Profilaxia de Úlcera de Estresse no Novo Milênio [Link para Abstract]1
Hemorragia digestiva secundária a úlceras gástricas superficiais é uma complicação descrita em pacientes de UTI conhecida como úlcera de estresse. Coagulopatia e ventilação mecânica são seus fatores de risco principais e o uso de antiácidos reduz a sua ocorrência2. No entanto, todos esses dados vieram de estudos do final dos anos 1980 e começo da década de 90 quando as condições de tratamento dos pacientes eram outras. Estudos atuais têm mostrado que a incidência de úlcera de estresse é bastante baixa (1-2%)3 e a nutrição enteral parece ser um fator protetor da sua ocorrência4. No entanto, o uso de antiácidos é disseminado, sendo usado em muitos pacientes sem fatores de risco, obviamente, com efeitos colaterais, como a ocorrência de pneumonia hospitalar5. Assim, os autores deste estudo propuseram-se a revisar a literatura sobre prevenção farmacológica de úlcera de estresse e avaliar o papel que a nutrição enteral precoce tem na sua prevenção.
Foi realizada uma revisão ampla da literatura, sem restrição de língua, em busca de estudos clínicos randomizados que compararam antagonistas do receptor 2 da histamina (anti-H2 – ranitidina, cimetidina e famotidina) ou placebo na profilaxia de úlcera de estresse. O desfecho primário analisado foi a incidência de hemorragia digestiva clinicamente significante, de acordo com a definição de cada estudo. Os desfechos secundários foram a incidência de pneumonia hospitalar, definida em cada estudo, e a mortalidade hospitalar. Em especial, analisaram-se os estudos em que os pacientes receberam nutrição enteral.
Foram incluídos 17 estudos entre 1980 e 2004, com 1.836 pacientes. Em 3 deles, os pacientes receberam nutrição enteral (262 pacientes).
A profilaxia com anti-H2 reduziu a incidência de hemorragia digestiva (OR 0,47; IC 95% 0,29-0,76; p<0,002). No entanto, não houve este benefício nos pacientes que receberam nutrição enteral (OR 1,26; IC 95% 0,43-3,7; p=0,12). De forma geral, não houve aumento da incidência de pneumonia com o uso de anti-H2 (OR 1,53; IC 95% 0,89-2,61), mas quando se analisa apenas o grupo que recebeu nutrição enteral, há um aumento nesta incidência (OR 2,81; IC 1,20-6,56; p=0,02). A mortalidade também não foi diferente com o uso de anti-H2 (OR 1,03; IC 95% 0,78-1,37), mas foi maior quando se usou anti-H2 no grupo que recebeu nutrição enteral (OR 1,89; IC 95% 1,04-3,44; p=0,04).
Os resultados desta meta-análise estão longe de serem definitivos, mas nos acende uma luz amarela. Alguns pontos devem ser considerados. Primeiro, a prática de cuidados intensivos e terapia nutricional mudou ao longo dos anos e, provavelmente, não poderemos mais nos guiar por dados de 20 anos atrás. A ênfase na adequada reanimação e no início precoce da dieta enteral devem ter contribuído para a redução da incidência de úlcera de estresse. Assim, os benefícios do uso do anti-H2 podem não ser mais reais nos dias de hoje. Segundo, o uso de antiácidos é disseminado na UTI e no hospital em geral, sem indicações baseadas
1. Marik PE, Vasu T, Hirani A, Pachinburavan M. Stress ulcer prophylaxis in the new millennium: a systematic review and meta-analysis. Crit Care Med. 2010 Nov; 38(11):2222-8.
2. Cook DJ, Fuller HD, Guyatt GH, Marshall JC, Leasa D, Hall R, et al. Risk factors for gastrointestinal bleeding in critically ill patients. Canadian Critical Care Trials Group. N Engl J Med. 1994 Feb 10; 330(6):377-81.
4. Cook D, Heyland D, Griffith L, Cook R, Marshall J, Pagliarello J. Risk factors for clinically important upper gastrointestinal bleeding in patients requiring mechanical ventilation. Canadian Critical Care Trials Group. Crit Care Med. 1999 Dec; 27(12):2812-7.
7. Lin PC, Chang CH, Hsu PI, Tseng PL, Huang YB. The efficacy and safety of proton pump inhibitors vs histamine-2 receptor antagonists for stress ulcer bleeding prophylaxis among critical care patients: a meta-analysis. Crit Care Med. 2010 Apr; 38(4):1197-205.