além de melhorar a expectativa de vida, a HAART também mudou a epidemiologia das condições que afetam os pacientes infectados pelo HIV.

No início da epidemia, os pacientes com HIV geralmente apresentavam complicações infecciosas de sua doença avançada. Essas infecções incluíam infecções oportunistas (IOs) como pneumonia por Pneumocystis jirovecii e sarcoma de Kaposi. Atualmente, os pacientes comumente apresentam complicações não relacionadas às IOs, incluindo doenças cardiovasculares, hepáticas e renais, além de malignidades relacionadas ao HIV e efeitos adversos da medicação.

 

Doença Aguda

 

Vários dias após a infecção inicial, o vírus se movimenta além do local da infecção para a corrente sanguínea, com rápida replicação. Aproximadamente, 75 a 90% dos pacientes experimentam uma doença aguda durante esse período. Os pacientes desenvolvem febre, com sintomas adicionais típicos de muitas síndromes virais, incluindo linfadenopatia, dor de garganta e sintomas gastrintestinais (como vômito e diarreia).

Outras características incluem úlceras genitais ou muco-cutâneas e uma erupção macular que imita um exantema viral frequentemente visto em crianças com doenças virais. A síndrome costuma durar semanas e os pacientes buscam a avaliação de um médico, em geral no departamento de emergência (DE).

Comumente, os pacientes não apresentam sintomas pulmonares na fase aguda da doença. Essa constelação de sinais e sintomas é conhecida por vários nomes, incluindo soroconversão aguda, infecção primária pelo HIV ou síndrome retroviral aguda. O diagnóstico de soroconversão aguda é desafiador, porque a tecnologia atual de teste rápido de anticorpos contra o HIV pode não detectar a presença da infecção.

Testes de quarta geração que combinam a detecção do anticorpo contra o HIV, bem como o antígeno p24 na superfície do HIV, identificam a infecção 2 semanas após a exposição. No entanto, com testes rápidos negativos e com o diagnóstico de uma infecção aguda pelo HIV, deve ser obtida uma carga viral do HIV. O diagnóstico é importante, pois os pacientes com infecção aguda têm cargas virais extremamente altas e tem maior capacidade de causar infecção do que aqueles com infecção crônica.

Após o término da doença aguda, os pacientes passam por um período de infecção crônica (ou latente) pelo HIV sem Aids. A Aids é definida por uma contagem de CD4 <200 células/mm3 ou pelo desenvolvimento de certas IOs ou neoplasias. O tempo médio entre a infecção pelo HIV e uma contagem de CD4 <200 células/mm3 é de 8 a 10 anos. Embora os pacientes possam sobreviver por anos sem desenvolver IO, a infecção crônica pelo vírus na ausência de HAART não ocorre sem efeitos prejudiciais no organismo.

A infecção causa um estado inflamatório crônico, que pode predispor os pacientes a inúmeras condições, incluindo doença arterial coronariana, tromboembolismo venoso e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Uma vez que os pacientes iniciam o tratamento com HAART, os marcadores inflamatórios.

 

Cuidados Pré-Hospitalares

 

O principal objetivo dos profissionais de saúde no atendimento pré-hospitalar do paciente infectado pelo HIV são a transferência segura para o local de atendimento e a atenção cuidadosa à proteção pessoal. A ressuscitação e estabilização do paciente infectado pelo HIV segue os mesmos princípios de um indivíduo não infectado pelo vírus, e procedimentos de alto risco para a exposição a fluidos corporais ocorrem com frequência; deve-se tomar cuidado com a sua própria segurança, obedecendo estritamente às precauções universais.

 

Exame Físico

 

Um exame físico completo é crítico para pacientes com HIV. Como o paciente com HIV tem muitas manifestações dermatológicas, um exame abrangente da pele deve ser incluído, além de um exame físico com base nas queixas.

 

Exames Complementares

 

Os pacientes infectados pelo HIV realizam 4,5 exames laboratoriais por visita ao DE em comparação com 3,5 exames em indivíduos não infectados pelo vírus. Esses exames incluem hemograma completo, painel metabólico básico e testes de função hepática. A acidose láctica é uma complicação do uso de nucleosídeos, e o uso de inibidor da transcriptase reversa (ITRN) deve ter limiar baixo para solicitação de gasometria nestes pacientes.

A mensuração do ácido láctico no soro é apropriada em doentes com acidose metabólica com ânion gap aumentado. Quando se suspeita de complicações infecciosas, devem ser realizadas culturas apropriadas. Se os resultados de exames específicos ao HIV recentes não estiverem disponíveis, o emergencista pode solicitar uma contagem de CD4 e carga viral. A contagem de CD4 e os resultados da carga viral ajudam a estreitar o diagnóstico diferencial em pacientes infectados pelo HIV.

Nos casos em que os pacientes não tiveram ou não conhecem esses valores, uma contagem absoluta de linfócitos pode ser usada como um substituto para a contagem de CD4. Uma contagem absoluta de linfócitos <950 células/mm3 está associada a uma contagem total de CD4 <200 células/mm3 (sensibilidade de 76%). O teste para HIV deve ser realizado em indivíduos que possam estar infectados pelo HIV se apresentarem sinais ou sintomas de diagnósticos consistentes com os IOs ou complicações relacionadas à Aids.

O teste rápido de anticorpos contra o HIV está disponível usando swabs orais ou amostras de sangue. A maioria dos testes de anticorpos contra o HIV atualmente disponíveis tem sensibilidades de 100% e especificidades >99%. Testes de HIV de quarta geração identificam tanto os anticorpos quanto o antígeno p24 na superfície do HIV, o que permite o diagnóstico precoce de uma infecção pelo HIV. Se houver suspeita de infecção aguda pelo HIV, a mensuração da carga viral pode ajudar a fazer o diagnóstico.

Os exames de imagem radiológico devem ser direcionados às queixas e ao estado imunológico do paciente. O emergencista deve ter um baixo limiar para solicitar exames de imagens, especialmente exames de baixo risco e baixo custo (como raios-x e ultrassonografia) quando apropriado. Outras modalidades como tomografia computadorizada (TC) e ressonância nuclear magnética (RNM) também devem ser utilizadas quando for apropriado.

 

Efeitos Colaterais de Medicamentos

 

A primeira medicação antirretroviral promissora contra o HIV foi o inibidor nucleosídeo da transcriptase reversa (INTR), a zidovudina (AZT/ZDV), aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) do EUA em 1987. Nos anos seguintes, vários outros medicamentos foram desenvolvidos; no entanto, a rápida taxa de mutação do vírus criou resistência aos medicamentos e a mortalidade permaneceu alta.

Em 1996, a adição de inibidores de protease (IPs) revolucionou o tratamento do HIV. Além disso, os inibidores da transcriptase reversa não-nucleosídeos (INNTR), os inibidores da integrase, inibidores de fusão, inibidores de entrada foram introduzidos como parte do tratamento, cada um dirigido a um estágio diferente da reprodução viral.

Os INTRs e os INNTRs são medicações relativamente bem toleradas e têm um perfil de efeitos colaterais leves, incluindo desconforto gastrintestinal, cefaleia e insônia. O efeito tóxico mais grave é a supressão da medula óssea dose-dependente, causando anemia e leucopenia. Aumentos de transaminases e acidose láctica grave também têm sido relatadas e são mais comuns em pacientes com doença hepática.

O abacavir está associado a uma reação de hipersensibilidade potencialmente grave em 3 a 5% dos pacientes. Certos alelos HLA são suscetíveis a essa reação, e diretrizes foram desenvolvidas para triagem antes de prescrever esse medicamento, o que reduz ou elimina sua ocorrência. Os sintomas da reação de hipersensibilidade incluem febre, erupção cutânea e sintomas gastrintestinais e respiratórios, que geralmente ocorrem nas primeiras 6 semanas de exposição ao medicamento.

O abacavir também está associado a um risco aumentado de infarto do miocárdio em doentes com fatores de risco para doença cardiovascular. Os pacientes com doença hepática que, além de tomar INTR, apresentam outros fatores agressores ao fígado podem apresentar uma hepatite grave e, às vezes, fatal.

O tenofovir está associado ao desenvolvimento da síndrome de Fanconi em alguns pacientes, que podem apresentar poliúria, polidipsia e desidratação, além de acidemia, hipocloremia, hipocalemia e hipofosfatemia devido à perda de bicarbonato, glicose, aminoácidos e fosfato na urina. O exame de urinálise demonstra glicosúria e proteinúria. O tenofovir também pode causar perda de densidade óssea e fraturas, isoladamente ou como parte da síndrome de Fanconi.

A didanosina e a estavudina foram associadas a uma incidência rara de pancreatite. Os INNTRs como nevirapina, efavirenz, etravirina e rilpivirina também têm efeitos colaterais importantes. O efavirenz está associado a sonhos vívidos, pesadelos, insônia e confusão, que geralmente desaparecem após as primeiras semanas de tratamento. No entanto, complicações neuropsiquiátricas mais graves, incluindo psicose grave, têm sido relatadas.

O efavirenz deve ser evitado em pacientes com história psiquiátrica. Erupções cutâneas, desconforto gastrintestinal, dor de cabeça e tontura são comuns a todos os medicamentos dessa classe. Raramente (embora mais comumente com nevirapina), os pacientes podem experimentar a síndrome de Stevens-Johnson, a necrólise epidérmica tóxica ou o eritema multiforme. A nevirapina também tem sido associada à lesão hepática.

Os IPs incluem atazanavir, darunavir, lopinavir/ritonavir e nelfinavir. Os efeitos colaterais comuns associados aos IPs são transtornos gastrintestinais leves, incluindo náuseas, diarreia e desconforto abdominal. Outras alterações metabólicas potencialmente mais graves incluem lipodistrofia, dislipidemia, hipertrigliceridemia e diabetes melito tipo 2. Raramente, a hipertrigliceridemia pode precipitar a pancreatite.

O atazanavir está associado à hiperbilirrubinemia e à icterícia comumente de rápida resolução com sua retirada. Inúmeras outras classes de medicamentos interagem com IPs, incluindo inibidores de bomba de prótons, anticoagulantes, inibidores da HMGCoA redutase, corticosteroides, antiarrítmicos, antiepiléticos, antimaláricos e antidepressivos.

Portanto, devem ser verificadas possíveis interações antes de administrar ou prescrever outros medicamentos a pacientes em uso de IPs. Os inibidores da integrase incluem raltegravir, dolutegravir e elvitegravir. Essa classe de medicamentos é geralmente bem tolerada, com efeitos colaterais comumente leves e incluindo náusea e cefaleia.

 

Doença Cardiovascular e Efeitos de Medicação nas Doenças Cardiovasculares

 

Como a expectativa de vida de pacientes infectados pelo HIV aumentou, também se observa que as taxas de mortalidade cardiovascular aumentaram nessa população. Um estudo recente estimou que o aumento do risco relativo de infarto do miocárdio entre pessoas infectadas pelo HIV é de 1,75 vezes em comparação com os não infectados pelo HIV.

A fisiopatologia desse aumento envolve não apenas fatores de risco tradicionais, como idade e tabagismo, mas também a terapia HAART. Como mencionado anteriormente, a HAART causa efeitos colaterais metabólicos que também contribuem para o aumento do risco de doença cardiovascular.

Alterações cardiovasculares ocorrem em até 75% das necropsias de pacientes HIV positivos  e incluem derrame pericárdico, que pode ser causado por múltiplas etiologias como linfomas, tuberculose. Podem ocorrer ainda cardiomiopatia primária pelo HIV, tuberculose e outras infecções e neoplasias como sarcoma de Kaposi cardíaco. As medicações para tratamento do HIV também podem induzir cardiotoxicidade.

 

Doenças Pulmonares

 

Antes da HAART, a pneumonia por Pneumocystis costumava ser uma das infecções pulmonares oportunistas mais comuns. Pacientes com pneumonia por Pneumocystis jirovecii classicamente apresentam uma tosse indolente, não produtiva e dispneia aos esforços. Febre chega a ser descrita em 80% dos casos, e a evolução é insidiosa.

A ausculta pode ter estertores finos, mas pode ser normal em mais da metade dos casos. Pode ocorrer evolução para insuficiência respiratória em 5 a 30% dos casos. A infecção é vista quase que exclusivamente em pacientes com CD4 <200/mm3, com média de 79/mm3. Na radiografia, é visto um infiltrado peri-hilar ou em “asa de morcego”. A lactato desidrogenase (LDH) é tipicamente elevada em pacientes com pneumonia por Pneumocystis, e um valor normal é útil na exclusão da doença.

A pesquisa de Pneumocystis no escarro pode realizar o diagnóstico em 60 a 70% dos casos, nos casos negativos pode-se realizar o lavado broncoalveolar que faz o diagnóstico em mais de 95% dos casos. O lavado broncoalveolar serve também para o diagnóstico de outros quadros infecciosos pulmonares. O diagnóstico definitivo é realizado com a identificação do micro-organismo por bacterioscopia, imunofluorescência ou PCR. O diagnóstico presuntivo pode ser realizado no contexto de contagem de linfócitos CD4 <200 células/mm3 e quadro clínico, radiológico e laboratorial sugestivo do diagnóstico de pneumocistose.

Pacientes infectados com HIV têm um risco aumentado de tuberculose (TB) (tanto novas infecções e reativações) após o diagnóstico de HIV devido à depleção de células T específicas para TB. Com infecção mal controlada pelo HIV, o risco de TB aumenta. Hoje em dia, os pacientes com HIV bem controlados em HAART desenvolvem mais comumente as infecções pulmonares tradicionais de pacientes imunocompetentes, dos quais o Streptococcus pneumoniae é mais comum.

O tratamento para pneumonias é o mesmo que para pacientes não infectados pelo HIV, usando-se antibióticos e ressuscitação volêmica ou outras medidas de apoio. A DPOC é uma preocupação crescente em pacientes com HIV. Lesões pulmonares decorrentes de IOs anteriores e efeitos de medicações são todos fatores de risco para o desenvolvimento de DPOC. O tratamento para DPOC é o mesmo que para pacientes não infectados. Alguns dados sugerem que a própria infecção crônica pelo HIV também pode ser um fator de risco independente para desenvolver DPOC.

Os pacientes com HIV apresentam resposta inflamatória sistêmica presente na infecção de longa data. Esse estado inflamatório também está associado à hipercoagulabilidade, levando a taxas mais altas de tromboembolismo venoso e embolia pulmonar nessa população. A radiografia de tórax deve ser considerada em todos os pacientes com HIV e queixas pulmonares. Outras sessões como a de pneumocistose discutem complicações pulmonares específicas nesses pacientes.

O Quadro 1 sumariza os principais achados pulmonares em pacientes com infecção pelo HIV.

 

Quadro 1

 

Padrões de Acometimento Respiratório no HIV

Infiltrado intersticial difuso

Adenopatia hilar com infiltrado pulmonar difuso

Padrão nodular

Pneumocistose

Micobacteriose

Tuberculose e Micobaterioses

Mycoplasma pneumoniae

Neoplasias (linfomas ou carcinoma em estágio avançado)

Carcinoma

M. avium complex e Tuberculose

Criptococose

Sarcoma de Kaposi

CMV

Histoplasmose

Lesões fúngicas

 

Doença Renal

 

A doença renal em pacientes com HIV pode ser causada tanto pela própria infecção pelo HIV, quanto pela nefrotoxicidade da terapia HAART. Os pacientes apresentam lesão renal aguda semelhante aos pacientes não infectados pelo HIV, e seu tratamento é o mesmo.

Medicações nefrotóxicas devem ser suspensas temporariamente se o paciente apresenta lesão renal aguda. A evolução de glomerulopatias como a glomerulosclerose segmentar focal é rápida e tem pior prognóstico. Nefrolitíase e urolitíase são efeitos colaterais comuns dos IPs, particularmente o indinavir. O tratamento da nefrolitíase e da urolitíase é o mesmo do paciente não infectado pelo HIV.

 

Doença Neurológica

 

A avaliação do paciente infectado pelo HIV com uma queixa neurológica deve ser guiada pela contagem de CD4. Pacientes com infecção pelo HIV, mesmo que seja bem controlada, têm um risco ligeiramente maior de doença cerebrovascular devido ao estado inflamatório crônico, aterosclerose acelerada e efeitos metabólicos dos medicamentos. A avaliação de pacientes com alterações neurológicas deve seguir os algoritmos típicos de acidente vascular cerebral (AVC).

As taxas de IOs do sistema nervoso central, como meningite criptocócica, toxoplasmose, leucoencefalopatia multifocal progressiva e citomegalovírus diminuíram bastante com a adesão ao tratamento. No entanto, se um paciente com baixa contagem de CD4 for identificado, a imagem e, em muitos casos, a punção lombar são indicadas.

A neurotoxoplasmose é a principal causa de lesão com efeito de massa no SNC em pacientes com Aids, representando cerca de 50 a 70% desses casos. O quadro clínico é dependente da topogra?a, número de lesões e efeito citotóxico levando a edema cerebral e hipertensão intracraniana. O quadro é comumente subagudo, com duração de 2 a 3 semanas.

Os sinais e sintomas incluem alterações sensoriais, hemiparesia, cefaleia, convulsões, acidentes cerebrovasculares e sinais de irritação meníngea. Febre também é uma queixa comum ocorrendo em 47% dos pacientes. Em pacientes graves, o paciente pode estar em coma. Uma discussão mais aprofundada sobre o tema pode ser vista na revisão específica de neurotoxoplasmose.

O linfoma primário de SNC representa de 20 a 30% dos pacientes com lesões com efeito de massa em pacientes HIV positivos A apresentação clínica é subaguda com duração de semanas a meses, e os sintomas mais comuns são confusão mental, letargia e perda de memória; com a progressão da doença, podem ocorrer neuropatias intracranianas, afasias e convulsões.

A leucoencefalopatia multifocal, por sua vez, é causada pelo poliomavírus JC e causa destruição por lise de oligodendrócitos e desmielinização. Ocorre tipicamente com linfócitos TCD4 <200 células/mm3; os sintomas neurológicos, são difusos e de instalação lenta e progressiva com os sintomas mais comuns, sendo déficit motor como hemiparesia ou monoparesia, alterações do estado mental, ataxia e alterações de campo visual.

A meningite criptocócica é a meningite por infecção oportunística mais comum em pacientes com SIDA, acometendo 10% dos pacientes antes de a terapia HAART ser introduzida, mas é menos comum a partir de então. Os pacientes apresentam quadro subagudo com cefaleia e febre, que ocorrem em 70 a 80% dos casos, com sinais meníngeos em menos de 40% dos casos; os sintomas focais são raros.

A TC de crânio com contraste pode identificar processos infecciosos ou malignidade do SNC, como o linfoma. A RNM fornece identificação de lesões menores e avalia melhor o componente leptomeníngeo do que a TC. A mielopatia do HIV pode se desenvolver nos estágios finais da doença não tratada. Os pacientes desenvolvem fraqueza da extremidade inferior associada a anormalidades sensoriais, desequilíbrio e incontinência.

A prevalência da demência associada ao HIV também diminuiu desde a introdução da HAART. As taxas de distúrbios neurocognitivos mais leves também parecem diminuir com períodos mais longos de vírus indetectáveis.

 

Doença Gastrintestinal e Hepatobiliar

 

Sintomas gastrintestinais, especialmente diarreia, são algumas das apresentações mais comuns de pacientes infectados pelo HIV no DE. Em um grande estudo de coorte, 40% dos adultos infectados pelo HIV em tratamento HAART relataram, pelo menos, um episódio de diarreia no último mês, com 3% relatando diarreia grave (definida como >6 evacuações por dia). Etiologias incluem doenças infecciosas, malignidades e diarreia induzida por medicação.

Patógenos comuns que causam diarreia em indivíduos saudáveis também o fazem em pacientes infectados pelo HIV em uso de HAART. Na era pré-HAART, o Clostridium difficile era o patógeno mais comum isolado em pacientes infectados pelo HIV com diarreia; no entanto, com o sucesso do tratamento com HAART, a frequência de hospitalizações e o diagnóstico de SIDA são reduzidos.

Portanto, C. difficile pode não ser a infecção mais frequente, embora seja mais comum em indivíduos infectados pelo HIV do que em indivíduos não infectados pelo HIV. À medida que a contagem de CD4 diminui, o paciente corre o risco de IOs, como Cryptococcus, Cytomegalovirus, microsporidium e complexo Mycobacterium avium. Em muitos casos, o início da TARV para restaurar o sistema imunológico gastrintestinal ajudará a erradicar essas infecções.

Os estudos laboratoriais de fezes são orientados com base no estágio da doença do paciente. Queixas hepatobiliares também são comuns em doentes infectados pelo HIV e podem advir de uma variedade de etiologias, desde infecções infecciosas in vitro a problemas relacionados à medicação. A coinfecção com o vírus da hepatite C e o vírus da hepatite B crônica é comum nesses pacientes.

A coinfecção com o vírus aumenta o risco de o paciente desenvolver hepatite crônica 2 a 3 vezes em comparação com pacientes não infectados pelo HIV com o vírus da hepatite B ou o vírus da hepatite C. Quase todos os medicamentos HAART têm hepatotoxicidade potencial, que pode ser agravada pela coinfecção com o vírus da hepatite B ou o vírus da hepatite C.

Pacientes com queixas hepatobiliares devem ser questionados sobre seu tratamento medicamentoso e quaisquer coinfecções com o vírus da hepatite B ou o vírus da hepatite C. As avaliações laboratoriais devem incluir transaminases, bilirrubina e lipase.

 

Doença Hematológica

 

As citopenias de todas as linhas celulares são comuns em pacientes infectados pelo HIV. Pacientes com uma infecção não controlada pelo HIV podem desenvolver pancitopenia, pois a produção de medula óssea é suprimida. A anemia pode ser causada por uma infecção primária pelo HIV ou como resultado do uso de medicação.

A anemia induzida por medicação é frequentemente macrocítica, embora na avaliação no DE seja um diagnóstico de exclusão. A trombocitopenia associada ao HIV aumenta com a diminuição da contagem de CD4. O início da HAART, particularmente o AZT/ZDV, é a base do tratamento. Esses medicamentos raramente são iniciados no DE, e pacientes com trombocitopenia grave ou sintomática e devem ser avaliados em consulta com os especialistas apropriados.

Pacientes infectados pelo HIV também têm taxas mais altas de doença tromboembólica, com um grande estudo prospectivo estimando a taxa em 2,6 por 1 mil pacientes-anos. A púrpura trombocitopênica trombótica ocorre mais frequentemente em pacientes infectados pelo HIV, embora a prevalência tenha diminuído na era HAART.

 

Doença Endócrina

 

A HAART está associada à dislipidemia e à obesidade troncular. Esse padrão de acumulação de gordura central e perda de gordura periférica foi denominado síndrome de lipodistrofia associada ao HIV. A prevalência de lipodistrofia varia de 10 a 80%, dependendo da de?nição da lipodistrofia. O fator de risco mais importante para o desenvolvimento dessa condição parece ser o uso de INTR.

As complicações endócrinas incluem infecção glandular e infiltração das glândulas pituitária, adrenal e, raramente, tireoidiana. Embora essas condições sejam muito menos comuns devido à HAART, elas ainda devem ser consideradas, especialmente em pacientes que não fazem HAART ou pacientes com Aids. Pode ocorrer insuficiência adrenal, embora seja geralmente subclínica.

O tratamento para esses pacientes é o mesmo dos pacientes não infectados pelo HIV. Pacientes em HAART estão em risco de desenvolver tireotoxicose em associação com a reconstituição imunológica na síndrome de ativação imune contra a tireoide. A HAART aumenta risco de hiperglicemia particularmente com os IPs. Além disso, a doença está associada a um aumento na incidência de diabetes melito como resultado de resistência à insulina.

 

Doença Musculoesquelética

 

Pacientes com infecção de longa duração pelo HIV que estão em tratamento têm menor densidade mineral óssea quando comparados com indivíduos não infectados de idade semelhante com aumento do risco de fratura. O próprio HIV, assim como os medicamentos antirretrovirais estão implicados em taxas mais altas de necrose avascular. Queixas musculoesqueléticas e articulares são comuns no paciente infectado pelo HIV e normalmente de evolução favorável.

As complicações infecciosas (como a artrite séptica) ficaram menos comuns com o controle melhorado da doença. À medida que a contagem de CD4 diminui, a artrite séptica, a osteomielite e a espondilodiscite devem ser consideradas com avaliação apropriada, incluindo exames laboratoriais e exames de imagem.

 

Doença Psiquiátrica

 

A doença neuropsiquiátrica é prevalente e multifatorial em pacientes infectados pelo HIV. Os efeitos diretos do vírus, a doença mental subjacente e as implicações sociais de um diagnóstico de HIV contribuem para a doença psiquiátrica. Efeitos de medicação, principalmente o efavirenz, também contribuem. A depressão é um dos diagnósticos mais comuns em pacientes infectados pelo HIV e está associada à diminuição da adesão à medicação.

A sensação de desmoralização com um sentimento de desesperança ou tristeza é comum nesses pacientes, mas difere da depressão, porque não está associada à anedonia. A mania é também mais frequente nesses pacientes. Os que se apresentam para o DE com sintomas relativos a qualquer doença mental devem ser questionados sobre ideação suicida e homicida e admitidos se algum deles estiver presente.

 

Doença Dermatológica

 

Queixas dermatológicas são comuns em pacientes infectados pelo HIV. A HAART está associada a uma alta taxa de reações cutâneas relacionadas à medicação, o que pode levar à descontinuação do uso de medicamentos. A hipersensibilidade e a fotossensibilidade dermatológica são comuns com a HAART.

A foliculite é comum nesses pacientes, sendo o Staphylococcus aureus o patógeno mais comum. Outras queixas dermatológicas infecciosas comuns, incluindo herpes-zóster, verrugas associadas ao papilomavírus humano, dermatite seborreica e molusco contagioso.

 

Circunstâncias Especiais

 

Pacientes infectados pelo HIV com parceiros sexuais, ou pacientes com um parceiro sexual de status desconhecido, podem se apresentar ao DE após encontros sexuais durante os quais os métodos de barreira de proteção não foram utilizados. Nesses casos, o emergencista deve aconselhar o paciente sobre a profilaxia com terapia antirretroviral (PEP). A recomendação é que a PEP seja iniciada o mais breve possível, de preferência dentro de 72 horas após a exposição. O paciente exposto deve realizar o teste de HIV antes da introdução da PEP.

 

Referências

 

1-Gutteridge DL, Egan DJ. The HIV infected patient in the Emergency Department: The Changing Landscape of Disease. February 2016 vol 18: número 2.

2- Guidelines for prevention and treatment of HIV-infected adults and adolescents. http://aidsinfo.nih.gov/guidelines acesso 24/06/2018.

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