FECHAR
Feed

Já é assinante?

Entrar
Índice

Dissecção de Artérias Cervicais

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 30/07/2021

Comentários de assinantes: 0

As dissecções das artérias cervicais são uma causa deacidente vascular cerebral (AVC). A dissecção ocorre quando a integridadeestrutural da parede arterial é comprometida, permitindo coleção de sangueentre as camadas da artéria como um hematoma intramural. A incidência dedissecção espontânea é de aproximadamente 2 a 3 em 100.000 pessoas por ano, coma dissecção de carótida sendo mais comum (1,7 caso em 100.000) do quedissecções da artéria vertebral (0,97 em 100.000 pessoas).

Dissecções traumáticas ocorrem em aproximadamente 1 em cada1.000 pacientes com trauma, causam cerca de 2% dos AVCs em todas as idades eaté 20% dos AVCs em pacientes com idade < 45 anos. Os sintomas são sutis;assim, o diagnóstico muitas vezes é adiado até que lesão neurológicairreversível ocorra.

Dissecções da artéria cervical podem ocorrerespontaneamente ou como um evento traumático, mesmo considerado trivial ou até esquecido.Os sintomas podem demorar e ser semelhantes ao que é visto em outros pacientesno DE com cefaleia, tonturas, dor de garganta. Na vigência de trauma, os sinaisou sintomas de dissecção podem ser aparentes, e o diagnóstico depende de manteralto grau de suspeição. Infelizmente, 67% desses pacientes desenvolvem isquemiacomo resultado da dissecção, nas primeiras 24 horas.

 

Etiologia e Fisiopatologia

 

Dissecções arteriais ocorrem quando há ruptura na camadaíntima da parede do vaso, causando ruptura do endotélio e da camada elásticainterna. O sangramento pode, então, se propagar entre as camadas, formando umpseudolúmen. Enquanto o sangramento continua, o hematoma intramural podeaumentar dentro do pseudolúmen, levando à oclusão do vaso, à formação de tromboe a embolia, pseudoaneurisma ou ruptura. Diferentemente das artériasextracranianas, as artérias intracranianas têm paredes mais finas e nãoapresentam camada elástica externa. Portanto, se a dissecção se estendeintracranialmente, pode facilmente levar à formação de um pseudoaneurisma ou ruptura,causando hemorragia subaracnóidea.

Rupturas da camada íntima podem ocorrer de formaespontânea, com trauma grave ou com estresse mecânico leve. Os locais maiscomuns de dissecção são próximos a proeminências ósseas, onde a artéria podeser lesada por compressão. Na artéria carótida, a localização mais comum daocorrência extracraniana é de aproximadamente 2 cm ou mais da bifurcaçãocarotídea próxima à base do crânio. A localização mais comum de dissecçõescarotídeas intracranianas é geralmente no segmento supraclinoide. Dissecções daartéria vertebral ocorrem principalmente no nível dos processos cervicais de C1-C2devido à compressão contra o pescoço, antes de o vaso entrar no forame magno durantea rotação da cabeça, ou em C5-C6 durante a flexão/extensão do pescoço.

O mecanismo de dissecções espontâneas não é totalmenteclaro. Em até um terço dos pacientes, nenhum evento mecânico é relatado, masdissecções verdadeiramente espontâneas são provavelmente incomuns. É possível quemuitas das dissecções "espontâneas" sejam decorrentes de traumatrivial que ocorreu dias antes.

Eventos traumáticos menores foram relatados em até 40%dos casos. Atividades implicadas com dissecção incluem patinação, tênis,basquete, vôlei, natação, mergulho, corrida de kart em solo irregular,levantamento de peso, dança, ioga, exercício vigoroso, pular em uma camaelástica, montanha-russa/passeios em parques de diversões e lesões esportivasleves. Outras lesões são descritas durante o parto, relação sexual, tosse ouespirro, procedimentos dentários e manipulação quiroprática. Embora alteraçõespredisponentes em tecido conjuntivo ou fragilidade de vasos sejam fatores derisco, eles estão presentes em apenas 1 a 5% dos casos de dissecções espontâneas.Dessas doenças, a displasia fibromuscular é a mais comum (15-20% dos casos), seguidapela síndrome de Ehlers-Danlos tipo IV (< 2% dos casos), síndrome de Marfan,osteogênese imperfeita ou vasculites após infecção.

Vários episódios de dissecções espontâneas em um únicopaciente foram relatados em 13 a 28% dos pacientes. Fatores de risco paradissecções múltiplas incluem vasculopatia, como displasia fibromuscular, infecçãorecente, manipulação cervical e histórico remoto de cirurgia em cabeça ou pescoço.

Dissecções traumáticas da artéria cervical ocorremprincipalmente devido a trauma contuso. Lesões traumáticas com dissecção deartéria cervical são frequentemente associadas a veículos motorizados, colisões,quedas e atropelamentos, em que a vítima sofre ferimentos significativos nacabeça e na coluna cervical. As lesões podem ser causadas por trauma nopescoço, hiperextensão e rotação contralateral da cabeça e pescoço ou fraturasda base do crânio, onde a artéria entra no crânio.

Pacientes com hipertensão arterial sistêmica (HAS),enxaqueca, tabagismo, aumento dos níveis de homocisteína, obesidade oupacientes com índice de massa corpórea baixo e gestação foram também observadoscomo fatores de risco para dissecção das artérias cervicais.

 

Diagnóstico Diferencial

 

O diagnóstico diferencial depende da apresentação, das queixase das circunstâncias. A principal hipótese diagnóstica na maioria dos pacientessão os AVCs em pacientes que apresentam déficits neurológicos focais edissecção. Casos assim, devem ser considerados quando características atípicasestão presentes. Os pacientes não costumam apresentar fatores de riscotradicionais de AVC, como idade, falta de fatores de risco de AVC tradicionais,dor associada com o evento. Nesses casos, também sugerem diagnóstico dedissecção das artérias cervicais. Além disso, lesão da medula espinal deve serconsiderada em pacientes com déficits neurológicos que não envolvem os nervoscranianos. Para o paciente sonolento que se apresenta com déficits neurológicos,outras considerações incluem trauma craniano ou cervical e hemorragiaintracerebral ou subaracnoide.

Síndromes que cursam com dor cervical e cefaleiasignificativas também devem entrar no diagnóstico diferencial; nesse caso,hipóteses incluem enxaqueca com aura, cefaleia em salvas e neuralgia dotrigêmeo. A chave para o diagnóstico de dissecção da artéria cervical ouvertebral nesses pacientes é uma história detalhada, um exame físico completo eo reconhecimento dos fatores de risco com base na apresentação e eventostraumáticos recentes, mesmo que menores.

 

Manifestações Clínicas e Avaliação do Departamento de Emergência

 

A apresentação clássica é de um paciente com sintomas deum AVC associados a dor cervical ou cefaleia. Cefaleia é descrita em 57 a 68%dos pacientes, enquanto dor cervical ocorre em aproximadamente 90% dos casos,podendo ser as únicas queixas no DE em cerca de 8% dos casos. A cefaleia éfrequentemente grave, contínua e de início recente. A dor costuma ser localizadana região posterior-occipital. Dor nos olhos, ouvidos ou rosto está presente emaproximadamente 53% dos pacientes e normalmente indica lesão na artériacarótida. Dor cervical é mais comum em dissecções da artéria vertebral. Pode terinício agudo ou gradual, normalmente está localizada na região posterior dopescoço e pode ser reproduzível no exame. Ocorre sopro carotídeo emaproximadamente 33% dos casos, então a presença desse sinal deve aumentar suasuspeita, mas não é sensível o suficiente para confirmar o diagnóstico.

A ampliação do vaso pode levar a sintomas compressivos devidoà dilatação fusiforme, com a paralisia de nervos cranianos ocorrendo em 8 a 16%dos pacientes, principalmente nos nervos IX a XII. Paralisia óculo-simpática,ou síndrome de Horner parcial (miose e ptose sem anidrose), está presente em 25a 40% dos pacientes com dissecção de carótida e ocorre devido à expansão daartéria e à compressão de fibras simpáticas que correm na carótida interna.Disgeusia pode ocorrer devido a envolvimento timpânico ou do nervoglossofaríngeo em aproximadamente 7% dos pacientes, sendo um achado específicopara o diagnóstico de dissecção carotídea. A expansão da camada ou formaçãoaneurismática na coluna vertebral geralmente leva à compressão das raízesnervosas cervicais, resultando em radiculopatia. Isso é mais comumente visto emC5-C6, com diminuição ou perda de sensibilidade ao longo do braço lateral e damão. Zumbido pulsátil devido ao fluxo sanguíneo não laminar no vaso estreitotransmitido ao ouvido interno foi relatado em 16 a 27% dos pacientes comdissecções da artéria carótida.

Em qualquer paciente que apresente cefaleia ou dorcervical, deve ser obtida uma história detalhada para avaliar fatores de riscode dissecção da artéria cervical, incluindo história de trauma recente,participação em atividades de risco, espirros ou tosse intensos, manipulação decoluna ou qualquer história pessoal ou familiar de doença do colágeno. Devem-seavaliar sintomas sugestivos de dissecção, incluindo dor de garganta ou cefaleiapulsátil, zumbido, sensação de paladar diminuído ou déficits neurológicosnovos. Deve-se realizar um exame neurológico completo, avaliando nervoscranianos, resposta motora, sensorial e marcha e sinais cerebelares. Um examedetalhado da região cervical deve incluir palpação da coluna cervical paraavaliar sensibilidade na linha média (dor sugere fratura), ausculta de soprocarotídeo e investigação de hematomas. Devem-se procurar lesões frequentementeassociadas, como lesão pelo cinto de segurança, ou evidência de estrangulamentoou enforcamento.

Como as queixas no DE são inespecíficas, o diagnósticocostuma ser atrasado em aproximadamente 9 dias a partir do início dos sintomas.Com frequência, os sintomas relatados ocorrem devido a dor, compressão deestruturas circundantes ao vaso, isquemia devida a oclusão do vaso ou embolia,ou hemorragia subaracnóidea como resultado de extensão de hemorragiaintracraniana e ruptura.

Ataque isquêmico transitório (AIT) ou AVC ocorrem em até67% de todos os pacientes com dissecções da artéria cervical. Pacientes quechegam ao DE com AVC devido à dissecção são normalmente mais jovens, com idademédia de 46 anos e sem os fatores de risco habituais para AVC aterosclerótico. Ospacientes são menos propensos a apresentar HAS, dislipidemia, doençacardiovascular ou forame oval patente.

Dissecções da artéria vertebral afetam as regiõessupridas pela circulação posterior, incluindo o tronco cerebral, o cerebelo e amedula espinal, levando a sintomas de vertigem, nistagmo, náuseas/vômitos,diplopia, disfagia, disartria, síndrome de Horner, ataxia, dismetria, soluçosincontroláveis ??e hemiplegia. Náuseas/vômitos, alterações do campo visual evertigem são mais frequentes em pacientes com dissecção de artérias cervicaisem comparação com pacientes com AVCs. Nas dissecções traumáticas da artériacervical, o tempo médio desde o evento traumático até o início dos sintomas éde aproximadamente 2 a 3 dias. Portanto, o paciente que se apresenta ao DE comdissecção aguda da artéria cervical traumática pode ser assintomático ou seencontra sonolento sem sinais ou sintomas específicos. Nesses pacientes,critérios de triagem são ferramentas importantes para identificar fatores dealto risco para que a avaliação e o diagnóstico possam ser realizados no DE.Antes do desenvolvimento de protocolos de triagem, taxas de mortalidade porlesão contusa das artérias cervicais chegaram até 50%, com mais da metade detodos os pacientes sobreviventes sofrendo deficiências neurológicas. Nosúltimos 15 anos, com o uso de protocolos de triagem liberais em pacientes dealto risco e avanços na tecnologia de imagem, mais dissecções da artériacervical foram encontradas e tratadas precocemente. Como resultado, amortalidade relatada é de 10 a 15%, com aproximadamente 30% dos pacientes com déficitneurológico.

 

Um estudo demonstrou quatro fatores de riscoindependentes para lesões contusas da artéria carótida, incluindo:

1-pontuação da Escala de Coma de Glasgow (GCS) < 6;

2-fratura de osso petroso;

3-lesão cerebral traumática com lesão axonal difusa;

4-uma fratura de crânio Le Fort II ou III.

 

O mesmo estudo encontrou que a presença de fraturacervical é um fator independente para lesão de artéria vertebral. O estudoencontrou risco de dissecção de 41% se um fator estiver presente e de 93% setodos os quatro estiverem presentes. Estudos recentes identificaram fatoresadicionais de alto risco, incluindo a presença de fratura de crânio basilar oufraturas cranianas complexas, fraturas de mandíbula, trauma torácico,descolamento do couro cabeludo, lesões de grandes vasos, baixo escore de Glasgowou alto escore de gravidade de lesão.

Achados clínicos adicionais que levantam a suspeita de lesãovascular incluem hematoma cervical em expansão (especialmente com instabilidadehemodinâmica sem outras causas óbvias), crepitação na região cervical e/ouhemiplegia em um paciente que apresenta tomografia computadorizada (TC) de crânionormal. Com base nesses achados, alguns critérios de triagem foramdesenvolvidos. Os dois mais comuns são os critérios modificados de Denver e os critériosde Memphis (Tabela 1). Estudos demonstraram que 44% dos pacientes rastreados pormeio desses critérios irão ter uma lesão em pelo menos um vaso. No entanto, essasferramentas não são perfeitas e podem perder até 20% dos pacientes comdiagnóstico de dissecção de artérias cervicais.

O exame físico deve avaliar os sinais de trauma nacabeça, pescoço ou tórax ou sinais de lesão vascular, incluindo epistaxe e hematomacervical em expansão ou crepitação.

 

Tabela 1: Critérios modificados de Denver pararastreamento de dissecção de artérias cervicais

 

Sinais e sintomas

Hemorragia arterial

Sopro cervical

Expansão do hematoma no pescoço

Déficit neurológico focal

Exame neurológico inconsistente com TC de crânio

TC consistente com AVC

Fatores de risco

Fraturas de face (Le Fort II ou III)

Fratura de base do crânio com envolvimento do canal carotídeo

Lesão axonal difusa com Glasgow < 6

Fratura da coluna cervical

Lesão cerebral anóxica

Lesão do cinto de segurança ou outra lesão de tecidos moles da região anterior do pescoço resultando em edema significativo ou alteração do estado mental.

Obs: O sinal do cinto de segurança isolado, sem outros sintomas neurológicos, não foi identificado como um fator de risco.

 

 

Exames Diagnósticos

 

A angiografia continua sendo o padrão-ouro para diagnósticode dissecções de artéria cervical. Ela fornece avaliação do fluxo sanguíneo quenão é possível na angiografia por tomografia computadorizada (ATC) ou imagensde angiorressonância magnética (ARM). O teste é invasivo, trabalhoso e estáassociado com riscos de AVC/AIT e sangramento ou desenvolvimento depseudoaneurisma no local da punção. Além disso, pode não ser viável em algunspacientes na fase aguda. A angiografia pode mostrar uma lesão em camada íntima,afilamento de vasos irregular, estenose luminal ou oclusão. A angiografia deve serreservada para pacientes nos quais outras imagens não são diagnósticas edissecção é fortemente suspeita ou em pacientes para os quais existe apreocupação de ocorrer dissecção do pseudoaneurisma intracraniano.

A ressonância magnética (RM) tem sido usada nodiagnóstico de dissecção por muitos anos. Além da capacidade de avaliar o AVC, tambémpode mostrar retalho íntimo, hematoma intramural, lúmen duplo, diâmetroaumentado dos vasos ou pseudoaneurisma. Se for visto, o hematoma intramural é oachado diagnóstico na RM que permite a identificação da dissecção. No quadroagudo, há um achado patognomônico, que é o sinal crescente de uma bordahiperintensa em T1 que progride para um sinal hiperintenso em T1 e T2. Essadescoberta é mantida por muitos meses. A RM tem sensibilidade de 83% e especificidadede 99% para dissecções da artéria carótida, mas sensibilidade de apenas 20%para dissecções da artéria vertebral.

A angiotomografia permite avaliação rápida do suprimentoarterial do arco aórtico ao círculo de Willis e é sensível para detecção dedissecções da artéria cervical. Ultrassom Doppler permite a visualização diretado vaso e fornece informações sobre fluxo dinâmico. No entanto, apresenta muitaslimitações devido à sua incapacidade de visualizar algumas áreas comuns deocorrência de dissecções. A sensibilidade varia de 38 a 86%.

 

Tratamento

 

Os pacientes com sintomas de AVC devem ser avaliados etratados de acordo com os protocolos de AVC. O tratamento do AVC agudo comtrombolíticos na suspeita de dissecção da artéria carótida ou vertebral tem possívelrisco associado de hemorragia ou expansão do hematoma intramural. Embora nãohaja nenhum ensaio clínico randomizado para avaliar a segurança e a eficácia dostrombolíticos nesses pacientes, eles não eram excluídos nos estudos originaisde trombólise no AVC isquêmico. Um estudo avaliou os desfechos de três meses e taxasde hemorragia intracerebral ou hemorragia importante nos pacientes na dissecçãoda artéria cervical e pacientes com AVC isquêmico e comparou com aquelestratados sem trombolíticos. Em 618 pacientes apresentando AVC, 11% receberamtrombolíticos (81% por via intravenosa), e não foi encontrada nenhuma diferençaem desfechos entre os grupos, mas o resultado é difícil de avaliar, com grande disparidadena pontuação NIH entre os grupos. A taxa de hemorragia foi de 5,9% entre ospacientes que receberam trombolíticos (todos os quais foram assintomáticos), emcomparação com 0,6% entre os que não receberam trombolíticos. Isso está dentrodo risco hemorrágico publicado para todos os AVCs. Dessa forma, os pacientesque se apresentam ao DE com AVC isquêmico agudo devido a dissecção extracranianaou dissecção intracraniana sem ruptura, apesar de evidências limitadas, têm asmesmas recomendações de tratamento agudo, pois são iguais aos pacientes queapresentam AVC por outras causas. Em um paciente com déficits neurológicosrelativos a AVC, a TC inicial sem contraste é realizada para descartarhemorragia. O rtPA é recomendado de acordo com as diretrizes publicadas. Após otratamento, mais testes com angiotomografia de cabeça e pescoço podem ser realizadospara avaliação de dissecção.

A terapia antitrombótica para prevenir sequelasneurológicas de longo prazo permanece o pilar do tratamento para pacientes comdissecções arteriais cervicais. Vários estudos em trauma têm mostrado reduçãosignificativa na taxa de AVC com o uso de aspirina ou heparina. Estudosretrospectivos também relataram redução nos eventos isquêmicos em pacientes comdissecções espontâneas que foram tratados com agentes antitrombóticos. Pacientescom trombo intraluminal são tratados preferencialmente com anticoagulação. Umarevisão de 171 pacientes admitidos com trauma contuso cerebrovascular mostrou melhoresdesfechos com a administração de heparina. Embora houvesse risco aumentado desangramento no início do estudo, esse risco foi eliminado quando o protocolo deheparina não utilizou o bólus inicial de heparina.

O estudo CADISS foi o primeiro ensaio clínico randomizadoque avaliou a diferença nos tratamentos com agentes antiplaquetários eanticoagulantes. Foram avaliados 250 pacientes com dissecção de artériacervical documentada dentro de 7 dias dos sintomas, e os pacientes foramrandomizados para tratamento com um agente antiplaquetário (aspirina, dipiridamolou clopidogrel sozinho ou em combinação) ou um agente anticoagulante (heparinaseguida de varfarina). Houve três eventos cerebrovasculares no grupo antiplaquetário(2%) e um no grupo de anticoagulação (1%). Um evento hemorrágico importante (umahemorragia subaracnoide) foi observado no grupo de anticoagulação em umpaciente com dissecção da artéria vertebral com extensão intracraniana, e não houveeventos hemorrágicos no grupo antiplaquetário. O estudo mostrou tendência nãosignificativa de mais AVCs recorrentes no grupo que recebeu agentesantiplaquetários.

O tratamento deve ser personalizado com base nas comorbidades,contraindicações à terapia e risco de AVC. Por exemplo, pacientes apresentandosintomas compressivos locais sem isquemia encontraram diminuição do risco de AVC;então, um agente antiplaquetário para essa população deve ser suficiente. Empacientes com grandes AVCs (NIHSS > 15) ou extensão intracraniana que apresentamrisco aumentado de sangramento, o tratamento com agentes anticoagulantes e antiplaquetáriosseriam preferíveis nesses pacientes. Além disso, o escore de AVC foi menor compequenas dissecções da camada íntima e estreitamento < 25%, então um agenteantiplaquetário provavelmente seria apropriado devido à pequena chance dedesenvolvimento de trombo agudo no local e embolização.

Uma questão ainda sem resposta é quando é seguro iniciaro tratamento em pacientes com risco de sangramento, como aqueles com lesõestraumáticas adicionais, hemorragia intracraniana ou AVC. Para pacientes apresentandoAVC que receberam rtPA, os agentes antiplaquetários e de anticoagulação devemser adiados por 24 horas. Para pacientes com hemorragia intracraniana agudadevido a trauma, existe controvérsia a respeito de quando a terapia deve seriniciada, e acredita-se que seja contraindicada. Considerando o alto risco de AVCem pacientes não tratados, é claro que a terapia deve ser iniciada o mais rapidamentepossível, mas esse tempo exato varia entre os médicos. Em um estudo de coorteretrospectivo com 77 pacientes, o uso de aspirina ou heparina não afetou orisco de sangramento, com metade dos pacientes tratada dentro de 72 horas.

Imagens para o seguimento devem ser realizadas paraavaliar a melhora ou progressão da dissecção. Nos pacientes com trauma, foirelatado que 8% das dissecções de grau I (irregularidade da íntima comestreitamento do lúmen < 25%) e 43% das dissecções de grau II (dissecção com> 25% de estreitamento) progrediram para um grau superior III(pseudoaneurisma), que exigia tratamento intervencionista imediato. A repetiçãoda imagem é recomendada em 7 a 10 dias após a imagem inicial para avaliar aprogressão da dissecção e a mudança no manejo, especialmente para as dissecçõesde baixo grau.

Os dados sugerem que a recanalização de muitas das lesõesocorre em 3 a 6 meses. Portanto, este é o curso de tempo mínimo recomendadopara

tratamento, mas esse tratamento deve ser estendido se ossintomas recorrentes se desenvolverem ou se a imagem mostrar continuação da estenose,irregularidade, trombo ou progressão da dissecção. Se a dissecção piorar apesarde um agente antiplaquetário, uma consideração séria deve ser dada a mudança daterapia para anticoagulação ou terapia endovascular, se não houvercontraindicações.

A terapia endovascular pode ser usada para o tratamento dedissecções da artéria cervical. As intervenções incluem angioplastia, colocaçãode stent ou embolização/oclusão do vaso dissecado. O maior benefício éem pacientes que apresentam eventos isquêmicos apesar de terapia médica,progressão da dissecção ou pseudoaneurisma. O tratamento endovascular tambémtem sido usado de forma eficaz no tratamento de AVC agudo relacionado a dissecção,pois permite a visualização dos vasos afetados, recanalização rápida comtrombolíticos intra-arteriais ou recuperação mecânica e colocação de stent,se necessário. Há evidências de que a terapia endovascular possa ser superiorao rtPA em pacientes quando há dissecção e AVC embólico a jusante, embora aterapia intravenosa não deva ser suspensa nesses pacientes.

O tratamento endovascular do AVC agudo deve serconsiderado como tratamento de primeira linha se o paciente apresentar contraindicaçõespara rtPA, desde que o procedimento possa ocorrer dentro de 6 horas do iníciodos sintomas. As dissecções de artéria vertebral são mais comumente localizadasem regiões extracranianas, mas extensão intracraniana ocorre em aproximadamente10% das dissecções.Hemorragia subaracnoide devida a extensãointracraniana, desenvolvimento de aneurisma e ruptura das artériasintracranianas ocorrem em aproximadamente 15% dos casos. A característica deapresentação mais comum de dissecção intracraniana é isquemia cerebral,presente em aproximadamente 84% das dissecções intracranianas. Contudo, o fatorcontribuinte mais significativo para a morbidade e a mortalidade é hemorragia subaracnoide.Sintomas incluem início súbito de forte cefaleia, que pode estar associado asíncope, vômito, alteração no nível de consciência e deterioração neurológicaabrupta. Cefaleia intensa é frequentemente vista com AVC isquêmico de dissecçãointracraniana, mesmo na ausência de hemorragia. Em pacientes que se apresentamcom hemorragia subaracnoide devido a dissecção intracraniana, ressangramento ocorreem até 58% dos casos e está associado com mortalidade de 50 a 79% semtratamento.

Tratamento endovascular ou cirúrgico diminui significativamenteo risco de ressangramento; portanto, dissecções com aneurismas e hemorragiadevem ser tratadas emergencialmente com avaliação endovascular ou reparocirúrgico o mais rápido possível. O reparo endovascular é indicado tipicamentepara a oclusão da artéria proximal à dissecção.

Embora seja raro, gestantes e pacientes no puerpérioimediato apresentam risco aumentado de dissecção da artéria cervical. A maioriadesses pacientes apresenta outras anormalidades vasculares associadas e podeter síndrome de vasoconstrição cerebral reversível, síndrome de leucoencefalopatiaposterior e hemorragia subaracnoide. Dissecções da artéria cervical e ascondições associadas devem ser procuradas em mulheres com cefaleia grave após oparto. Nas crianças com diagnóstico de dissecção, aproximadamente 50% não têmhistória de trauma craniano ou cervical, e cerca de 75% não têm sinais dealarme. Se sintomas estiverem presentes, eles têm características ligeiramentediferentes daquelas encontradas na população adulta. Em uma coorte de 213crianças com dissecção aguda, a apresentação mais comum era composta dedéficits neurológicos focais (87,5%), cefaleia (44%), nível de consciênciaalterado (25%) e convulsão (12,5%). Os pacientes também apresentaram sinais de aumentoda pressão intracraniana (63%), déficits de fala (50%), déficits de nervoscranianos (37,5%) e déficits de campo visual (35%).

AVC isquêmico é visto em crianças de 28 dias a 18 anos,com incidência de aproximadamente 11 em 100.000 crianças por ano. Destes, 7,5 a20% foram atribuídos a dissecções da artéria cervical. Aproximadamente 20 a 40%das crianças morrem após sofrer AVC, e, daquelas que sobrevivem, 50 a 80%apresentam déficits neurológicos significativos e irreversíveis. Em uma revisãosistemática de 2008 de estudos e relatos de caso de crianças com dissecções deartéria cervical, quase 14% experimentaram múltiplos eventos isquêmicos antesdo diagnóstico.

Embora a trombólise aguda não tenha sido estudada emensaios clínicos randomizados em crianças, relatos de casos e séries de casosdescrevem seu uso como eficaz e seguro. O atraso no diagnóstico é comum no AVCem crianças. Em uma retrospectiva de 2013 de crianças com um AVC, nenhumpaciente foi elegível para trombólise. Uma revisão de pacientes com traumapediátrico descobriu que apenas 42% daqueles que atendem critérios de triagemtiveram avaliação radiográfica, e AVC ocorreu em 38% dos pacientes que nãoforam tratados com antitrombóticos. Portanto, a observação dos critérios detriagem é importante para pacientes pediátricos com trauma, porque odiagnóstico pode ter resultados devastadores. As diretrizes da EasternAssociation for Surgery of Trauma afirmam que a população pediátrica deve ser avaliadausando-se os mesmos critérios dos adultos.

Embora as evidências mostrem benefício claro para otratamento de dissecção com um agente antitrombótico o mais rápido possívelpara a prevenção de AVC, o momento é uma decisão individual. Pacientes comrisco de hemorragia muitas vezes não podem iniciar o tratamento no cenárioagudo, mas não está claro quando o paciente não corre mais o risco dehemorragia. Muitas vezes, o tratamento é considerado contraindicado empacientes com trauma craniano, mas AVCs subsequentes podem levar a desfechosruins ou morte. Estudos são necessários para responder a essa importante perguntapara que os médicos possam equilibrar os riscos e os benefícios do tratamentoprecoce. Não existem dados sobre os parâmetros hemodinâmicos ideais parapacientes que apresentam dissecção de artéria cervical. A hipertensão é fatorde risco independente para dissecções, então alguns autores argumentariam quecontrolar a pressão arterial para níveis normais é apropriado. No entanto, o pacienteque apresenta AVC isquêmico como resultado da dissecção depende do fluxosanguíneo colateral e poderia se beneficiar de pressão arterial mais alta. As diretrizespara prevenir o risco de hemorragia após rtPA recomendam que a pressão arterialdeve ser mantida < 180/105 mmHg por 24 horas, mas as metas específicas além esseperíodo ainda são questionáveis.

 

Bibliografia

 

1-Cadena R. Cervicalartery dissection-Early recognition and Stroke Prevention. EBMedicine 2016.

2- Kernan WN, Ovbiagele B, Black HR, etal. Guidelines for the prevention of stroke in patients with stroke andtransient ischemic attack: a guideline for healthcare professionals from theAmerican Heart Association/American Stroke Association. Stroke 2014; 45:2160.

3- Brott TG, Halperin JL, Abbara S, etal. 2011 ASA/ACCF/AHA/AANN/AANS/ACR/ASNR/CNS/SAIP/ SCAI/SIR/SNIS/SVM/SVSguideline on the management of patients with extracranial carotid and vertebralartery disease: executive summary: a report of the American College ofCardiology Foundation/American Heart Association Task Force on PracticeGuidelines, and the American Stroke Association, American Association ofNeuroscience Nurses, American Association of Neurological Surgeons, American Collegeof Radiology, American Society of Neuroradiology, Congress of NeurologicalSurgeons, Society of Atherosclerosis Imaging and Prevention, Society forCardiovascular Angiography and Interventions, Society of InterventionalRadiology, Society of NeuroInterventional Surgery, Society for VascularMedicine, and Society for Vascular Surgery. Vasc Med 2011; 16:35.

Conecte-se

Feed

Sobre o MedicinaNET

O MedicinaNET é o maior portal médico em português. Reúne recursos indispensáveis e conteúdos de ponta contextualizados à realidade brasileira, sendo a melhor ferramenta de consulta para tomada de decisões rápidas e eficazes.

Medicinanet Informações de Medicina S/A

Cnpj: 11.012.848/0001-57

info@medicinanet.com.br


MedicinaNET - Todos os direitos reservados.

Termos de Uso do Portal

×
×

Em função da pandemia do Coronavírus informamos que não estaremos prestando atendimento telefônico temporariamente. Permanecemos com suporte aos nossos inscritos através do e-mail info@medicinanet.com.br.