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Legionelose

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 26/04/2019

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Legionelose é o termo utilizado para indicar infecção devido a bactérias no gênero Legionella, das quais existem duas manifestações principais, que são a pneumonia (doença dos legionários) e a febre do Pontiac, nome da cidade no Estado de Michigan nos EUA onde foi primeiramente reconhecida. A febre do Pontiac é, geralmente, uma doença leve e febril que se presume ser uma reação ao lipopolissacarídeo das espécies de Legionella.

A 58ª convenção anual da Legião Americana foi realizada em um hotel na Filadélfia de 21 de julho a 24 de julho de 1976. Subsequentemente, 182 dos delegados ficaram doentes (daí o nome doença dos legionários) e 146 foram hospitalizados em 87 instituições em todo o país. A maioria apresentou evidência radiográfica de pneumonia, e 29 (16%) morreram.

Em cerca de 6 meses após o surto, um novo microrganismo, Legionella pneumophila, foi isolado do tecido pulmonar de alguns dos que haviam morrido no surto da Filadélfia. Em retrospecto, o organismo foi isolado em 1943. O termo Legionelose pode ser aplicado a qualquer das manifestações da infecção pela Legionella pneumophila.

 

Microbiologia

 

As legionelas são bacilos pequenos, gram-negativos, aeróbios, não formadores de esporos que medem 0,3 a 0,9µm de largura por 2 a 20µm de comprimento, podendo ser adquiridos de forma esporádica ou em epidemias. Esses organismos requerem meios especiais para o crescimento, e muitos laboratórios são incapazes de isolar as legionelas. São divididas em 15 sorogrupos, e, pelo menos, outras 26 espécies são potencialmente patogênicas para o ser humano.

As legionelas, geralmente, não coram com a coloração de Gram. Em amostras de tecido, a coloração de Dieterle ou Warthin-Starry é usada para visualizar esses organismos. O período de incubação varia de 2 a 10 dias (média 4 a 6 dias) para a doença dos legionários e de 4 horas a 3 dias para febre de Pontiac.

 

Fisiopatologia

 

A legionela atinge o pulmão, em geral, por via inalatória e, eventualmente, por microaspirações. No alvéolo, as legionelas são fagocitadas nos pulmões por macrófagos alveolares. Apenas cepas virulentas de Legionella são capazes de iniciar a endocitose quando ocorre um acúmulo no macrófago alveolar.

As legionelas se replicam e preenchem com vacúolos os macrófagos alveolares e seus flagelos ativam a caspase-1 que induz apoptose. Após um período de, aproximadamente, 12 horas, as bactérias começam a se dividir. Nesse período latente, ocorre a síntese de várias proteínas como a heat-shock protein Hsp 60, que aumenta a invasão epitelial.

O ferro deve estar disponível para o crescimento das legionelas nos macrófagos. O crescimento continua nos macrófagos por, aproximadamente, 24 horas, quando o macrófago se desintegra por apoptose e as bactérias são liberadas. As bactérias liberadas são fagocitadas por outros macrófagos, células dendríticas e células epiteliais, perpetuando a infecção.

Os leucócitos polimorfonucleares estão presentes em abundância no pulmão infectado, mas seu papel na eliminação da infecção não é claro. As bactérias podem se espalhar para além do pulmão e causar infecção metastática. Entretanto, muitos efeitos extrapulmonares da doença dos legionários, como ataxia cerebelar e confusão, não são devidos à infecção metastática, mas parecem relacionados a toxinas ainda não identificadas.

O pulmão infectado é consolidado, e geralmente não há dano parenquimatoso quando a recuperação ocorre. A formação de abscesso e bronquiolite obliterante ou alveolite é observada ocasionalmente. A patogênese da febre de Pontiac não é clara, ocorrendo provavelmente pela ação de endotoxinas. O período de incubação é muito curto e a recuperação muito rápida para que a multiplicação bacteriana explique os sintomas.

 

Epidemiologia

 

A incidência relatada é de cerca de 1,4 a 1,8 casos a cada 100 mil pessoas/ano nos EUA e Europa. A Legionella pneumophyla pode ser causa de pneumonia bacteriana em 1 a 10% dos casos. Idade avançada é um fator de risco para desenvolver Legionelose, com >75% dos casos ocorrendo em pacientes com mais de 50 anos de idade.

Outros fatores de risco incluem imunodepressão, tabagismo presente ou prévio, doenças cardiovasculares e doença renal crônica. Fontes ambientais de contágio incluem reservatórios de água, chuveiros, piscinas e ar-condicionado. O microrganismo pode ter o solo como reservatório; assim, atividades no solo como jardinagem podem levar à contaminação.

 

Manifestações Clínicas

 

A pneumonia é a manifestação mais comum da Legionelose, com um quadro relativamente similar ao de outras causas de pneumonia, sendo grande parte dos casos descritos no meio nosocomial. Os sintomas ocorrem após um período de incubação de 2 a 10 dias. Febre alta e mal-estar estão presentes na maioria dos pacientes e costumam preceder o aparecimento de tosse. Calafrios ocorrem em 75% e dispneia em pouco mais da metade dos casos.

Outras características incluem mialgias, dor de cabeça, dor torácica e diarreia. A tosse é improdutiva em 50% dos pacientes; outros têm escassa produção de escarro, que costuma ser mucoide, raramente purulenta e muito raramente sanguinolenta. Não há características clínicas que distingam pacientes individuais com doença dos legionários daqueles com pneumonia causada por outros patógenos.

Apesar de as manifestações clínicas e radiológicas da doença dos legionários serem semelhantes às de outros agentes de pneumonia, os pacientes com pneumonia por Legionella apresentam com maior probabilidade mialgia, cefaleia, diarreia e temperatura oral média mais alta no momento da apresentação.

Foram encontrados, em estudos, os seguintes fatores como aumentando significativamente a probabilidade de Legionelose em pacientes com pneumonias:

               Sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos e diarreia

               Hiponatremia

               Aumento de transaminases

               Proteína C-reativa (em inglês, C-reactive protein [CRP]) >100mg/dL

               Falha na terapia com agentes ß-lactâmicos

 

Os pacientes com pneumonia por L. pneumophyla parecem procurar o hospital mais precocemente após o início dos sintomas, cerca de 4,7 dias versus 7,7 dias. Os pacientes com pneumonia por L. pneumophyla, em 47% dos casos, apresentam pneumonia moderada ou grave. Dor torácica pleurítica e expectoração purulenta são menos prováveis de ocorrerem em pacientes com Legionelose. Em uma pessoa jovem e saudável com pneumonia rapidamente progressiva (especialmente se a progressão ocorrer durante a terapia com ß-lactâmicos), a Legionelose deve ser fortemente suspeita.

A confusão mental é comum, sobretudo em pacientes com hiponatremia, e, ocasionalmente, a apresentação é dominada por manifestações extrapulmonares, como artrite reativa, ataxia cerebelar, convulsões, mioclonia ou encefalite. Raramente ocorre infecção extrapulmonar, como endocardite de prótese valvar, sinusite, infecção por derivação dialítica ou formação de abscesso.

Os achados físicos incluem febre, taquipneia, bradicardia relativa e, inicialmente, apenas alguns crepitações no exame do tórax. Posteriormente, os achados de consolidação pulmonar não são incomuns. O exame abdominal, em geral, não é notável. Erupção cutânea como manifestação de Legionelose é muito rara.

A progressão da doença não é incomum, mesmo após a instituição da antibioticoterapia, sendo mais provável de ocorrer em pacientes com imunossupressão, que podem precisar de até 1 semana para responder à terapia. Cerca de metade dos pacientes com Legionelose que necessitam de hospitalização tem um curso complicado. A febre do Pontiac, por sua vez, tem um período de incubação de cerca de 36 horas. Febre, mialgia grave, dor de cabeça e fadiga extrema são as manifestações dominantes. A doença é de curta duração, com duração média de 3 dias.

 

Diagnóstico

 

É importante ter um alto índice de suspeita clínica para o diagnóstico da Legionelose, sobretudo durante epidemias. Os resultados dos testes laboratoriais de rotina são anormalmente inespecíficos. A leucocitose é comum, mas também podem ocorrer leucopenia, trombocitopenia e coagulação intravascular disseminada.

Outras anormalidades laboratoriais podem incluir hiponatremia (em cerca de metade dos pacientes, às vezes grave), hipofosfatemia (também comum, ocorrendo precocemente e resolvida poucos dias após o início do tratamento), anormalidades leves nos testes da função hepática (exceto fosfatase alcalina, às vezes muito elevada), elevação da creatinoquinase (por vezes com rabdomiólise), hematúria microscópica e proteinúria leve. Altos níveis de procalcitonina estão associados a maior taxa de necessidade de admissão em UTI e morte.

Combinações de achados podem ser sugestivas de Legionelose. Esses incluem alta temperatura, ausência de produção de escarro, altos níveis de lactato, aumento do nível de CRP e baixa contagem de plaquetas. As diretrizes de pneumonia recomendam testar a Legionelose em pacientes com pneumonia nos seguintes casos:

               Pneumonia moderada ou grave com necessidade de internação hospitalar

               Pacientes com exposição conhecida à Legionella

               Pacientes imunocomprometidos

 

Existem vários testes específicos para o diagnóstico de Legionelose. Testes para detectar o antígeno de L. pneumophila na urina estão disponíveis comercialmente. Esses são fáceis de usar, mas há uma taxa de falso-negativo de até 26%. A sensibilidade do teste de antígeno urinário em uma revisão sistemática foi de 74% e a especificidade, de 98%. Raramente, o resultado do teste de antígeno urinário pode permanecer positivo por até 1 ano.

O uso desse teste permitiu o diagnóstico precoce de Legionelose devido ao tempo curto necessário para realizar o teste. Isso pode ser um fator nas menores taxas de mortalidade por Legionelose em comparação com as taxas históricas. A cultura de amostra de trato respiratório inferior ou de escarro é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico, mas a sensibilidade varia de 10 a 80%, embora a especificidade seja de 100%.

Testes sorológicos não são úteis no manejo imediato de um paciente devido ao longo tempo (6 a 12 semanas) necessário para ocorrer soroconversão. Resultados sorológicos falso-negativos e falso-positivos ocorrem. Um aumento de quatro vezes ou mais no título de anticorpos entre as amostras de soro de fase aguda e convalescente é diagnóstico. Um antigo critério de um título de anticorpo altamente estável de 1:256 ou superior não é mais considerado diagnóstico.

A reação em cadeia da polimerase (PCR) pode ser usada para amplificar o DNA da Legionella no escarro, lavado broncoalveolar, líquido pleural, tecido pulmonar ou soro. A PCR pode detectar 1fg de DNA de Legionella, equivalente a um microrganismo. Ao testar para Legionella com PCR de uma amostra de trato respiratório superior, quando o PCR não é disponível, o uso do antígeno urinário para L. pneumophyla é uma alternativa aceitável.

Uma radiografia de tórax é necessária para estabelecer um diagnóstico de pneumonia. Cerca de metade dos pacientes com Legionelose apresenta envolvimento pulmonar unilateral. Os lobos inferiores são mais comumente envolvidos. Cerca de um terço dos pacientes apresentam envolvimento de pleura.

A opacificação densa é comum, mas opacidades intersticiais e nodulares também ocorrem; a cavitação, por sua vez, é incomum. Abscesso pulmonar, em 70% dos casos, está associado com o uso de corticosteroides. O diagnóstico da febre de Pontiac baseia-se na demonstração de Legionella na água a que o paciente foi exposto, na soroconversão à Legionella e em uma evolução clínica compatível.

 

Tratamento

 

No momento do diagnóstico de pneumonia, raramente o diagnóstico de Legionelose é determinado, e a L. pneumophyla representa 1 a 10% dos casos de pneumonia adquirida na comunidade. Comumente, as quinolonas como a levofloxacina e a moxifloxacina são os agentes de primeira escolha na maioria dos serviços quando a etiologia é determinada.

Infelizmente, nenhum estudo controlado randomizado estudou a terapia para Legionelose. Dados de um estudo prospectivo e não randomizado indicam que a levofloxacina é superior aos macrolídeos para o tratamento de doença grave, sendo que 3,4% dos pacientes que receberam levofloxacina tiveram complicações, em comparação com 27,2% dos que receberam macrolídeos.

A adição de rifampicina à levofloxacina não produz benefícios adicionais. Não existem dados que sugiram sinergia quando esse antibiótico é utilizado em combinação com outros antibióticos. Em um estudo clínico, 20 de 21 pacientes com doença dos legionários foram curados quando tratados com azitromicina.

O tratamento com levofloxacina, 500mg/dia, por 7 a 14 dias, ou 750mg/dia, por 5 dias, foi efetivo em estudos. Em um estudo com 33 pacientes admitidos em uma UTI com Legionelose, a administração de fluoroquinolona dentro de 8 horas após a chegada foi associada à diminuição da mortalidade. Não há bons dados sobre a duração do tratamento da Legionelose. O consenso é que 7 a 10 dias de tratamento com azitromicina ou uma quinolona são suficientes. No entanto, um tratamento mais longo será necessário se houver abscesso pulmonar, empiema ou endocardite. Em pacientes imunossuprimidos, a terapia deve durar 21 dias.

Uma metanálise de 24 estudos envolvendo 5.015 pacientes com pneumonia mostrou que, para pacientes com Legionelose, houve um benefício significativo quando a terapia empírica para pneumonia incluiu agentes ativos contra Legionella. As diretrizes de pneumonia publicadas pela American Thoracic Society e pela Infectious Diseases Society of America recomendam cobertura para L. pneumophyla em todos os pacientes com pneumonia considerada grave. Em pacientes com pneumonia nosocomial, o tratamento é o usual para essa condição, mas com o acréscimo de quinolona ou macrolídeo e a investigação do suprimento de água do hospital.

 

Prognóstico

 

A taxa de casos fatais de Legionelose caiu de 35% em 1993 para 5,6% em 2004 em uma série de casos. Esse declínio na mortalidade foi comprovado em um estudo de 15 anos de casos que exigiram internação em Barcelona, na Espanha. A mortalidade diminuiu, ao longo do tempo, de 9% em 1995 para 4% em 2010.

Em geral, a taxa de letalidade é maior em casos esporádicos do que em casos de surto, e é maior em casos nosocomiais em comparação com os adquiridos na comunidade. A maior taxa de fatalidade é observada na pneumonia nosocomial: cerca de 30%.

 

Bibliografia

 

1-Edelstein PH and Roy CR. Legionnaires' Disease and Pontiac Fever. In: Mandell, Douglas, and Bennett's Principles and Practice of Infectious Diseases, 8, Bennet JE, Dolin R and Blaser MJ (Eds), Elsevier, Pennsylvania 2015.

2-Kenagy E, Priest PC, Cameron CM, et al. Risk Factors for Legionella longbeachae Legionnaires' Disease, New Zealand. Emerg Infect Dis 2017; 23:1148.

3-Phin N, Parry-Ford F, Harrison T, et al. Epidemiology and clinical management of Legionnaires' disease. Lancet Infect Dis 2014; 14:1011.

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