Paciente de 26 anos de idade, sexo feminino, puerpério recente (parto há 3 semanas, do primeiro filho), evoluindo há cerca de 7 dias com aumento de volume cervical, nega febre neste período; há 1 dia evoluindo com palpitações e tremores de extremidades.
Pressão arterial: 140 x 90 mmHg.
Frequência cardíaca: 110 bpm.
BEG, corada, hidratada, anictérica, acianótica.
Região cervical: tireoide de tamanho aumentado, indolor à palpação.
Aparelho respiratório: MV +, sem RA.
Aparelho cardiovascular: 2BRNF, sopro sistólico +/6+.
Trato gastrintestinal: abdome plano, flácido, RHA+, sem visceromegalias e massas palpáveis.
MMII: pulsos +, sem edema.
Paciente jovem do sexo feminino, em puerpério recente, com quadro de aumento cervical sugestivo de tireoide aumentada, evoluiu posteriormente com palpitações taquicárdicas e queixa de tremores em extremidades. Tais achados são sugestivos de processo em região cervical que direcionam ao diagnóstico de tireoidite linfocítica indolor, que pode ser diferenciada da tireoidite subaguda pela ausência de dor e febre.
As tireoidites abrangem um grupo heterogêneo de distúrbios inflamatórios da glândula tireoide, incluindo desde condições agudas (com dor em região de tireoide como a tireoidite aguda e subaguda) até condições em que nenhuma inflamação clínica é percebida.
As tireoidites podem ser subdividas conforme mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Classificação das tireoidites conforme sua etiologia
Infecciosas |
tireoidite aguda (supurativa ou séptica) |
tireoidite subaguda (granulomatosa, de células gigantes ou de De Quervain) | |
Autoimunes |
tireoidite de Hashimoto (linfocítica crônica) |
tireoidite linfocítica indolor (silenciosa ou atípica) | |
tireoidite pós-parto (uma variante da linfocítica indolor) | |
Etiologia específica |
tireoidite actínica (por irradiação) |
tireoidite pós-trauma | |
tireoidite medicamentosa (amiodarona, lítio) | |
Doenças sistêmicas |
Manifestações tireoidianas da amiloidose e da sarcoidose |
Etiologia desconhecida |
tireoidite de Ridel (lenhosa ou esclerosante crônica) |
A tireoidite subaguda, que é um dos diagnósticos diferencias nesta situação, aparece comumente apos quadro de infecção do trato respiratório superior, em geral de etiologia viral, embora seja raro isolar o agente etiológico.
Os pacientes queixam-se de dor severa na região da tireoide, podendo haver disfagia e irradiação da dor para a mandíbula ou ouvidos. Podem ocorrer sintomas inespecíficos, como mal-estar, astenia e artralgias, com febre em geral de leve a moderada, mas algumas vezes acima de 40°C. Sintomas de tireotoxicose estão presentes em 50 a 60% dos pacientes nas primeiras semanas, devido à liberação de T3/T4 contidos nos folículos tireoidianos rotos. Essa fase dura algumas semanas, posteriormente 25% dos pacientes experimentam uma fase de hipotireoidismo transitório (que pode durar de 4 a 6 meses). Essa flutuação do status funcional tireoidiano pode levar à clássica evolução trifásica da tireoidite subaguda (tireotoxicose, hipotireoidismo e, finalmente, eutireoidismo). A maioria dos pacientes recupera a função tireoidiana normal, mas hipotireoidismo permanente é descrito em 5 a 10% dos casos. Um estudo realizado pela Mayo Clinic demonstrou que 15% dos pacientes evoluem com hipotireoidismo e 4% apresentam recorrência.
A forma mais comum de tireoidite é a tireoidite de Hashimoto. Trata-se de um quadro autoimune que pode cursar com aumento indolor da glândula tireoide, mas também é descrito como quadro de atrofia tireoidiana. Em alguns casos, pode haver um crescimento rápido do bócio, com sintomas compressivos locais.
Os pacientes podem ainda apresentar uma tireotoxicose transitória no início da doença devido à liberação de hormônios por um processo destrutivo exacerbado, denominado de hashitoxicose. O hipotireoidismo é mais frequente, podendo estar presente em 20% na primeira avaliação clínica e aumentando conforme a duração da doença.
A grande maioria dos pacientes apresenta títulos séricos elevados de anticorpos tireoidianos, principalmente a antitireoperoxidase (anti-TPO), presente em 90%, e a antitireoglobulina (anti-Tg), presente em 20 a 50% dos casos.
Outra forma de tireoidite é a linfocítica indolor, considerada uma variante subaguda da tireoidite de Hashimoto, que apresenta velocidade de evolução similar a da tireoidite subaguda, também podendo apresentar evolução trifásica, mas não costuma evoluir com dor local ou febre.
A tireoidite pós-parto é bastante similar a tireoidite linfocítica indolor, com a diferença de acometer mulheres nos primeiros 6 meses de puerpério na maioria dos casos. Por definição, pode ocorrer até 1 ano após o parto, podendo ser encontrada em até 8 a 10% das gestações. Cursa com altos títulos de anticorpo anti-TPO, podendo ocorrer associada a outras doenças autoimunes como diabetes melito tipo 1. Os pacientes podem apresentar uma fase inicial com hipertireoidismo por destruição dos folículos tireoidianos; após esta fase, pode ocorrer hipotireoidismo alguns meses após o parto, com hipotireoidismo permanente ocorrendo em 20% dos pacientes em 1 ano e 50% em 7 anos.
Paciente realizou USG que mostrou glândula difusamente aumentada, cintilografia de tireoide com captação diminuída e altos títulos de tireoglobulina de anticorpos anti-TPO. O TSH encontrava-se suprimido e os níveis de T4 livre e T3, aumentados.
Paciente apresentando USG com tireoide aumentada e captação diminuída da tireoide, sugerindo processo inflamatório local. Os altos títulos de tireoglobulina sugerem processo inflamatório destrutivo da glândula e os altos títulos de anticorpos anti-TPO sugerem etiologia autoimune, como o que ocorre na tireoidite pós-parto, que é o diagnóstico mais provável neste caso.
Em pacientes com tireoidite subaguda dolorosa, o tratamento inclui o uso de anti-inflamatórios como naproxeno ou tenoxicam, eventualmente usando betabloqueadores para controles dos sintomas de hipertireoidismo, que usualmente são transitórios. Não existe indicação do uso de drogas antitireoidianas, como o propiltiluracil; no caso da tireoidite silenciosa, a prescrição inicial para controle dos sintomas poderia ser um betabloqueador como o propranolol, que poderia ser prescrito da seguinte maneira:
Prescrição |
Comentário |
Propranolol 20 mg VO a cada 8 horas |
O propranolol é o betabloqueador mais estudado em pacientes com hipertireoidismo. A preferência é pelo uso de 2 a 4 vezes/dia, pelo menos, devido à rápida metabolização da medicação nestes pacientes. |
Após alguns meses, a paciente evoluiu com quadro de apatia, intolerância ao frio e bradipsiquismo. Pensou-se no diagnóstico de depressão pós-parto, mas foram dosados TSH e T4 livre, que apresentaram, respectivamente, níveis aumentados de TSH com T4 livre diminuído.
A paciente evoluiu com hipotireoidismo, que é esperado e pode ser transitório. O tratamento é feito com reposição de levotiroxina. Após 7 anos, mais da metade dos pacientes evoluíram com hipotireoidismo definitivo. Neste momento, seria interessante prescrever:
Prescrição |
Comentário |
Levotiroxina 75 mcg VO cedo |
O objetivo da reposição do hormônio tireoidiano é manter níveis de TSH normais, embora a normalização destes possa demorar alguns meses para ocorrer. Pode-se iniciar o tratamento com doses de 50 a 75 mcg/dia nesta paciente, pois ela é jovem e sem antecedentes de cardiopatia e outros que indicassem o início de doses menores do hormônio tireoidiano. |
A levotiroxina é o hormônio tireoidiano na forma T4 que é convertida em T3 para realizar suas ações periféricas.
Tratamento do hipotireoidismo.
Uso discutível em depressão refratária.
Não apresenta indicação de uso como tratamento adjuvante de obesidade.
Já discutidos anteriormente.
Aqueles relacionados ao hipertireoidismo caso a dose seja inadequada. Alteração da densidade óssea mineral e aparecimento de angina também são relatados. Alguns relatos de pseudotumor cerebral também aparecem na literatura.
Euthyrox®, Synthroid® e Puran T4® em comprimidos de 25, 50, 75, 88, 100, 112, 125, 150, 175 e 200 mcg.
Monitoração com TSH e T4 livre a cada 6 a 8 semanas até normalização do TSH, e a cada 8 a 12 semanas após modificação de dose. Após conseguir controle, a monitoração laboratorial pode ser realizada a cada 6 a 12 meses.
Classe A. Sem contraindicação na amamentação.
Deve-se salientar que o hipotireoidismo durante a gestação é associado com disfunção cognitiva da criança e aumento da mortalidade fetal, e as necessidades de levotiroxina são alteradas por aumento do volume plasmático, aumento da globulina transportadora da tiroxina, entre outras alterações. A monitoração deve ser mais frequente nesta época. Alexander, em estudo recente, sugere que a dose de levotiroxina seja aumentada em 30% no início da gestação.
Antiácidos, principalmente contendo alumínio, podem diminuir a absorção, assim como a colestiramina. O uso de estrógenos pode alterar a concentração de T4 livre. Em estados de hipertireoidismo, o clearance de certas medicações, como a teofilina, pode aumentar.
Os anticoagulantes podem ter seus efeitos sensivelmente aumentados com o retorno da condição eutireoidea.
Raramente são indicadas doses maiores que 200 mcg/dia. Caso doses em torno de 300 a 400 mcg/dia sejam necessárias, deve-se investigar má absorção, falta de complacência ao tratamento ou resistência ao hormônio tireoidiano, condição mais rara.
A medicação deve ser tomada cedo, em jejum, de forma a otimizar sua absorção.
Tabela 2: Dose de levotiroxina para pacientes pediátricos
Idade |
Dose diária (mcg/kg de peso corpóreo) |
0 a 3 meses |
10 a 15 |
3 a 6 meses |
8 a 10 |
6 a 12 meses |
6 a 8 |
1 a 5 anos |
5 a 6 |
6 a 12 anos |
4 a 5 |
> 12 anos |
2 a 3 |
Crescimento e puberdade completos |
1,6 |
Doses ajustadas conforme exames laboratoriais.
Os betabloqueadores agem bloqueando os receptores beta-adrenérgicos, o que causa redução da frequência cardíaca, da contratilidade miocárdica, da pressão arterial e da demanda de oxigênio pelo miocárdio. Alguns betabloqueadores apresentam um efeito agonista beta (atividade simpaticomimética intrínseca). Alguns apresentam efeito bloqueador predominantemente beta-1, outros bloqueiam tanto os beta-1 como os beta-2. Entretanto, em doses altas, todos os betabloqueadores são não seletivos. A Tabela 3 mostra as propriedades dos betabloqueadores.
Tabela 3: Propriedade dos betabloqueadores
Droga |
Seletividade beta-1 |
ASI * |
Lipossolubilidade |
Atenolol |
+ |
+ |
+ |
Bisoprolol |
+ |
0 |
0 |
Carvedilol |
0 |
0 |
+++ |
Labetalol |
0 |
0/+ |
++ |
Metoprolol |
+ |
0 |
+++ |
Nadolol |
0 |
0 |
0 |
Pindolol |
0 |
++ |
+ |
Propranolol |
0 |
0 |
+++ |
Timolol |
0 |
0 |
++ |
* ASI: atividade simpaticomimética intrínseca; 0: nenhum; +: pouco; ++: moderado; +++: alto.
Juntamente com os diuréticos tiazídicos, são as drogas anti-hipertensivas mais bem estudadas. São usadas há mais de três décadas e inúmeros ensaios clínicos têm mostrado sua eficácia na redução de risco cardiovascular no tratamento da HAS. Há, entretanto, alguma controvérsia sobre a eficácia dos betabloqueadores como monoterapia. Uma metanálise publicada em 1997 mostrou que ambos, diuréticos e betabloqueadores, são eficazes em prevenir eventos cardiovasculares e AVC quando comparados a placebo, embora os betabloqueadores tenham se mostrado consistentemente menos eficazes que os diuréticos tiazídicos. Outra metanálise com 10 estudos avaliando um total de 16.164 pacientes idosos mostrou que, embora os betabloqueadores tenham reduzido a PA significativamente, foram ineficazes em prevenir doença coronariana e mortalidade cardiovascular (OR: 1,01; 0,98 e 1,05 respectivamente).
As várias apresentações e posologias dos diferentes betabloqueadores são descritas na Tabela 4.
Tabela 4: Posologia e apresentação dos betabloqueadores
Droga |
Nome comercialâ |
Apresentação |
Posologia** |
Propranolol |
Inderal |
10, 40 e 80 mg |
20 a 320 mg (2 a 3 vezes/dia) |
Atenolol |
Atenol |
25, 50 e 100 mg |
25 a 200 mg (1 a 2 vezes/dia) |
50 a 200 mg (1 a 2 vezes/dia) | |||
Metoprolol |
Seloken, Lopressor, Selozok* |
100 mg (25, 50 e 100 mg) |
2,5 a 10 mg (1 vez/dia) |
Bisoprolol |
Concor |
1,25; 2,5; 5; 10 mg |
12,5 a 100 mg (2 vezes/dia) |
Carvedilol |
Coreg, Divelol, Cardilol, Dilatrend |
3,125; 6,25; 12,5; 25 mg |
5 a 60 mg (2 vezes/dia) |
Pindolol |
Visken |
5 e 10 mg |
|
*Selokenâ e Lopressorâ: tartarato de metoprolol (comprimidos de 100 mg); Seloken Durilesâ: comprimidos de 200 mg; Selozokâ: succinato de metoprolol (comprimidos de 25, 50 e 100 mg).
** Dose diária (número de tomadas diárias).
Os efeitos colaterais mais comuns são broncoespasmo em pacientes predispostos, bradicardia ou distúrbios de condução atrioventricular, piora da insuficiência cardíaca congestiva por disfunção sistólica, alterações do sistema nervoso central como depressão, confusão e pesadelos, impotência sexual, fadiga e letargia. Congestão nasal, fenômeno de Raynaud, distúrbios gastrintestinais, leucopenia e trombocitopenia também podem ocorrer. Há uma tendência de aumento de triglicérides e redução do HDL-colesterol.
Classe C.
Há necessidade de monitorar a pressão arterial, a frequência cardíaca, o eletrocardiograma e os efeitos cardíacos e do sistema nervoso central.
As principais interações dos betabloqueadores estão listadas na Tabela 5.
Tabela 5: Interações medicamentosas dos betabloqueadores
Diminuem o efeito dos betabloqueadores |
Sais de alumínio e cálcio; barbitúricos; colestiramina; AINEs, salicilatos; penicilinas; rifampicina |
Aumentam o efeito dos betabloqueadores |
Bloqueadores de cálcio; contraceptivos; haloperidol; cimetidina (e, possivelmente, ranitidina); hidralazina, diuréticos de alça; fenotiazinas; quinidina, propafenona, flecainida; ciprofloxacino; hormônios tireoidianos |
Efeito diminuído pelos betabloqueadores |
Sulfonilureias |
Efeito aumentado pelos betabloqueadores |
Flecainida; haloperidol; fenotiazinas; acetaminofeno; warfarina; benzodiazepínicos; clonidina, hidralazina, prazosina; nifedipina, verapamil; ergot |