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Estimulação biventricular na bradicardia

Estimulação biventricular na bradicardia – Devemos indicar ressincronização de rotina?

 

Estimulação Biventricular em Pacientes com Bradicardia e Fração de Ejeção Normal1 [Link para Abstract].

 

Fator de impacto da revista (New england journal of medicine): 50,017

 

Contexto Clínico

            O efeito deletério da estimulação artificial no ventrículo direito (VD) na função sistólica de ventrículo esquerdo (VE) é conhecido desde a década de 20. Estudos mais antigos reportaram que tal modo de estimulação poderia predispor a efeitos adversos importantes. Entretanto, a estimulação ventricular isolada em VD continua a ser prática comum devido ao seu fácil implante e relativa estabilidade ao longo do tempo.

            Dados pré-clínicos sugerem que o estímulo biventricular parece preservar mais adequadamente o desempenho ventricular em pacientes com distúrbio da condução átrio-ventricular e função sistólica normal.

           

O Estudo

            O PACE Trial (Pacing to Avoid Cardiac Enlangement) é um estudo prospectivo, duplo-cego, randomizado e multicêntrico. Testa a hipótese de que o estímulo átrio-biventricular é superior ao estímulo VD isolado na preservação da função sistólica de VE, evitando o remodelamento adverso em pacientes com função sistólica normal (FEVE > 45%).

            Os critérios de exclusão foram fibrilação atrial, angina instável ou síndrome coronariana aguda, angioplastia ou cirurgia de revascularização miocárdica nos últimos 3 meses, expectativa de vida menor que 6 meses, transplantados cardíacos ou gestantes.

Após implante de marcapasso biventricular os pacientes foram randomizados para receber estímulo biventricular (BiV) (n=89) ou estímulo ventricular direito isolado (VD) (n=88).

Todos os aparelhos foram ajustados em DDDR, com freqüência cardíaca de 60-140bpm. Intervalos AV também foram ajustados com objetivo de homogeneizar o grupo.

A avaliação dos modos de estímulo ocorreu por ecocardiograma, teste de caminhada de 6 minutos, qualidade de vida pelo questionário SF-36 e eletrocardiograma. O estudo foi patrocinado pela Medtronic®

Os desfechos primários foram fração de ejeção do VE (medida de função sistólica) e volume sistólico final do VE (medida de remodelamento ventricular) após 12 meses, através do uso de ecocardiografia 3D.

            Os desfechos secundários foram distância no teste da caminhada de 6 minutos, qualidade de vida e hospitalização por insuficiência cardíaca.

 

Resultados

      As características basais foram semelhantes entre os grupos. Não houve crossover entre os grupos. Foram randomizados 177 pacientes (89 com estímulo biventricular e 88 com estímulo em ápice de ventrículo direito). Após 12 meses a FE média foi significativamente menor no grupo VD (54,8%) do que no grupo BiV (62,2%) (diferença absoluta de 7,4%; p<0,001), conforme se observa abaixo.

      Desfechos primários:

 

  • Fração de Ejeção:
  • ü  Grupo VD: 61,5±6,6 ? 54,8±9,1%

    ü  Grupo BiV 61,9±6,7?62,2±7,0 % (diferença absoluta de 7,4%; p<0,001). Além disso, 9% do grupo VD evoluiu com fração de ejeção menor que 45%, enquanto que isto ocorreu em apenas 1% do grupo BiV (p=0,02).

  • Volume sistólico final do VE em ml:
  • ü  Grupo VD: 28,6±10,7 ? 35,7±16,3ml

    ü  Grupo BiV: 28,6±9,4 ? 27,6±10,4ml (p<0,001). Houve uma piora de 25% no grupo de estimulação AV.

               

    Quanto aos desfechos secundários não se observou nenhuma diferença estatisticamente significativa:

  • Caminhada de 6 minutos, em metros:
  • ü  Grupo VD: 335±98 ? 374±112m

    ü  Grupo BiV: 345±105 ? 380±110m (p=0,81)

  • Qualidade de vida (SF-36)
  • ü  Grupo VD: 65±30 ? 71±23 pontos

    ü  Grupo BiV: 68±25 ? 70±28 pontos (p=0,75)

    ü  Grupo VD: 335±98 ? 374±112m

    ü  Grupo BiV: 345±105 ? 380±110m (p=0,81)

  • Internação por Insuficiência Cardíaca
  • ü  Grupo VD: 6 pacientes (7%)

    ü  Grupo BiV: 5 pacientes (6%) (p=0,74)

     

                Cerca de 8% dos marcapassos em estimulação átrio-biventricular apresentaram estimulação diafragmática.

                O efeito deletério da estimulação de VD isolada ocorreu tanto em pacientes com disfunção diastólica como em pacientes sem disfunção diastólica prévia.

                           

    Aplicações para a Prática Clínica

                O estudo, inequivocamente, demonstra que a estimulação isolada do ápice de ventrículo direito é substancialmente pior que a biventricular, no que tange à manutenção de fração de ejeção de VE e volume sistólico final, em pacientes com função ventricular sistólica prévia normal e indicação de marcapasso. Assim sendo, o estudo sugere que a estratégia biventricular deve ser preferida, já que o remodelamento cardíaco pode ser prevenido pela estimulação biventricular.

                Devemos indicar rotineiramente a ressincronização nestes pacientes? Não. O estudo apresenta evidentes limitações. O tamanho da amostra foi pequeno e o estudo não foi desenhado para detectar diferenças relacionadas a desfechos clínicos. Além disso, interesses econômicos são explícitos, o que aumentaria custos principalmente em sistemas de saúde públicos, como o brasileiro. As complicações associadas ao implante do marcapasso biventricular também devem ser consideradas. Novos estudos randomizados, com seguimentos maiores, amostras mais relevantes e avaliação de desfechos clínicos devem ser conduzidos antes da indicação de rotina, além de análises de custo-efetividade.

     

    Bibliografia

    1. Yu C-M, Chan JY-S, Zhang Q, et al. Biventricular pacing in patients with bradycardia and normal ejection fraction. N Engl J Med 2009; 361(22):2123-34.