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Estomatite Aftosa

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 07/06/2019

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A estomatite aftosa recorrente (EAR) é uma doença comum da mucosa oral e, ocasionalmente, genital, caracterizada pelo desenvolvimento repetido de uma a muitas úlceras dolorosas discretas que, em geral, cicatrizam em 7 a 14 dias. As lesões apresentam, tipicamente, de 3 a 5mm com úlceras arredondadas a ovais com um aro periférico de eritema e um exsudado aderente amarelado central. O processo pode variar em gravidade, com alguns pacientes notando apenas uma lesão ocasional e outros apresentando episódios tão frequentes que têm atividade ulcerosa quase contínua.

 

Epidemiologia

 

A estomatite aftosa é vista em todo o mundo, com a maior prevalência no Oriente Médio, na região do Mediterrâneo e no sul da Ásia. Ocorre, aproximadamente, um caso em cada cinco indivíduos. A maioria dos indivíduos desenvolve a doença durante a adolescência, embora não seja incomum em crianças. A doença pode continuar até a idade adulta, mas costuma diminuir com o aumento da idade. É incomum que pacientes com mais de 40 anos desenvolvam estomatite aftosa de início recente.

 

Classificação

 

A estomatite aftosa se classifica em:

               Aftose simples: o indivíduo experimenta vários episódios por ano envolvendo uma a várias úlceras com duração de até 14 dias e limitadas à mucosa oral.

               Aftose complexa: o paciente pode ter envolvimento da mucosa oral e genital, embora as lesões orais sejam mais comuns. As lesões são mais numerosas, mais dolorosas e maiores (>1cm de diâmetro), muitas vezes levando até 4 a 6 semanas para serem resolvidas.

 

Fisiopatologia

 

A patogênese é desconhecida e, provavelmente, multifatorial. Acredita-se que ocorra uma desregulação imune envolvendo a mucosa oral, levando a um processo pró-inflamatório exagerado e/ou uma resposta anti-inflamatória relativamente fraca. Embora certos alimentos possam exacerbar a estomatite, não há evidências que sugiram um papel etiológico para a alergia alimentar. Deficiências vitamínicas e minerais também foram implicadas na patogênese, particularmente na deficiência de vitamina B12.

O estresse emocional, com frequência, leva a uma exacerbação da doença. Certos medicamentos foram documentados para induzir úlceras orais semelhantes a úlceras aftosas. As úlceras, em geral, entram em remissão quando a medicação é descontinuada. Infecções virais como por herpes-vírus são uma etiologia importante de lesões vesiculares periorais.

O vírus é neurotrópico e permanece em estado de latência em terminações nervosas faciais, podendo se reativar em situações específicas como estresse emocional, entre outras. O vírus da estomatite vesicular causa uma doença vesicular mais proeminente em animais domésticos, comparativamente a humanos, que se assemelha à doença da febre aftosa, mas também causa lesões aftosas periorais.

 

Manifestações Clínicas

 

As lesões nas estomatites aftosas têm uma aparência muito característica. As úlceras são discretas, redondas a ovais, com um rebordo eritematoso e exsudado amarelado aderente centralmente. Os pacientes com aftose simples, em geral, apresentam de uma a cinco úlceras discretas limitadas à mucosa oral com diâmetro <1cm.

Em alguns pacientes, no entanto, as úlceras podem ser maiores que 1cm ou, raramente, com 1 a 3mm de diâmetro, ocorrendo em grupos, caracterizando as chamadas úlceras herpetiformes. Os pacientes com aftose complexa costumam apresentar úlceras grandes (>1cm de diâmetro), mas também lesões menores, semelhantes às observadas na aftose simples. As lesões orais costumam se desenvolver nas mucosas vestibular e labial, nos sulcos faciais, na língua lateral e ventral e no palato mole.

Embora as úlceras sejam predominantemente encontradas nas superfícies mucosas não mastigatórias, também podem ser vistas no palato duro e nas gengivas. Em alguns pacientes, as lesões podem aparecer e desaparecer dentro de 4 a 5 dias, mas, na maioria das pessoas, elas se resolvem em 10 a 14 dias.

Pacientes que apresentam episódios frequentes de aparecimento de lesões vesiculares são capazes de identificar lesões na fase inicial ou prodrômica, o que pode ser útil em termos de iniciar a terapia. Muitos referem uma exacerbação de sua doença após um trauma na mucosa oral, como morder o interior da bochecha ou passar por um procedimento odontológico. Nesses casos, uma ou mais úlceras se desenvolverão previsivelmente na área do trauma nos dias seguintes.

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico da estomatite aftosa é feito clinicamente, com base na história do paciente e no exame físico. Uma história de úlceras recorrentes autolimitadas da mucosa bucal que demonstram o aspecto característico de úlceras discretas, arredondadas a ovais, com borda eritematosa e exsudato amarelado é, em geral, suficiente para o diagnóstico de aftas simples. Em apresentações mais graves ou atípicas, uma biópsia pode ser útil para descartar um processo mucoso alternativo.

 

Diagnóstico Diferencial

 

Doença de Behçet. Trata-se de uma síndrome rara, caracterizada por aftas orais recorrentes e qualquer uma de várias manifestações sistêmicas, incluindo aftas genitais, doença ocular, lesões de pele, doença gastrintestinal, doença neurológica, doença vascular e artrite. A doença apresenta critérios diagnósticos específicos, incluindo:

               Úlceras orais recorrentes (pelo menos, 3 vezes em 1 ano)

               Úlceras genitais recorrentes

               Lesões oculares (uveíte anterior ou posterior, células no vítreo ou vasculite retiniana)

               Lesões cutâneas (eritema nodoso, pseudofoliculite, lesões papulopustulares ou acneiformes)

               Teste de patergia positivo

É necessária a presença de três critérios positivos, sendo o critério número 1 obrigatório; recentemente, se propôs que lesões vasculares como tromboses e aneurismas também fizessem parte dos critérios, mas isso ainda não é universalmente aceito.

Síndrome Magic. Representa uma síndrome de úlceras genitais e na boca com cartilagem inflamada (Magic); é uma síndrome de sobreposição de policondrite recidivante e doença de Behçet.

Lúpus eritematoso sistêmico (LES). As úlceras orais ou nasofaríngeas satisfazem um critério para o diagnóstico de LES.

Enteropatia sensível ao glúten. Há evidências de uma associação entre enteropatia sensível ao glúten (doença celíaca) e estomatite aftosa.

Doença inflamatória intestinal. Foi relatada uma associação entre doença inflamatória intestinal e úlceras orais. Na doença de Crohn, as ulcerações podem ter uma forma linear característica.

Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). O diagnóstico deve ser feito com maior cautela devido à possibilidade de infecções subjacentes, concomitantes, que podem se apresentar de maneira atípica.

Herpes simples. A gengivoestomatite herpética primária pode se apresentar com extensas ulcerações orais e enantema característico, sendo causada pelo vírus HSV-1; os pacientes podem apresentar vesículas esbranquiçadas semelhantes às aftas. A doença é contagiosa, e sintomas constitucionais como febre, mal-estar e cefaleia podem acompanhar o aparecimento das lesões vesiculares.

Neutropenia cíclica. A neutropenia cíclica é um raro distúrbio autossômico dominante das células progenitoras da medula óssea, caracterizado pela ocorrência cíclica de febre, mal-estar, faringite e estomatite aftosa, que se inicia na primeira infância.

Síndrome de hiperimunoglobulina D. A síndrome de hiperimunoglobulina D (hiper IgD) é uma doença genética autossômica recessiva rara, caracterizada por episódios febris recorrentes, tipicamente associados a linfadenopatia, dor abdominal e níveis séricos de IgD policlonais elevados.

Agranulocitose. A agranulocitose é definida como tendo uma contagem de neutrófilos <500/mm3 na ausência de anemia e na trombocitopenia. A grande maioria dos casos é induzida por medicações; pode ser acompanhada por ulcerações orais, febre, faringite, disfagia e sepse.

Doença bolhosa autoimune. As lesões mucosas de aftose complexa podem, algumas vezes, ser extensas o suficiente para que esse processo possa ser confundido com uma dermatose bolhosa autoimune, como pênfigo vulgar ou penfigoide cicatricial.

Líquen plano bucal erosivo. As lesões tendem a ser mais limitadas na distribuição e mais crônicas na natureza.

Úlceras mucosas induzidas por medicações.

Estomatite vesicular. O vírus da estomatite vesicular causa lesões que se parecem com as da febre aftosa; portanto, os surtos de estomatite vesicular exigem diagnóstico urgente. Os métodos diagnósticos atuais incluem fixação do complemento, soroneutralização, ensaio imunoenzimático (Elisa) ou isolamento viral em cultura de tecido. As infecções humanas pelo VSV costumam ser leves e não requerem tratamento. Não existem tratamentos específicos, e os agentes antivirais não foram avaliados in vivo. O interferon-a, o interferon-ß e o interferon-? inibem o crescimento do VSV in vitro.

 

Tratamento

 

Os objetivos do tratamento são aliviar a dor, acelerar a cicatrização das úlceras e diminuir a frequência e a gravidade dos episódios. Não existe uma terapia uniformemente eficaz. Medidas gerais destinadas a manter uma boa higiene bucal, evitar fatores exacerbantes e reduzir a dor são apropriadas para todos os pacientes. Para pacientes com aftose simples, as terapias tópicas, além das medidas gerais de higiene oral, são geralmente tudo o que é necessário. Sempre que possível, devem-se reduzir fatores traumáticos dentro da boca e evitar hábitos que causam trauma e alimentos que parecem exacerbar o processo.

Os anestésicos tópicos e agentes de revestimento podem proporcionar alívio temporário do desconforto se usados antes de comer e realizar a higiene dental. São eles:

               Lidocaína a 2% de lidocaína viscosa: pode ser aplicada diretamente na superfície das úlceras ou usada como bochecho.

               Hidróxido de alumínio, hidróxido de magnésio e suspensão de simeticona: 5 a 10mL com bochecho.

 

Devem ser tratadas as infecções secundárias quando presentes, embora não se deva utilizar a antibioticoterapia profilática. Em casos de suspeita de estomatite herpética, pode-se considerar o uso de antivirais como aciclovir tópico ou oral ou valaciclovir, mas seu benefício é relativamente limitado, e as medidas de suporte são parecidas com outras etiologias que causam a estomatite aftosa.

Os corticosteroides tópicos são o tratamento de primeira linha para pacientes com estomatite leve a moderada. Eles são mais eficazes se iniciados no início de um episódio e usados com frequência por, pelo menos, alguns dias. A primeira escolha é quase sempre dexametasona (0,5mg/5cc) com bochecho e cuspir, 3 a 4x/dia. É importante manter a medicação na boca por 5 minutos antes de cuspir. O clobetasol gel ou pomada a 0,05% é uma opção, assim como a triamcinolona a 0,1% em orabase.

A eficácia dos corticosteroides tópicos para o tratamento de estomatite foi avaliada em um estudo randomizado, incluindo 240 pacientes tratados com pomada dexametasona ou placebo, 3x/dia durante 5 dias. A cicatrização da úlcera ocorreu em uma proporção maior de pacientes no grupo da pomada dexametasona do que no grupo placebo (88% versus 55%).

Pacientes nos quais uma deficiência nutricional é documentada (por exemplo, vitamina B12, folato, ferro, zinco) podem responder ao suplemento apropriado. Um pequeno estudo randomizado sugeriu que a vitamina B12 pode ser benéfica em todos os pacientes com estomatite herpética. O uso de corticosteroides sistêmicos baseia-se em evidências limitadas de dois estudos randomizados e de baixa qualidade, e não são recomendados de rotina.

Diversas terapias sistêmicas foram propostas para o tratamento de pacientes com estomatite complexa que não respondem ao tratamento intermitente com corticosteroides sistêmicos ou pacientes nos quais os corticosteroides sistêmicos são contraindicados. Esses agentes são frequentemente usados em sequência, com base na resposta do paciente, na consideração de potenciais efeitos adversos e na preferência do paciente, e incluem:

               Colchicina: utilizada de forma eficaz no tratamento de aftas complexas e úlceras da mucosa na doença de Behçet. A dose inicial habitual é de 0,6mg, por via oral, 1x/dia. Após uma semana, se tolerada, a dose é aumentada para 0,6mg, 2x/dia, ou 1,2mg, 1x/dia. Pode, ainda, ser aumentada para 0,6mg, 3x/dia, mas pouquíssimos pacientes toleram essa dose sem desenvolver queixas gastrintestinais significativas.

               Dapsona: tem sido usada com eficácia no tratamento de aftas complexas e úlceras da mucosa na doença de Behçet. A dose inicial habitual é de 25 a 50mg/dia, que pode ser aumentada até um máximo de 150mg/dia, conforme tolerado.

               Talidomida: tem sido usada para o tratamento da estomatite aftosa grave e das lesões mucocutâneas da doença de Behçet com base em suas propriedades imunomoduladoras.

 

Bibliografia

 

1-Edgar NR, Saleh D, Miller RA. Recurrent Aphthous Stomatitis: A Review. J Clin Aesthet Dermatol 2017; 10:26.

2-Cui RZ, Bruce AJ, Rogers RS 3rd. Recurrent aphthous stomatitis. Clin Dermatol 2016; 34:475.

3-Fine SM. Vesicukar stomatitis vírus and related vesiculoviruses in Mandell Infectious Diseases 2015.

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