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Manifestações Extra-Hepáticas da Infecção pelo Vírus C

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 22/02/2022

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Pacientes com infecção crônica pelovírus da hepatite C (VHC) correm o risco de apresentar uma grande variedade demanifestações extra-hepáticas, incluindo crioglobulinemia, doenças autoimunes,renais, aumento de risco para doenças endócrinas, cardiovasculares e condições dermatológicas.É estimado que 40 a 90% dos pacientes com infecção crônica por VHCdesenvolverão pelo menos uma manifestação extra-hepática durante o curso dadoença, podendo ser o primeiro e único sinal clínico da hepatite C crônica. A Tabela1 sumariza as principais manifestações extra-hepáticas da infecção pelo vírus dahepatite C.

 

Tabela 1: Manifestaçõesextra-hepáticas de infecção crônica por hepatite C

 

Doenças endócrinas

-Tireoidopatias autoimunes (em particular tireoidite de Hashimoto)

-Resistência à insulina/diabetes melito

-Deficiência do hormônio do crescimento (GH)

-Deficiência de vitamina D

-Ostepenia e osteoporose

Doenças reumáticas e imunes

-Crioglobulinemia mista

-Vasculite crioglobulinêmica

-Neuropatia periférica

-Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP)

-Glomerulonefrite membranosa

-Artralgias/oligopoliartrite reumatoide

-Fator reumatoide positivo

-Síndrome sicca

Doenças hematológicas

Doenças linfoproliferativas/linfomas não Hodgkin

-Plaquetopenia autoimune (PTI)

-Gamopatias monoclonais

-Anemia hemolítica autoimune

Doenças dermatológicas

-Púrpura palpável

-Porfiria cutânea tarda (PCT)

-Líquen plano

-Prurido

Doenças cardiovasculares

-Miocardiopatia/miocardite

-Aterosclerose carotídea

-Aumento do risco de doença arterial periférica

-Aumento de mortalidade cardiovascular (CV) e por ACV isquêmico

Sistema nervoso central

-Fadiga crônica

-Disfunção cognitiva subclínica

-Depressão e apatia

Outros

-Miopatia

-Fibrose pulmonar idiopática

-Aumento do risco de cânceres sólidos não hepáticos (reto, pâncreas, pulmão e brônquios, rim)

 

Crioglobulinemia: Visão Geral

 

Trata-se da manifestaçãoextra-hepática mais comum da infecção pelo vírus da hepatite C. A crioglobulinemia mista é a presença deimunoglobulinas anormais no soro, as que tem a propriedade incomum deprecipitar em temperaturas abaixo de 37°C e de se dissolver em temperaturasmais altas. As crioglobulinas (CGs) são hoje classificadas em três tipos combase em sua clonalidade. A CG tipo II e as CG tipo III, consistindo deimunoglobulinas monoclonais e/ou policlonais, são prevalentes em pacientes com infecçãopelo VHC, enquanto as CGs tipo I, consistindo exclusivamente decomponentes monoclonais, são encontradas principalmente em pacientes comdoenças linfoproliferativas (mieloma múltiplo, linfoma de células B,macroglobulinemia de Waldenström). A crioglobulinemia mista tipo II ou tipo IIIé encontrada em 19 a 50% dos pacientes com infecção crônica pelo VHC, mas levaa manifestações clínicas por meio de precipitação de imunocomplexos em apenas30% desses pacientes. A crioglobulinemia mista em estudos não constituiu umfator de risco independente para a progressão da fibrose hepática.  

A crioglobulinemia mista assintomática,durante o curso da infecção crônica pelo VHC, pode evoluir para doençasintomática. Pacientes com crioglobulinemia mista sintomática (CMS) apresentammaiores concentrações de crioglobulina (> 3%) e menores concentrações defatores do complemento C3 e C4. As CGs podem se precipitar em vasos de pequenoe médio calibres. A ativação do complemento desencadeada pelas CG podeconstituir o evento-chave da patogênese da crioglobulinemia. Fatores queparecem favorecer o desenvolvimento de CMS são sexo feminino, idade, ingestãode álcool (> 50 g/d), fibrose hepática avançada e esteatose.

A detecção de CGs é realizada mantendo-seo soro do paciente a 4°C por até 7 dias. Quando o crioprecipitado é visível, a CGpode ser purificada e caracterizada usando-se eletroforese de imunofixação. Emcaso de evidência de crioglobulinemia em pacientes com VHC positivo, deve-seprocurar manifestações clínicas de crioglobulinemia. O diagnóstico é baseado emcritérios sorológicos, patológicos e clínicos, como os resumidos a seguir:

-Demonstração de CGs séricas maior que1%, por pelo menos 3 a 6 meses. Além disso, é necessário, ainda, um dosseguintes:

-manifestações clínicas de vasculitecrioglobulinêmica ou trombose, como púrpura de extremidades ou vasculiteleucocitoclástica;

-evidência direta de CGs em espécimesde biópsias.

 

A determinação do fator reumatoide (FR)constitui um marcador substituto confiável para detecção de CG. A CG ocorreprincipalmente de forma assintomática e não tem influência significativa nocurso da inflamação crônica hepática. Por sua vez, a CMS está associada a maiormortalidade.

A CM causa principalmente sintomasinespecíficos e constitucionais, como artralgias, fadiga, mialgias e lesõespurpúricas, com a tríade clássica de púrpura, artralgias e fraqueza ocorrendoem apenas 25 a 30% dos casos. As manifestações ocorrem e desaparecem em 1 a 2semanas, com recorrências mensais ou em períodos mais curtos, mas, em casosgraves, as manifestações são contínuas, o que torna difícil diferenciar apresença de exacerbações.

Lesões cutâneas são frequentes empacientes com CM e podem preceder as outras manifestações por décadas.

Artralgias são um sintoma proeminentena maioria dos casos de CM e ocorrem em 70% dos casos. As articulaçõestipicamente envolvidas são as articulações interfalangeanas proximais emetacarpofalangeanas e os joelhos. A artrite da CM não é deformante.

Pode ocorrer neuropatia periférica naCM, principalmente com envolvimento sensorial. A apresentação típica éneuropatia sensorial axonal, associada a dor e parestesias anos antes dodesenvolvimento de déficits motores. A mononeurite múltipla também podeocorrer, mas nunca na ausência de sintomas sensoriais.

O envolvimento do sistemarenina-angiotensina por vasculites renais está presente em até 20% dospacientes no diagnóstico e pode chegar a 50% dos pacientes durante a evoluçãoda doença em algumas séries. As manifestações mais frequentes são hematúriamicroscópica assintomática, proteinúria e grau variável de insuficiência renal.

A CM é uma condição verdadeiramentelinfoproliferativa; assim, a incidência de linfomas de células B é aumentada nessespacientes, bem como casos de carcinoma hepatocelular, provavelmente secundárioà infecção pelo vírus da hepatite C.

O envolvimento do tratogastrintestinal é pouco frequente, mas pacientes com CM apresentam às vezes abdomeagudo cirúrgico, com colecistite aguda e vasculite mesentérica. A doençapulmonar na CM consiste principalmente de lesões pulmonares intersticiais. Aseguir, serão apresentadas as principais manifestações da crioglobulinemia nessespacientes.

 

Vasculite Sistêmica

 

A vasculite relacionada ao VHC dependeda deposição de imunocomplexos contendo CGs, complemento e grandes quantidadesde antígenos de VHC nos vasos sanguíneos de pequeno e médio portes. O VHC seacumula nas CGs, e os achados histopatológicos revelam vasculiteleucocitoclástica. Os sintomas mais comuns são fraqueza, artralgia e púrpura (tríadede Meltzer e Franklin). A vasculite crioglobulinêmica também pode levar à síndromede Raynaud e a síndrome de sicca, glomerulonefrite e neuropatia periférica.

As principais lesões são máculaseritematosas ou pápulas purpúricas. Vasculite de vasos de médio calibre tambémpode estar presente, mas esse tipo de envolvimento geralmente não ocorre semdoença de pequenos vasos. Úlceras cutâneas e crostas hemorrágicas ocorrem em 10a 25% dos casos, mas são mais comuns na crioglobulinemia do tipo I. Podemocorrer, ainda, fenômeno de Raynaud, livedo articular e acrocianose, mas estes tambémsão mais comuns na crioglobulinemia do tipo I.

A biópsia da pele com estudos deimunofluorescência mostra vasculite leucocitoclástica mediada por complexoimunológico, com deposição de IgG, IgM, C3 e outros imunorreagentes ao redordas paredes de vasos de pequeno e médio calibres. Os trombos vasculares tambémsão proeminentes em muitos casos. A púrpura palpável com predileção para osmembros inferiores é a erupção cutânea típica, mas a erupção cutânea é tambémencontrada às vezes em membros superiores, tronco ou nádegas. Além disso, umasérie de outros tipos de erupções vasculíticas pode ser encontrada, dependendodo tamanho do vaso sanguíneo envolvido. Lesões vesicobolhosas, lesões urticariformesno contexto de envolvimento de pequenos vasos e úlceras acima do maléolo,potencialmente extensas, podem ocorrer caso vasos de médio calibre estejamenvolvidos.

 

Insuficiência Renal

 

A etiologia da insuficiência renalassociada à crioglobulinemia é principalmente a glomerulonefrite proliferativamembranoproliferativa (GNMP), caracterizada, na maioria dos casos, porproteinúria, hematúria leve e insuficiência renal lentamente progressiva. Apresença de insuficiência renal é considerada um fator de prognóstico. Cerca de15% dos pacientes com GNMP podem progredir para lesão renal terminal comnecessidade de diálise.

 

Neuropatia Periférica

 

A neuropatia periférica é umacomplicação típica da crioglobulinemia mista. Apresenta-se clinicamente comomononeuropatia ou polineuropatia, sendo principalmente sensorial, caracterizadapor parestesias, queimação na pele, sensação de formigamento e prurido, predominantementeem mãos e pés, sendo a segunda complicação mais comum da CG, com estudoseletroneuromiográficos alterados em 70 a 80% dos casos. A mononeurite múltiplatambém pode ocorrer, mas nunca na ausência de sintomas sensoriais. Vasculiteinduzida pelo VHC é o mecanismo patogênico mais aceito para a disfunção donervo periférico. O acometimento do sistema nervoso central (SNC), por sua vez,geralmente ocorre pela hiperviscosidade e sintomas secundários ahiperviscosidade do sangue no cérebro. A hiperviscosidade é uma complicaçãorara na crioglobulinemia dos tipos II ou III, sendo mais comum nacrioglobulinemia do tipo I, uma condição na qual os níveis de crioglobulina sãosubstancialmente mais elevados. A ocorrência de síndrome de hiperviscosidade é indicaçãode plasmaférese. Além das síndromes de hiperviscosidade, a vasculite do SNCtambém ocorre em um número muito pequeno de pacientes com CM.

 

Doenças Linfoproliferativas Malignas

 

A associação entre agentes infecciosose distúrbios linfoproliferativos é bem descrita, como o Helicobacter pylori e oMALT-linfoma gástrico. Parece haver associação causal entre o VHC e o linfoma nãoHodgkin (LNH). A infecção pelo VHC por si só leva a um risco duas vezes maiorde desenvolver LNH. Uma metanálise de sete estudos com mais de 10.000 pacientesencontrou maior incidência de LNH de células B associado com infecção por VHC. Asdoenças linfoproliferativas mais prevalentes associadas ao VHC são linfomafolicular, leucemia linfocítica crônica de células B/pequeno linfoma delinfócitos, linfoma difuso de grandes células B e linfoma de zona marginal,incluindo o MALT-linfoma. O papel do VHC na gênese do linfoma é explicado pelaindução da proliferação de células B pelas células do VHC. As doençaslinfoproliferativas são mais frequentes em pacientes infectados pelo VHC comcrioglobulinemia. Ativação sustentada e proliferação das células B, observadasdurante a infecção crônica pelo VHC, constituem um provável mecanismopatogênico indireto. Mecanismos patogênicos diretos são baseados empropriedades linfotrópicas do VHC.

 

Manejo da Crioglobulinemia e suas Manifestações

 

A crioglobulinemia mista assintomática(CM) por si só não constitui indicação de tratamento, mas pode evoluir paradoença sintomática; assim, monitorização é necessária, e introdução da terapiaantiviral em termos de profilaxia deve ser considerada. Como foi estabelecidacorrelação causal entre infecção pelo VHC e crioglobulinemia mista, a abordagemterapêutica da CMS deve se concentrar principalmente na erradicação do vírus. OIFN parece ser promissor na CM induzida pelo VHC devido às suas propriedadesantivirais e antiproliferativas nas células B e à estimulação da eliminação deimunocomplexos mediada por macrófagos, sugerindo que o IFN-a pode levar àmelhora clínica, mesmo em casos sem resposta virológica. A melhora clínica daCM é relatada em 50 a 70% dos pacientes que recebem terapia antiviral com IFN-amais ribavirina.

As estratégias antivirais sãocomumente combinadas com abordagens de depleção de células B, com o uso derituximabe (1g às vezes duas doses, separadas por 15 dias) juntamente com asterapias anti-HCV. A interleucina-2 também parece ser uma estratégia detratamento promissora, mas não pode ser recomendada de rotina no momento.

Em casos de vasculite sistêmica grave,a terapia inicial com rituximabe é sugerida. Na vasculite mista relacionada àcrioglobulinemia ou a manifestações agudas refratárias ao tratamento antivirale ao rituximabe, indicam-se plasmaférese mais corticosteroides e,eventualmente, ciclofosfamida. Outros estudos mostraram que baixa dose de interleucina-2pode levar à melhora clínica da vasculite e tem efeitos imunológicos, comorecuperação de células T regulatórias.

A terapia antiviral à base deinterferon na neuropatia periférica tem sido debatida. Dados promissores comresolução total da polineuropatia em 21 de 25 pacientes com regimes à base desofosbuvir foram descritos. A neuropatia periférica não deve ser consideradacontraindicação para a terapia antiviral da hepatite C crônica.

A erradicação do Helicobacter pyloripode levar à remissão completa do linfoma MALT, e a terapia antiviral podelevar à regressão do LNH de baixo grau em pacientes com doençaslinfoproliferativas malignas relacionadas ao VHC. A terapia combinada comantivirais de ação direta ( /- ribavirina) deve ser considerada como terapia deprimeira linha. A remissão dos distúrbios hematológicos está associada aresposta das doenças virológicas ou obtenção de resposta virológica sustentada.

O tratamento de pacientes infectados peloVHC com LNH de alto grau deve ser com base na quimioterapia citostática deacordo com as diretrizes atuais das sociedades hematológicas. A infecção pelo VHCnão constitui contraindicação para quimioterapia citostática.

 

Outras Manifestações Extra-hepáticas Associadas ao Vírus Da Hepatite C

Hematológicas

 

Outras manifestações hematológicas incluemplaquetopenia associada ao VHC. Condições trombocitopênicas (contagem deplaquetas abaixo de 150.000 céls/mm3) são frequentemente observadas empacientes com hepatite C crônica e resultam principalmente de fibrose hepáticaavançada e cirrose manifesta com hipertensão portal e esplenomegaliaconsecutiva. A trombopoietina pode ser um importante fator causal. Como o RNAdo VHC pode ser abundante nas plaquetas e nos megacariócitos de pacientestrombocitopênicos, acredita-se que existam efeitos citopáticos diretos do VHC.Além disso, foi sugerido que a exposição ao VHC pode ser um fator causal para aprodução de imunoglobulinas associadas às plaquetas, induzindo trombocitopeniapor meio de um mecanismo imunológico semelhante ao que ocorre na plaquetopeniaautoimune. Há alta prevalência de infecção pelo VHC em pacientes com plaquetopeniaautoimune, mas as características clínicas desses pacientes são diferentes dasde outros pacientes com plaquetopenia autoimune negativos para infecção pelo VHC,o que indica um papel direto do vírus.

Não há consenso sobre o tratamentoideal de doenças relacionadas ao VHC; assim, são utilizadas abordagensterapêuticas clássicas, como corticosteroides, imunoglobulinas intravenosas eesplenectomia. A terapia antiviral constitui outra opção. Um aumentosubstancial de plaquetas após terapia antiviral ocorre em uma porcentagemsignificativa de pacientes com plaquetopenia autoimune relacionada ao VHC. Cuidadoé recomendado em pacientes trombocitopênicos tratados com PEG-IFN-a maisribavirina, pois pode ocorrer agravamento significativo das citopeniasrelacionadas ao VHC. Por sua vez, o uso a longo prazo de corticosteroides ou drogasimunossupressoras é limitado devido a risco aumentado de progressão da fibrose.Um agonista do receptor de trombopoietina oralmente ativo, o eltrombopag, podeser usado em pacientes trombocitopênicos com infecção pelo VHC. Sua eficáciafoi documentada em pacientes com plaquetopenia relacionada ao VHC, mas podeaumentar o risco de trombose da veia porta. A Food and Drug Administration (FDA)aprovou recentemente uma nova indicação de eltrombopag para pacientes comtrombocitopenia com hepatite C crônica para permitir o início e a manutenção daterapia à base de interferon. Em caso de doença refratária, o rituximabe deveser considerado.

Anemia hemolítica autoimune (AHA)relacionada ao VHC foi frequentemente observada em pacientes tratados com IFN-acom e sem ribavirina e pode ser um efeito colateral do tratamento antiviral. Umestudo epidemiológico confirmou alta incidência de anemia hemolítica autoimuneem pacientes com infecção pelo VHC submetidos a tratamento antiviral. A taxa deincidência de AHA em pacientes virgens de tratamento foi estatisticamenteinsignificante. Assim, temos pouca evidência para considerar AHA como umpossível efeito da infecção crônica pelo VHC.

 

Glomerulonefrite

 

Estudos de coorte mostram quepacientes infectados pelo VHC têm maior prevalência de doença renal crônica(DRC). As doenças como diabetes, hiperlipidemia e cirrose aumentam o risco de DRCem indivíduos infectados pelo VHC. Além disso, a presença do VHC é associada àdeterioração da função renal. Um grande estudo de coorte com mais de 100.000veteranos dos Estados Unidos infectados com VHC e mais 900.000 controles não VHCencontrou risco quase duas vezes maior de desenvolvimento de doença renal emestágio terminal em indivíduos infectados com VHC em comparação com controlesnão infectados pelo VHC. Todos os pacientes com DRC devem ser testados para apresença de infecção pelo VHC, e todos os pacientes VHC positivos devem seravaliados quanto à função renal. As manifestações podem ser crioglobulinêmicasou não crioglobulinêmicas, com GNMP e GN mesangioproliferativa. Menos comum é anefropatia membranosa.

O mecanismo patogênico da lesão renal empacientes infectados pelo VHC não é totalmente compreendido. Pode-se supor quea lesão glomerular seja causada principalmente por deposição de imunocomplexoscirculantes contendo anticorpos anti-VHC, antígenos VHC e fatores docomplemento. Formação e deposição de tais imunocomplexos ocorrem também naausência de CGs. Outros possíveis mecanismos de lesão glomerular abrangemformação de autoanticorpos glomerulares, comprometimento glomerular devido alesão hepática crônica ou superprodução de IgM.

A prevalência de GN em pacientes com VHCé estimada em 1,4% e é comparativamente alta devido à sua prevalência entredoadores de sangue. A GN induzida por VHC tem prognóstico relativamente bom.Cerca de 10 a 15% dos pacientes com síndrome nefrítica apresentam remissãoespontânea completa ou parcial. Proteinúria leve não exibe tendência àprogressão. Pacientes com GN relacionada ao VHC devem ser tratadosprincipalmente com agentes antivirais. O comprometimento renal foi observadocomo um efeito adverso evento associado ao uso de telaprevir e boceprevir.

 

Manifestações Endócrinas

 

Doença da tireoide é encontrada maiscomumente em pacientes com infecção pelo VHC em comparação com a população emgeral. Cerca de 13% dos infectados com VHC têm hipotireoidismo, e 5 a 25% têmanticorpos contra a tireoide positivos. Os pacientes com infecção pelo VHCpodem ter estimulação crônica do sistema imunológico, podendo causar tireoiditeautoimune. Existem evidências de que o IFN-a possa induzir doenças da tireoideou desmascarar tireoidopatias silenciosas (doença de Graves, tireoidite deHashimoto). Além disso, a presença de autoanticorpos tireoidianos aumenta orisco de desenvolver tireoidite clínica durante a terapia com interferon.

A associação entre infecção crônicapor VHC e desenvolvimento de resistência à insulina e diabetes melito também foidescrita. Uma metanálise mostrou risco maior para o desenvolvimento de diabetesmelito tipo II em pacientes com infecção crônica pelo VHC. O mecanismofisiopatológico da resistência à insulina induzida pelo VHC ainda não étotalmente compreendido, mas pode-se correlacionar com certos genótipos de VHC.Resistência à insulina, por sua vez, representa um fator de risco independentepara a progressão da fibrose hepática em pacientes com infecção crônica pelo VHC.

Existem evidências de que a maioriados pacientes infectados com VHC também sofre de deficiência de vitamina D. Porcausa de seus efeitos anti-inflamatórios e antifibróticos, a suplementação devitamina D poderia proteger contra a progressão de doença hepática. Pacientesinfectados pelo VHC apresentam maior risco de desenvolver osteoporose efraturas ósseas. A infecção crônica por VHC leva a redução na densidade ósseadevido a desequilíbrio na homeostase do cálcio e da vitamina D e diminuição dasíntese de fator de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1).

Foi descrito, ainda, em pacientes cominfecção pelo VHC, o aparecimento de deficiência de hormônio do crescimento(GH) e baixos níveis de IGF-1. A secreção reduzida de GH pode ser o resultadode um efeito inibitório direto da infecção por VHC na hipófise ou no hipotálamo.

 

Manifestações Cardiovasculares

 

Há evidências crescentes de que ainfecção crônica pelo VHC aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Muitosfatores diretos e indiretos contribuem para o desenvolvimento da aterosclerosee de doenças cardiovasculares, como resistência à insulina, estresse oxidativo,lipopolissacarídeos e citocinas pró-inflamatórias. Um aumento de quase 1,65 vezna mortalidade relacionada a doenças cardiovasculares na infecção crônica peloVHC foi visto em uma metanálise. Mecanismos patogênicos potenciais incluemfatores metabólicos, como resistência à insulina com hiperglicemia, disfunçãoendotelial e inflamação levando a danos aos vasos e instabilidade das placas,mas também outros processos sistêmicos associados com o estado inflamatóriocrônico com desenvolvimento de aterosclerose. A infecção crônica pelo VHC foi observadaem associação com outras patologias cardíacas, como miocardite crônica,miocardiopatia dilatada e miocardiopatia hipertrófica.

 

Sistema Nervoso Central

 

Numerosas manifestações do SNC foramdescritas em associação com infecção pelo VHC com ou sem crioglobulinemia. Podeocorrer vasculite não crioglobulinêmica, que pode ser um fator contribuintepara a alta prevalência de AVC isquêmico e hemorrágico em pacientes jovensinfectados pelo VHC. Mielopatias transversais levando a paraparesias simétricase deficiência sensorial foram observadas.

Cerca de 35% dos pacientes cominfecção crônica pelo VHC apresentam manifestações como fadiga, prejuízocognitivo subclínico e alentecimento psicomotor. Os sintomas de depressão sãoevidentes em 2 a 30% dos pacientes com infecção pelo VHC. Estudos deespectroscopia de ressonância magnética funcional sugerem alterações deneurotransmissão em pacientes infectados pelo VHC. Embora a etiologia dadisfunção cognitiva em pacientes infectados pelo VHC não seja completamenteentendida, acredita-se que o vírus tenha um efeito direto neurotóxico no SNC.Melhoras significativas da saúde mental e de manifestações do SNC são descritascom tratamento antiviral em regimes sem interferon.

 

Manifestações Dermatológicas

 

Uma infinidade de distúrbios cutâneos éassociada com infecção crônica pelo VHC. Existe forte correlação entre a formaesporádica de porfiria cutânea tardia (PCT) e infecção pelo VHC.

A PCT é uma doença causada peladeficiência da descarboxilase hepática do uroporfirogênio e causa lesõesbolhosas, por vezes hemorrágicas, e eritema associado a fotossensibilidade. Aprevalência de PCT em pacientes com infecção pelo VHC está acima de 50% empaíses como a Itália, mas é muito menor em outras populações. A terapia comPEG-IFN e ribavirina pode exacerbar as manifestações cutâneas em pacientes comPCT, mas o tratamento antiviral é indicado, e estudos apontam que ele melhoraas lesões da PCT.

O líquen plano é caracterizado porlesões planas, violáceas, pruriginosas com distribuição generalizada, e estudosindicam associação da infecção pelo VHC e líquen plano em algumas regiões comono Japão e no sul da Europa, mas não em outras regiões geográficas.

 

Neoplasias Malignas

 

Dados recentes de uma grande coorte depacientes infectados pelo VHC mostraram maior incidência e mortalidade paravários tipos de cânceres não hepáticos em pacientes infectados pelo VHC emcomparação com a população em geral, como neoplasias de pâncreas, pulmão, rim ereto, embora outros fatores de confusão tenham aparecido nesses estudos, comomaior incidência de tabagismo na coorte de infectados pelo VHC. Dados de umestudo populacional francês mostraram apenas aumento de malignidadeshematológicas e câncer de cavidade oral. Em pacientes com cirrose, ocorre maiorincidência de neoplasias não hepáticas.

 

Outras Manifestações

 

A fibrose pulmonar idiopática (FPI)pode ser uma manifestação extra-hepática potencial, pois a prevalência do anti-VHCnesse grupo de pacientes é alta. Curiosamente, o lavado broncoalveolar de pacientescom VHC virgens de tratamento mostrou achados consistentes com alveolitecrônica. Várias anormalidades oculares, como a síndrome sicca devida à reduçãoda lacrimação, bem como ulceração periférica da córnea, chamada de úlcera deMooren, foram relatadas em associação com infecção pelo VHC, embora apatogênese de tais anormalidades não seja completamente compreendida.

 

Bibliografia

 

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