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Hemorragia Pós-Parto

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 30/05/2022

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Ahemorragia pós-parto (HPP) é a complicação mais comum do trabalho de parto. É definidacomo sangramento excessivo nas primeiras 24 horas após o nascimento erepresenta uma das cinco maiores causas de mortalidade materna. A hemorragiaque ocorre após 24 horas do parto até 6 a 12 semanas é chamada de HPP tardia enão será discutida nesta revisão.

Em umasituação emergencial, o diagnóstico geralmente ocorre por meio da estimativa deperda de volume sanguíneo e das respostas hemodinâmicas, como hipotensão,taquicardia e oligúria. A HPP de mais de 500 mL após o parto vaginal afeta de 5a 10% de todos os partos e corresponde a até 25% das mortes obstétricas. Asdiretrizes do American College of Obstetricians and Gynecologists definem HPP comoa perda cumulativa de 1.000 mL de sangue ou sangramento com sinais dehipovolemia nas primeiras 24 horas do parto. Essa definição diminuiu o númerode diagnósticos errôneos de HPP, mas a mesma diretriz considera que sangramentoapós parto vaginal maior que 500 mL não deve ser considerado normal. Outrasdefinições de HPP incluem perda de sangue superior a 500 mL após o partovaginal ou superior a 1.000 mL após a cesariana. A HPP é considerada gravequando a perda de sangue for maior que 2.500 mL.

Asconsequências da HPP estão relacionadas ao grau de perda de sangue e às medidasde ressuscitação. O útero em plena gestação recebe 600 mL de sangue por minuto,colocando a mulher em risco de perdas massivas de sangue em curto espaço detempo. Durante a HPP, ocorre contração importante do miométrio, o que comprime osvasos sanguíneos no leito placentário e provoca hemostasia mecânica. Fatoreshemostáticos como o fator tecidual e o inibidor do plasminogênio ativado sãoliberados localmente, ajudando a hemostasia.

Gestantes apresentamalgumas vantagens quando em comparação com outros cenários clínicos, relacionadasà idade materna e à adaptação materna da gestação, o que inclui expansãovolêmica. A idade materna média no parto é de 24 anos, e este ocorre em ummomento da vida em que as mulheres estão no auge de sua condição fisiológica. Mulheresnessa idade são tipicamente saudáveis ??e não têm comorbidades significativas.

Diferentementede outras populações de pacientes, mulheres gestantes não apresentam grandesproblemas com hemorragias moderadas e geralmente se recuperam sem sequelas. Maisimportante do que isso, a adaptação do volume sanguíneo na gestação confere umavantagem contra a perda excessiva de sangue que é única. Essa expansão devolume começa no final do primeiro trimestre e resulta em aumento de 50% no volumesanguíneo, o que leva a aumento de 1.000 a 1.500 mL de sangue circulante nomomento do parto. Considerando que a perda média de sangue no parto vaginal éde 500 mL e que na cesariana é de 1.000 mL, a maioria das mulheres tem ampla reservapara perda de sangue de rotina.

 

Etiologia

 

A causamais comum de HPP é a atonia uterina, que representa de 70 a 80% dos casos. Odiagnóstico de atonia uterina é realizado quando se verifica que o útero não setorna firme após o terceiro estágio do parto. Distúrbios placentários, comoplacenta prévia, podem levar a atonia uterina, assim como produtos conceptivos.Uma HPP prévia e trabalho de parto prolongado são fatores de risco importantespara a ocorrência de HPP. O trauma é uma causa significativa de HPP e pode serassociado com ruptura uterina ou incisões cirúrgicas e representa de 15 a 20%dos episódios de HPP. Retenção de tecidos como gases, membranas por causa deHPP em até 10% dos casos. Anormalidades da coagulação representam cerca de 1%das HPP. Alguns autores dividem as causas de atonias uterinas nos chamados ?quatroTs?, que seriam:

 

1- Alteraçõesdo tônus uterino

- Atoniauterina

2- Trauma

- Laceraçãode colo do útero, vagina e períneo

- Rupturaou inversão uterina

- Traumanão genital (por exemplo, lesão hepática subcapsular)

3- Produtosteciduais

- Produtosretidos, placentários (gases, membranas ou coágulos, placenta anormal)

4- Alteraçõesda coagulação (T de trombina)

Anormalidadesde coagulação ou plaquetárias, como doença de Von Willebrand, coagulaçãointravascular disseminada (CIVD), entre outras.

 

Fatores de risco para HPP incluem:

 

- Idadematerna aumentada (> 35 anos)

- Etniaasiática

- Obesidade? índice de massa corporal (IMC) > 35 kg/m2

- Grandemultiparidade

- Anormalidadesuterinas existentes (por exemplo, anomalias anatômicas, miomas)

- Doençasmaternas: doença de Von Willebrand, plaquetopenia autoimune, trombocitopeniacausada por pré-eclâmpsia/hipertensão gestacional, CIVD

- Históriade HPP anterior ou tecido de placenta retida

- Anemiainferior a 9 g/dL no início do trabalho de parto

- Macrossomia? maior que 4 kg

- Mortefetal intrauterina

- Trabalhode parto prolongado

- Emboliade líquido amniótico

- CIVD trombina

- Traumado trato genital (por exemplo, episiotomia, útero rompido)

- Hipotoniainduzida por drogas (por exemplo, anestésico, sulfato de magnésio)

- Distensãoda bexiga evitando a contração uterina.

 

Achados Clínicos

 

Os achadosclínicos são relacionados à presença de hemorragia e às suas consequências,como hipovolemia. É importante lembrar que a perda de sangue é frequentementesubestimada, e a HPP pode ser detectada primeiro por alterações hemodinâmicas.Uma vez que o paciente mostra sinais de comprometimento hemodinâmico, pode tersido perdido mais de 1.500 mL de sangue. O papel da hipotensão permissiva nagestante é incerto, porque há preocupação de que isso possa comprometer obem-estar fetal e a contratilidade uterina no período pós-parto.

Podemosestimar e estagiar a perda sanguínea na HPP da seguinte forma:

- Estádio 0:todas as gestantes após parto.

- Estádio1: perda de sangue suficiente para definir HPP, ou frequência cardíaca > 110bpm, ou pressão arterial <= 85/45 mmHg, ou saturação de oxigênio < 95%.

- Estádio3: perda sanguínea > 1.500 mL, ou necessidade de transfusão maior que duas unidadesde concentrado de hemácias, ou instabilidade hemodinâmica, ou CIVD.

 

Podemosainda consultar a classificação de hemorragia utilizada para trauma, sumarizadana Tabela 1.

 

Tabela 1:Classificação e reposição volêmica em choque hipovolêmico

 

 

Grau I

Grau II

Grau III

Grau IV

Perda de sangue

< 750 mL

750-1.000 mL

1.500-2.000 mL

> 2.000 mL

% volemia

< 15%

15-30%

30-40%

> 40%

Frequência cardíaca

< 100 bpm

100-120 bpm

120-140 bpm

> 140 bpm

Diurese

> 30 mL/h

20-30 mL/h

5-15 mL/h

< 5 mL/h

SNC

Ansiedade leve

Ansiedade moderada

Confusão

Confusão ou letargia

Ressuscitação volêmica

Cristaloides

Cristaloides

Cristaloides e sangue

Cristaloides e sangue

 

 

Manejo

 

Aprevenção é essencial, tentando-se identificar os pacientes de risco. O uso demedicações que aumentam o tônus uterino, como a ocitocina, junto com o manejoativo do terceiro estágio do parto, é importante. Essas medidas reduzem aincidência de HPP em 30 a 40%. O uso de misoprostol associado a ocitocina nomomento do parto também pode diminuir a incidência de atonia uterina. A respostainicial à HPP requer uma abordagem multidisciplinar da equipe para restaurar oestado hemodinâmico enquanto simultaneamente tenta-se identificar e tratar acausa específica do sangramento.

Osangramento geralmente começa no momento da separação da placenta. Embora possaser rápido e óbvio, às vezes é mais sutil e pode ser constante e implacável.Diante da perda de outros fluidos que ocorre com o parto, incluindo líquido amnióticoe urina, a quantidade de perda de sangue é frequentemente subestimada. Éimportante levar em consideração os volumes de perda de sangue em lençóis ecurativos encharcados de sangue. O sangramento constante visto inicialmentepode parecer moderado, mas pode persistir até que a hipovolemia ocorra. Paracomplicar ainda mais, a frequência cardíaca e a pressão arterial não mudamsignificativamente até que grandes quantidades de sangue tenham sido perdidas.Uma vez que a HPP for identificada, as medidas de ressuscitação devem ser realizadasrapidamente, incluindo obtenção de acesso intravenoso com dois grandes calibrespara infusão rápida de cristaloides e sangue, colocação de um cateter vesicalpara monitorar a produção de urina e um esforço feito para identificar a causa(ou seja, atonia uterina, laceração genital ou outros diagnósticos). Equipescirúrgicas e de anestesia devem ser mobilizadas conforme necessidade eapropriadamente treinadas para essas situações.

O sanguedeve ser coletado para mensurar hematócrito, eletrólitos, função renal ehepática, teste de coagulação, níveis de fibrinogênio e provas sanguíneascruzadas. A infusão de solução cristaloide intravenosa em até 1 a 2 L pode ser usadainicialmente e será eficaz em casos leves de hemorragia. Coloides também podemser usados, mas não têm nenhuma vantagem demonstrável sobre os cristaloides. Sea hemorragia for muito rápida ou significativa, o comprometimento hemodinâmicodeve levar em consideração o uso precoce de sangue, em vez de doses repetidasde cristaloide. Caso a paciente esteja sangrando ou apresente instabilidadehemodinâmica após administração de 2L de cristaloide intravenoso, deve-seadministrar concentrado de hemácias. Unidades de sangue O negativo podem ser necessáriasinicialmente, seguidas por sangue específico do grupo apropriado da paciente. Ouso de plasma fresco congelado (PFC), plaquetas e crioprecipitado pode serindicado em HPP grave, com início do departamento de protocolo de transfusãomassiva (PTM). O objetivo do PTM é acionar uma resposta multidisciplinar aosangramento grave. O suporte para transfusão deve ocorrer simultaneamente a medidaspara conter o sangramento. A hemorragia obstétrica é frequentemente subestimadae pode ser ocultada por atrasos no reconhecimento, o que agrava a hemorragia, bemcomo a morbidade materna e a mortalidade. Coagulopatia profunda e CIVD podem sedesenvolver rápida e precocemente. Atualmente não há evidência ou consenso paraorientar a proporção ideal da substituição de hemocomponentes na hemorragiaobstétrica. A prática usual é usar proporções semelhantes às do trauma. Algunsautores preconizam o uso de um protocolo de transfusão massiva em situações emque ocorre(m):

 

-sangramento ativo e uso de quatro unidades de concentrado de hemácias

dentro de4 horas mais instabilidade hemodinâmica;

- perda desangue estimada superior a 2,5 L;

- sinais clínicosou laboratoriais de coagulopatia.

 

Oprotocolo de hemorragia maciça incorpora a administração precoce de ácidotranexâmico intravenoso (1 g IV por 10 minutos), múltiplas unidades deconcentrados de hemácias e o uso de outros produtos sanguíneos. O PFC éadministrado para corrigir a coagulopatia (alvo de INR < 1,5); plaquetaspara manter a contagem de plaquetas acima de 50.000 céls./mm3; efibrinogênio ou crioprecipitados para manter o fibrinogênio sérico acima de 2,5g/L.

O ácidotranexâmico pode ser benéfico na redução do risco de morte devido a HPP. O fatorVII ativado recombinante também pode ser usado, embora geralmente apósdiscussão com hematologista. Antes de massagear o fundo do útero, deve-secertificar de que a placenta foi liberada e está completa. Uma placentaaderente ou incompleta no contexto de HPP pode exigir transferência para a salacirúrgica para remoção do útero. Se a placenta for liberada, deve-se verificar sea ocitocina foi usada e massagear o fundo do útero para promover a contração. Deve-seexpulsar qualquer coágulo de sangue do útero e certificar-se de que a bexiga estejavazia.

A inspeçãocuidadosa da vagina, do colo do útero e do períneo deve ser feita para confirmarou excluir o trauma genital como causa de sangramento contínuo. Deve-se pinçar vasosarteriais óbvios e reparar lacerações. Transferência para uma sala cirúrgica podeser necessária para permitir inspeção completa da vagina, do colo do útero e doútero e realizar os reparos necessários. Deve-se suspeitar de ruptura uterinaem uma paciente com forte dor abdominal.

No exame,o útero é palpável como uma massa macia. O tratamento da atonia uterina geralmenteé clínico e consiste na administração de derivados de oxitocina e/ouprostaglandina. Realiza-se a compressão bimanual, uma técnica relativamentefácil que controla a maioria das hemorragias uterinas. Nessa técnica, o aspectoposterior do fundo uterino é massageado através do abdome enquanto a paredeanterior do útero é massageada através da vagina com a outra mão. Isso deve serfeito enquanto o tratamento médico é realizado. Pode-se usar cinco unidades deocitocina IV ao longo de 1 a 2 minutos seguidas por uma infusão de 5 a 10 IU/h (30unidades de ocitocina em 500 mL de solução salina 0,9% a 83-167 mL/h). Outrosmedicamentos usados ??para a atonia uterina incluem misoprostol 800 a 1.000 µge/ou ergometrina 250 µg por via intravenosa ou via intramuscular. Efeitoscolaterais incluem náuseas, vômitos, diarreia, febre, hipertensão e broncoconstrição.Seu uso é contraindicado a mulheres com asma e hipertensão.

Apersistência de atonia uterina necessita de imediata transferência para serviçode emergência para identificar e remover os produtos retidos, enquanto também seemprega a compressão uterina bimanual como uma medida temporal.

Ascoagulopatias devem ser consideradas e devem ser procuradas especificamente comtestes e manejadas conforme as recomendações de literatura. Todas as mulherescom HPP grave devem ser avaliadas para a presença de CIVD, que pode ocorrercomo consequência de descolamento da placenta, eclâmpsia, embolia de líquidoamniótico, infecções pós-parto e diluição de fatores de coagulação causados??por ressuscitação volêmica agressiva.

Outrascausas cirúrgicas devem ser descartadas após o manejo de todas as causasreversíveis que requerem cirurgia urgente com possível laparotomia. As causasincluem ruptura uterina ou inversão e atonia persistente ou ruptura subcapsularhepática ou embolia do líquido amniótico. Procedimentos cirúrgicos parasangramento intratável incluem suturas no útero, ligadura bilateral da artériauterina, embolização angiográfica de sangramento dos vasos e histerectomia.

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