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Enterocolite Necrotizante

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 21/02/2020

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A enterocolite necrosante (EN) é a emergência gastrintestinal mais comum em recém-nascidos, afetando até 4 mil bebês americanos todos os anos. É caracterizada por isquemia de mucosa intestinal com necrose e inflamação intestinal com presença de gás. A EN também é a causa mais comum de perfuração intestinal durante o período neonatal. A maioria dos bebês afetados é prematura, e o diagnóstico da condição é realizado na UTI, afetando de 2 a 7% das crianças nascidas com < 32 semanas, com o risco chegando a 16% em crianças com menos de 23 semanas; a incidência também é maior em crianças com baixo peso. A EN ocorre ainda em um pequeno subconjunto de neonatos tardios e a termo, representando 15% dos casos; a maioria desses neonatos apresenta outras doenças subjacentes e raramente recebe alta da UTI antes do diagnóstico de EN. As complicações em crianças que sobrevivem à EN incluem estenose, fístula e síndrome do intestino curto.

A taxa estimada de óbito associada à EN varia entre 20 e 30%, sendo a maior taxa entre os neonatos que necessitam de cirurgia. O custo financeiro da EN é substancial; o custo total anual estimado nos Estados Unidos está entre 500 milhões e 1 bilhão de dólares.

 

Fisiopatologia

 

O mecanismo fisiopatológico exato da EN não é claro, mas provavelmente é multifatorial. O evento patológico primário pode ser inflamação ou lesão da parede intestinal, iniciando-se na mucosa e estendendo-se via transmural. O processo inflamatório excessivo iniciado no intestino causa efeitos sistêmicos, afetando órgãos distantes, como o cérebro, e colocando os neonatos afetados em risco substancial de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Um bebê se recuperando de EN tem perto de 25% de chances de desenvolver microcefalia e graves atrasos no desenvolvimento neurológico.

A imaturidade nas funções de motilidade, digestão, absorção, nas defesas imunológicas, na função de barreira e regulação circulatória predispõe o bebê prematuro a risco aumentado de lesão intestinal. Estudos em modelos animais sugerem que o feto e o bebê prematuro têm uma resposta inflamatória excessiva aos estímulos microbianos luminais; tais respostas alteram as barreiras protetoras no intestino. Os níveis séricos de várias citocinas e quimiocinas que recrutam células inflamatórias têm sido relatados como mais altos em pacientes com EN do que em prematuros não afetados. Entre essas citocinas aumentadas, a interleucina-8 produzida pelas células epiteliais emede a migração de neutrófilos para o local da inflamação e sua ativação, pode causar necrose e aumento da produção de proteínas da fase aguda no intestino.

Colonização microbiana inicial inadequada em prematuros é um importante fator de risco para EN particularmente porque a doença não ocorre até pelo menos 8 a 10 dias após o parto, em um período em que bactérias anaeróbicas colonizam o intestino; assim a resposta inflamatória imatura excessiva associada à microbiota intestinal anormal parecem ser fatores significativos para o desenvolvimento da EN.

O papel da hipóxia e da isquemia intestinal era considerado o principal fator para o desenvolvimento de EN, mas hoje se considera improvável que os principais eventos hipóxicos ou isquêmicos perinatais contribuam substancialmente para a patogênese da EN.

A necessidade de ressecção intestinal é uma das complicações graves mais comuns da EN e é a principal causa da síndrome do intestino curto em pacientes pediátricos.

 

Achados Clínicos

 

A maioria dos neonatos que desenvolvem EN está em bom estado geral antes de desenvolver a condição. Os sintomas mais comuns são intolerância alimentar e vômitos biliares. Outros achados nesses pacientes incluem distensão abdominal, hipersensibilidade abdominal, diarreia e hematoquezia.

Nos estágios mais avançados da doença, os neonatos podem parecer extremamente doentes e desenvolver sintomas sistêmicos, e pode haver hematêmese, febre, apneia, letargia, coma e choque. As radiografias abdominais geralmente mostram dilatação intestinal, pneumatose intestinal e perfuração. A apresentação em crianças a termo é similar à de neonatos e ocorre após 7 a 12 dias do nascimento.

 

Exames Complementares

 

Achados de exames complementares incluem anemia e plaquetopenia, podendo ocorrer coagulação intravascular disseminada, e 20% dos pacientes apresentam hemoculturas positivas. O hemograma pode, ainda, demonstrar neutrofilia ou neutropenia, o que indica mau prognóstico. Nenhum exame laboratorial individual é diagnóstico ou específico para EN, mas eles podem mostrar desidratação, distúrbios hidreletrolíticos, como hiponatremia, e sepse com aumento de marcadores inflamatórios.

O diagnóstico definitivo é feito com exame anatomopatológico, que raramente está disponível e torna o diagnóstico difícil porque não existe nenhum achado patognomônico da EM.

As radiografias simples de abdome são o estudo de imagem de escolha na EN. As radiografias podem mostrar alças dilatadas inespecíficas no intestino, ar intramural (pneumatose intestinal), que é um achado sugestivo de EN, ar dentro do sistema portal e das vias biliares ou pneumoperitônio. Pneumose intestinal está presente em 75% dos pacientes com EN. A presença de pneumoperitônio indica perfuração intestinal, que é uma complicação relativamente comum. A presença de alças sentinela é sugestiva de necrose intestinal. O exame de ultrassonografia pode mostrar coleções e espessamento de parede intestinal.

 

Diagnóstico Diferencial

 

Os diagnósticos diferenciais incluem causas de intolerância alimentar e vômito, que são achados comuns e inespecíficos em neonatos, mas os neonatos com EN geralmente estão muito toxemiados, diferentemente do que ocorre nessas outras condições. A doença do refluxo gastroesofágico, por exemplo, classicamente começa logo após o nascimento e permanece relativamente constante. O vômito relacionado à estenose pilórica não começa até as 2 a 3 semanas de idade e depois se torna cada vez mais grave e em jato. Em neonatos, o vômito bilioso requer cuidadosa consideração para descartar outras patologias obstrutivas, incluindo má rotação com volvo intestinal. As radiografias simples podem ajudar a diferenciar EN e volvo, sendo que este último cursa com ausência de gás no intestino, enquanto a marca registrada da EN são alças difusamente dilatadas do intestino delgado e pneumatose intestinal.

 

Manejo

 

Pacientes com suspeita de EN não devem receber nada por via oral, sendo indicada a realização de descompressão intestinal com colocação de sonda orogástrica ou nasogástrica. Como esses pacientes costumam ser instáveis ??hemodinamicamente e podem ter períodos de apneia ou dificuldade respiratória significativa, as vias aéreas devem ser tratadas conforme indicado em diretrizes. Acesso IV ou intraósseo deve ser estabelecido.

Os distúrbios hidreletrolíticos devem ser prontamente corrigidos, e a ressuscitação volêmica com bólus de 20 mL/kg de solução salina normal deve ser repetida até que a perfusão esteja apropriada. Agentes vasoativos como dopamina, epinefrina ou noradrenalina são indicados para pacientes em choque refratário.

A cobertura antibiótica de amplo espectro é indicada. Opções antibióticas incluem:

- ampicilina, gentamicina e metronidazol ou clindamicina

- ampicilina, cefotaxima e metronidazol ou clindamicina

- piperacilina-tazobactam e gentamicina

- piperacilina-tazobactam associada a vancomicina

 

O tempo de antibioticoterapia é dependente da resposta clínica do paciente, mas 10 a 14 dias costumam ser suficientes; os regimes antibióticos devem ser adaptados conforme o resultado de hemoculturas ou culturas peritoneais. Na suspeita de infecção fúngica associada, o fluconazol e a anfotericina B são opções.

Ao se realizar o diagnóstico de EN, deve ser solicitada avaliação emergencial de uma equipe de cirurgia pediátrica, pois complicações como perfuração e necrose intestinais são frequentes e podem não ser imediatamente evidentes nas radiografias simples. Os pacientes podem ser classificados da seguinte forma:

Estágio I: sem dilatação discreta e íleo discreto

Estágio IIa: dilatação intestinal, íleo, pneumatose intestinal

Estágio IIIa: dilatação intestinal, íleo, pneumatose intestinal com ascite

Estágio IIIb: dilatação intestinal, íleo, pneumatose intestinal com ascite e pneumoperitônio

 

O seguimento deve ser realizado em UTI com exames de imagem e laboratoriais seriados. Neonatos com resolução de sintomas, alterações laboratoriais e alterações em exames de imagem indicam sucesso do tratamento clínico.

A intervenção cirúrgica deve ser indicada quando há:

- presença de pneumoperitônio (indicação absoluta)

- deterioração clínica apesar de medidas clínicas

Os procedimentos cirúrgicos indicados podem ser a drenagem peritoneal primária ou com laparotomia com ressecção do segmento intestinal associada com enterostomia. Os dois procedimentos têm desfechos similares e devem ser decididos pelo cirurgião pediátrico.

 

Medidas Preventivas

 

Em crianças prematuras, o uso de glicocorticoides diminui a síndrome de desconforto respiratório e a EN.  A alimentação com leite materno ou com fórmula similar ao leite materno pode ajudar a prevenir a EN. Evitar cursos de antibióticos de amplo espectro e anti-histamínicos também diminui a probabilidade de evolução com EM.

Estudos randomizados prospectivos, durante a última década, avaliaram os efeitos de vários probióticos na prevenção da EM, os quais diminuem sua incidência, mas não a mortalidade, e não são recomendados de rotina. O uso de suplementos alimentares que melhoram o crescimento da flora intestinal pode ter potencial benéfico, mas também não deve ser recomendado de rotina.

 

Bibliografia

 

1-Maloney PJ. Gastrointestinal disorders in Rosen?s Emergency Medicine 2018.

2-Neu J, Walker WA. Necrotizing enterocolitis. N Engl J Med 2011; 364:255.

3-Zani A, Pierro A. Necrotizing enterocolitis: controversies and challenges. F1000Res 2015; 4.

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