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Vacina contra influenza com adjuvante em crianças pequenas

Área de atuação: Medicina de Emergência e Medicina Ambulatorial

 

Especialidade: Pediatria, Emergências, Infectologia, Medicina da Família e Comunidade

 

Resumo

Estudo fase 3 que avaliou segurança, eficácia e imunogenicidade da vacina inativada contra influenza com adjuvante em crianças de 6 a 72 meses.

 

Contexto clínico

As crianças têm as maiores taxas de infecção e doença por influenza sazonal, sendo as principais disseminadoras do vírus na comunidade. Vários países já recomendam a vacinação contra influenza de rotina para proteger as crianças, e indiretamente a população geral. Existem duas vacinas disponíveis contra influenza: a vacina inativada contra influenza (TIV) e a vacina de vírus vivo atenuado contra influenza (LAIV). A TIV está disponível em praticamente todos os países, é injetável e apresenta baixa imunogenicidade em crianças pequenas, com eficácia de apenas 59% em crianças menores de 2 anos. A LAIV é disponível em poucos países, é de uso intranasal e apresenta uma eficácia de 69 a 95% em crianças de 2 a 7 anos. Não está aprovada para crianças menores de 2 anos.

O MF59 é uma emulsão de óleo-em-água que aumenta a resposta imune quando combinado com antígenos vacinais. É utilizado desde 1997 como adjuvante na vacina inativada contra influenza (ATIV), para vacinação sazonal, em adultos, em mais de 27 países. Estudos prévios mostraram que a ATIV apresenta melhor resposta imune quando comparada à TIV em crianças de 6 a 36 meses.

Este estudo relata a eficácia da TIV e da ATIV em crianças de 6 a 72 meses de idade,

 

O estudo

Estudo financiado, desenhado e conduzido pela indústria farmacêutica (Novartis Vaccines). A Novartis também conduziu a análise dos dados e o manuscrito foi escrito pelo primeiro autor com auxílio de um dos autores da indústria.

Trata-se de um estudo fase III (vide Glossário) que avaliou o efeito do adjuvante MF59 na eficácia da TIV em 4.707 crianças saudáveis, de 6 a 72 meses de idade, que nunca haviam recebido vacina contra influenza, durante duas estações de influenza: 2007–2008 na Alemanha (654 crianças) e 2008–2009 na Alemanha (2.104 crianças) e na Finlândia (1.949 crianças). As crianças foram estratificadas de acordo com a idade (6 a 36 meses e 36 a 72 meses) e randomizadas em 3 grupos: 1.941 crianças receberam ATIV, 1.773 receberam TIV e 993 receberam vacinas de controle (não influenza).

Os pais das crianças participantes receberam um diário para anotar os eventos adversos solicitados durante 7 dias após a vacina e as crianças foram seguidas por 6 meses no primeiro ano do estudo e por 12 meses no segundo ano, para avaliação de eventos adversos. Durante duas estações consecutivas de influenza, iniciando 3 semanas após a administração da segunda dose, se a criança ficasse doente, solicitava-se aos pais que a levassem ao hospital dentro de 7 dias do início do quadro para coleta de swab ou aspirado de nasofaringe, para pesquisa de influenza (por técnica de PCR) e identificação da cepa.

No segundo ano do estudo, no centro da Finlândia (793 crianças), obteve-se uma amostra de sangue pré-vacinação e três amostras pós-vacinação (dias 29, 51 e 181), para avaliação de anticorpos. Soroproteção foi definida com título de anticorpos > 40.

Na estação 2007–2008, as vacinas contra influenza utilizadas apresentavam a seguinte composição (vide Glossário): A/Solomon Islands/3/2006 (H1N1), A/Wisconsin/67/2005 (H3N2), e B/Malaysia/2506/2004. Na estação 2008–2009: A/Brisbane/59/2007 (H1N1), A/Brisbane/10/2007 (H3N2) e B/Florida/4/2006. As vacinas de controle utilizadas foram: vacina conjugada contra meningococo C para crianças de 6 a 12 meses e vacina contra encefalite transmitida por carrapato para crianças de 12 a 72 meses.

Ocorreram 47 casos de influenza no grupo controle, sendo 4 no primeiro ano do estudo (taxa de ataque de 2,4%) e 43 no segundo ano (taxa de ataque de 5,2%). A eficácia da vacina foi calculada apenas para o segundo ano do estudo, sendo de 86% (IC 95% 73% a 92%) para ATIV, comparada com 40% (IC 95% 11% a 60%) para TIV, com uma eficácia relativa de 76% (IC 95% 55% a 87%).

A Tabela 1 mostra a eficácia das vacinas de acordo com a idade e com as cepas de influenza.

 

Tabela 1. Vacinas de acordo com a idade e com as cepas de influenza.

Idade

Eficácia contra todas as cepas

Eficácia relativa (IC 95%)

6 a 72 meses

ATIV vs. controle

86% (74 a 93)

TIV vs. controle

43% (15 a 61)

ATIV vs. TIV

75% (55 a 87)

6 a 24 meses

ATIV vs. controle

77% (5 a 90)

TIV vs. controle

11% (-89 a 58)

ATIV vs. TIV

64% (23 a 93)

36 a 72 meses

ATIV vs. controle

92% (77 a 97)

TIV vs. controle

45% (6 a 68)

ATIV vs. TIV

86% (59 a 95)

 

Eficácia contra as cepas da vacina

 

6 a 72 meses

ATIV vs. controle

89% (78 a 95)

TIV vs. controle

45% (16 a 64)

ATIV vs. TIV

80% (59 a 90)

6 a 24 meses

ATIV vs. controle

75% (20 a 92)

TIV vs. controle

2% (-129 a 58)

ATIV vs. TIV

75% (25 a 91)

36 a 72 meses

ATIV vs. controle

96% (81 a 99)

TIV vs. controle

48% (8 a 71)

ATIV vs. TIV

91% (63 a 98)

 

Os títulos de anticorpos foram maiores com ATIV, mantendo-se assim até o dia 181. As taxas de eventos adversos sistêmicos e locais foram semelhantes (RR: 1,04; IC 95% 0,98 a 1,09) para TIV e ATIV em crianças de 6 a 36 meses. Os eventos sistêmicos foram mais frequentes após administração de ATIV (63%), comparado com TIV (44%) e com a vacina controle (50%), em crianças de 36 a 72 meses. Os eventos adversos graves foram semelhantes nos três grupos.

 

Aplicações para a prática clínica

Atualmente sabe-se que as crianças menores de 2 anos de idade apresentam morbidade semelhante à observada nos grupos de risco para infecção grave por influenza, caracterizada por elevada taxa de hospitalização, aumento do número de consultas médicas e complicações por infecção secundária, além de serem grandes disseminadores da infecção. Neste grupo etário, a imunogenicidade da vacina inativada é baixa e isto pode ser claramente evidenciado neste estudo. O estudo mostrou que o uso do adjuvante MF59 é seguro e melhora a imunogenicidade da vacina contra influenza em crianças de 6 a 72 meses, principalmente na faixa etária de 6 a 24 meses. Outros estudos2,3 encontraram resultados semelhantes, porém com número menor de pacientes. Desta forma, o uso de ATIV mostra-se promissor para crianças pequenas.

Apesar do estudo não comentar sobre o MF59, é fundamental destacarmos que ele contém escaleno, um composto natural encontrado em plantas, animais e humanos, comercialmente extraído de óleo de peixe. Apesar de existirem vários mitos sobre o perigo do escaleno, muitos estudos demonstraram sua segurança.

Por último, vale lembrar o papel da indústria produtora de vacinas no financiamento, desenho, condução e análise dos dados deste estudo. Antes de qualquer decisão de incluir a vacina com o adjuvante no calendário vacinal do país, uma análise de custo-efetividade realizada por entidades ou autores sem vínculos com a indústria farmacêutica é absolutamente necessária.

 

Glossário

Estudos fase I: são ensaios de farmacologia, realizados em voluntários, em que se avaliam mais a segurança do que a eficácia propriamente dita, além de investigar doses e modo de administração. A randomização pode ou não estar presente4.

Estudos fase II: são ensaios clínicos com pequeno número de participantes para investigação do efeito e segurança do tratamento. Em geral, são estudos que avaliam desfechos substitutos e podem não envolver um grupo controle. São estudos-piloto e a randomização também pode ou não estar presente4.

Estudos fase III: são os ensaios clínicos propriamente ditos. São desenhados para testar a eficácia de uma intervenção. São estudos de larga escala e devem preferencialmente utilizar desfechos clínicos, grupo controle, cegamento e randomização4.

Estudos fase IV: são estudos de vigilância pós-comercialização4.

Composição da vacina contra influenza: as vacinas contra influenza são reformuladas anualmente, com base nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Elas contêm 3 cepas de vírus, sendo uma influenza A H3N2, uma influenza A H1N1 e uma influenza B. Ao final do mês de fevereiro de cada ano, um grupo de especialistas da OMS reúne-se para avaliar os dados epidemiológicos coletados no ano anterior e recomendar as cepas de vírus influenza que terão maior chance de causar epidemias no ano subsequente, e que deverão compor a vacina a ser utilizada no inverno daquele ano, em países do hemisfério norte. O mesmo procedimento é realizado no final de setembro, em Melbourne, Austrália, para definir a composição da vacina para o hemisfério Sul.

 

Bibliografia

1.  Vesikari T, Knuf M, Wutzler P, Karvonen A, Kieninger-Baum D, Schmitt HJ et al. Oil-in-water emulsion adjuvant with influenza vaccine in young children. N Engl J Med 2011; 365(15):1406-16 [Link para o Resumo] (Fator de impacto: 50.017).

2.  Vesikari T, Groth N, Karvonen A, Borkowski A, Pellegrini M. MF59-adjuvanted influenza vaccine (FLUAD) in children: safety and immunogenicity following a second year seasonal vaccination. Vaccine 2009 Oct 23; 27(45):6291-5.

3.  Vesikari T, Pellegrini M, Karvonen A, Groth N, Borkowski A, O’Hagan DT et al. Enhanced immunogenicity of seasonal influenza vaccines in young children using MF59 adjuvant. Pediatr Infect Dis J 2009 Jul; 28(7):563-71.

4.  Olmos RD, Martins HS. Ensaios clínicos – Princípios teóricos. In: Benseñor IM, Lotufo PA. Epidemiologia. Abordagem prática. 2. ed. São Paulo: Sarvier, 2011.