A Neisseria Gonorrhoeae é um coco gram-negativo associado principalmente a uretrites e cervicites, sendo mais comum a manifestação clínica em homens, sua transmissão ocorre principalmente por meio do ato sexual e, excepcionalmente acidental, pode ainda ocorrer por sexo oral, quando se manifesta como a chamada faringite gonocóccica. A infecção gonocóccica disseminada é uma complicação desta infecção, sendo mais comum em centros urbanos e ocorrendo em 0,5 a 3% dos pacientes com a infecção pela neisseria, a maioria destes pacientes se apresenta com quadro de monoartrite, poliartrite ou artralgias. A doença gonocóccia disseminada resultam da disseminação bacterêmica.
A infecção gonocóccia localizada apresenta alguns fatores predisponentes para desenvolver infecção disseminada, o principal deles é o sexo feminino que tem risco três vezes maior de infecção em relação aos homens, apesar da infecção gonocóccica clínica ser mais comum em homens, em mulher ocorre com maior frequência a infecção disseminada. Um dos fatores que poderia explicar esta discrepância é o próprio fato desta infecção ser com frequência subclínica nas mulheres, o que impossibilita a indicação de tratamento, aumentando a chance de disseminação. Apenas 25% dos pacientes com infecção disseminada apresentam sintomas genitais que mostram como a infecção assintomática é um fator predisponente, outro fator de risco é menstruação recente, que facilita a disseminação por menstruação por alterações no pH da cérvice interna. Outros fatores incluem gestação ou pós-parto imediato, práticas sexuais de risco, esplenectomia, lúpus eritematoso sistêmico e deficiências congênitas ou adquiridas do complemento incluindo C5, C6, C7 e C8. Fatores microbianos como cepas com proteína A de baixo peso molecular e resistência aumentada à ação bactericida das defesas humanas facilitam a disseminação de infecção gonocóccica.
Os pacientes com infecção gonocóccica disseminada se apresentam em duas formas principais:
-Tríade de tenossinovite, dermatite e poliartralgias, sem artrite purulenta;
-Artrite purulenta sem lesões cutâneas.
Em alguns pacientes é díficil realizar a diferenciação entre as duas formas de infecção gonocóccica disseminada, e em alguns pacientes que inicialmente apresentam quadro de tenossinovite podem evoluir com artrite purulenta, principalmente se ocorre atraso na antibióticoterapia. Um número significativo de pacientes com artrite purulenta apresenta também tenossinovite e dermatite.
Apenas uma minoria dos pacientes apresenta concomitância de manifestações genitais ou de faringite associada à infecção disseminada.
Os sintomas articulares se desenvolvem de um dia a várias semanas (em média de 10 a 20 dias) após o contato sexual. A poliartralgia ou poliartrite é aditiva e migratória, sendo os joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos as articulações mais acometidas. A tenossinovite ocorre em dois terços dos pacientes, por sua vez, sendo mais comum no dorso da mão, nos punhos, nos tornozelos e nos joelhos, em geral acomete múltiplos tendões, é um achado raro em outras artrites e, portanto específico para o diagnóstico de artrite gonocóccica.
A dermatite é mais frequentemente maculo-papular ou vesicular, também podem aparecer pústulas e bolhas hemorrágicas, eritema multiforme e vasculite. As lesões cutâneas são mais frequentes em extremidades e tronco, mas normalmente são assimétricas e requerem inspeção cuidadosa, algumas vezes novas lesões aparecem após iniciar antibióticoterapia, mas o curso mais comum é as lesões desaparecerem após alguns dias de tratamento. O número de lesões é usualmente pequeno variando na maioria dos casos entre 2 a 10 lesões, raramente ultrapassando 40 lesões e costumam poupar a face.
Febre é relatada principalmente em pacientes com a forma da doença com tenossinovite e poliartralgias, sendo rara nos pacientes com artrite purulenta. A sinovite purulenta ocorre em 25-50% dos pacientes. Os joelhos, tornozelos, pulsos e cotovelos são os mais infectados neste caso, e poliartrite associada não é incomum.
Os pacientes com artrite gonocóccica apresentam na maioria dos casos melhora significativa 24-48 horas após início da antibióticoterapia, dado que aumenta a probabilidade da artrite ser causado pela neisseria gonorrhae.
A artrite meningocóccica é similar à gonocóccica, sendo que 20-40% dos pacientes com meningococcemia têm sintomas articulares, que pode ser estéril ou séptica, acelular ou purulenta.
Outras complicações associadas à artrite gonocóccia são meningite, endocardite e miocardite gonocóccica, que são raras, mas potencialmente fatais.
Os pacientes podem ter leucocitose periférica, aumento de VHS, aumento de PCR e aumento discreto de transaminases, estes achados embora comuns são inespecíficos.
Raramente a hemocultura é positiva, a cultura de líquido sinovial também é positiva em menos de 50% dos pacientes. Quando cultura é positiva, maior a chance de ficar o líquido purulento, o líquido sinovial e hemoculturas devem ser semeados em ágar chocolate. Apesar da baixa positividade da hemocultura, a maioria dos atores recomenda a coleta de dois pares de hemocultura rotineiramente nestes pacientes.
O número de leucócitos na sinovia fica na maioria dos casos entre 30.000-70.000 cels/mm3, mas casos com menos de 10.000 cels/mm3 são descritos, raramente com monoartrite crônica e indolente. Os pacientes com tenossinovite e dermatite usualmente apresentam número de leucócitos menores na sinovia.
Os pacientes com suspeita de artrite gonocóccica devem realizar culturas de sinovia, pele, uretra e cérvice no meio de Thayer-Martin, que é um meio com ágar chocolate adicionado de antibióticos.Quando realizada a avaliação de todos estes sítios, a positividade da cultura se aproxima a 50%.
A biopsia da lesão revela inflamação perivascular com infiltrados neutrofílicos intraepidérmicos e microtrombos, raramente a neisseria é recuperada nestes sítios. O PCR do líquido sinovial pode auxiliar o diagnóstico, mas no momento é pouco utilizado.
Os níveis de glicose no líquido sinovial estão geralmente diminuídos, embora não sejam específicos de infecção, sendo importante comparar com a glicemia.
Na suspeita de artrite séptica, após coleta de hemoculturas, de cultura do líquido sinovial (e de outros sítios, se houver), deve-se iniciar antibióticoterapia parenteral de acordo com a coloração de Gram e conforme os achados clínicos. Em geral, o tratamento deve ser realizado com o paciente hospitalizado; se for isolado um germe, deve-se guiar pelo antibiograma e com o menor espectro possível. Caso quadro clínico sugestivo ou bacterioscopia com diplococos Gram-negativos pode iniciar-se ceftriaxone em dose de 1 grama EV ou IM diária (esquema mais aceito pela literatura e recomendado pelo CDC-Center of Diseases Control nos Estados Unidos) ou a cada 12 horas usualmente por 7 a 10 dias; após três dias de tratamento muitos pacientes não apresentam mais sintomas.
Outras opções antibióticas incluem azitromicina 1 grama oral e doxiciclina 100 mg a cada 12 horas por 7 dias.
O tempo recomendado de tratamento é de pelo menos 7 dias nos pacientes com a forma de doença disseminada com tenossinovite, mas em pacientes com artrite purulenta o tempo de antibióticoterapia em geral é maior de 7-14 dias e o grande marcador do tempo de antibióticos é a melhora clínica dos sintomas.
Principalmente indicada no caso das artrites não gonocóccicas, mas quando artrite purulenta também deve ser realizada na artrite gonocóccica, pode se fazer a drenagem da articulação diária (às vezes várias vezes ao dia) através de artrocentese com agulha. Para se avaliar a eficácia do tratamento, o líquido sinovial deve ser enviado para contagem de leucócitos, Gram e culturas.
Uso de analgésicos e anti-inflamatórios indicado de forma semelhante à artrite séptica ano gonocóccica, já comentada em outra ocasião. A imobilização e o repouso devem ser idealmente de curta duração, após o 2o dia podem-se iniciar exercícios passivos. A fisioterapia é importante para a manutenção da amplitude dos movimentos articulares e para se evitar atrofias musculares. É recomendada a concomitância do tratamento de chlamydia devido á frequência de coinfecção, assim, em geral, o regime antibiótico inicial será a combinação de ceftriaxona e azitromicina. O tratamento de parceiros sexuais também é recomendado.
Em pacientes com infecção gonocóccica de repetição é importante ainda se medir o nível sérico do complemento hemolítico total, outras indicações são artrite gonocóccica em pacientes com asplenia ou disfunção retículo-endotelial.
http://www.cdc.gov/std/treatment/2010/default.htm