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Cuidados Neurointensivos

Última revisão: 24/02/2017

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Cuidados Neurointensivos

 

                     Artigo original: Kummer, T.T, MD, PhD. Ropper, AR, MD. Neurotical Care. SAM.   

            [The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2012 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Tradução: Paulo Henrique Machado.

                         Revisão técnica: Dr. Lucas Santos Zambon.

 

Terrance T. Kummer, MD, PhD

Allan H. Ropper, MD

 

 

 

NEUROLOGIA

CUIDADOS NEUROINTENSIVOS

 

A disciplina relacionada aos CUIDADOS NEUROINTENSIVOS envolve o gerenciamento de muitas doenças do sistema nervoso nos extremos de gravidade. Quatro grandes categorias dominam as condições tratadas por neurointensivistas: lesões que elevam a pressão intracraniana (PIC); condições que resultam em paralisia generalizada; convulsões refratárias; coma.

As condições básicas cujo acompanhamento ocorre em UTIs incluem acidente vascular cerebral (AVC), hemorragia cerebral, estado epilético (EE), miastenia grave (MG), síndrome de Guillain-Barré (SGB), lesão cerebral traumática (LCT) e lesão na medula espinal, bem como o caso de pacientes neurocirúrgicos de alto risco na fase pós-operatória. As habilidades e os conhecimentos básicos exigidos para tratar indivíduos portadores dessas condições, assim como das complicações com risco de vida associadas a elas, são obtidos na medicina neurológica tradicional e na medicina de cuidados intensivos.

Os cuidados neurológicos intensivos fazem parte do braço ativista da neurologia moderna e, em parte, são os grandes responsáveis por mudar a imagem da neurologia como especialidade meramente diagnóstica. Além disso, no caso de várias doenças, tais como AVC agudo e hemorragia intracerebral (HIC), as unidades especializadas melhoraram os resultados e agilizaram o processo de altas hospitalares,1,2 embora consumam mais recursos que as UTIs em geral.3

O campo de CUIDADOS NEUROINTENSIVOS encontra-se em fase de crescimento e de evolução rápida. Essa nova disciplina médica surgiu a partir das grandes unidades para tratamento de poliomielite nas décadas de 1940 e 1950, do desenvolvimento de unidades neurocirúrgicas na década de 1960 e do grande esforço dentro dos centros acadêmicos na década de 1980 para melhorar os resultados por meio da concentração de pacientes neurológicos gravemente enfermos nesses tipos de UTI. Essa fusão agrupou uma variedade de especialistas que se interessavam por doenças neurológicas graves e pelas diferentes perspectivas que ainda continuam a estimular esse ramo da medicina.

Nos dias atuais, a Neurocritical Care Society representa cerca de 1.000 indivíduos com especialidade variando entre neurocirurgia, neurologia, cuidados intensivos, anestesiologia, clínica geral e pneumologia. A cada ano, têm surgido novas unidades de CUIDADOS NEUROINTENSIVOS, bem como programas de bolsas de estudo.

 

Cuidados neurológicos intensivos e as hipóteses de aplicação

As circunstâncias que justificam a admissão de pacientes em unidades de cuidados neurológicos intensivos incluem declínio significativo no estado de alerta ou na função neurológica, insuficiência respiratória (IR) neuromuscular, paralisia por qualquer causa com risco de complicações médicas secundárias, epilepsia incontrolável e choque hemodinâmico relacionado a qualquer uma das doenças básicas supramencionadas.

Inúmeras circunstâncias específicas, como hemorragia subaracnóidea (HSA) e cuidados pós-trombolíticos nos casos de AVC agudo, também precisam de monitoramento intensivo por causa do risco elevado de deterioração neurológica devastadora. Existem, atualmente, vários sistemas codificados que medem a conveniência de admissões em UTIs na neurociência, embora nenhum deles tenha sido validado sob o ponto de vista prospectivo.

 

As informações financeiras estão no final deste artigo, antes das referências.

 

Monitoramento especializado nas unidades de cuidados neurológicos intensivos

Monitoramento da pressão intracraniana

Assim como em muitas outras situações médicas críticas, o monitoramento fisiológico preventivo permite o reconhecimento imediato e a solução para a progressão da doença. O monitoramento direto da PIC, que se caracteriza por ser uma técnica comum utilizada em uma ampla gama de doenças neurológicas, possibilita fazer tratamento médico e cirúrgico sistêmico de níveis elevados de PIC.

De um modo geral, o monitoramento da PIC é utilizado em LCTs, HIC, HSA, hidrocefalia e edema cerebral causado por doenças médicas diferentes, incluindo AVC, encefalopatia hepática (EH), anoxia global e, no passado, pela síndrome de Reye. É possível que os pacientes tenham de ser sedados para impedir movimentos e manter a fixação do dispositivo.

Embora seja individualizada, normalmente a decisão de monitorar a PIC se baseia em três fatores:

               pontuação na Scala de Coma de Glasgow (ECG) abaixo de 9;

               condições associadas à PIC elevada, cujo tratamento oferece uma perspectiva razoável de recuperação;

               ausência de coagulopatia.

O monitoramento é indicado na maior parte dos casos em que o tratamento se fundamentar na queda da PIC, e apresenta leituras numéricas valiosas da pressão média e das formas de onda da PIC. Os cateteres intraventriculares são o padrão de ouro em termos de monitoramento. Os cateteres ventriculares têm a vantagem de possibilitar reduções terapêuticas na PIC por meio da remoção de líquido cerebrospinal (LCE).

Em determinadas circunstâncias, pode ser mais fácil colocar transdutores de pressão intraparenquimatosos, subaracnóideos e subdurais, ainda que estejam sujeitos a maiores oscilações na linha de base e, excetuando-se os dispositivos intraparenquimatosos de fibra ótica, são usados com uma frequência bem menor. As infecções, em particular a ventriculite, são os riscos primários de medições prolongadas na PIC.

Eventualmente, o uso de cobertura antibiótica profilática gram-positiva é uma opção durante o processo de monitoramento, embora as evidências de sua eficácia para evitar infecções sejam muito limitadas. No passado, o tempo de duração do monitoramento intraventricular foi associado à taxa de infecção; entretanto, com o uso de técnicas modernas de tunelização de cateteres sob o couro cabeludo, e tomando-se o cuidado de manter o sistema fechado, esses dispositivos podem permanecer no lugar por um período de 2 semanas ou mais.

As lesões cerebrais sintomáticas causadas por sondas colocadas diretamente em hematomas do “trato” são complicações bem menos comuns. Na realidade, o monitoramento não invasivo da PIC ainda não encontrou um lugar consistente na prática médica.

 

Ultrassonografia

A ultrassonografia (USG) de alta frequência viola o crânio e é capaz de expor as células sanguíneas em movimento dentro dos vasos principais do círculo de Willis às ondas do ultrassom. Essa técnica não invasiva, conhecida como USG Doppler transcraniana (DTC), fornece velocidades numéricas e imagens de formas de onda do fluxo sanguíneo.

De maneira geral, as velocidades do fluxo sanguíneo indicam que o vaso afetado tem calibre reduzido e permite a detecção e a avaliação sequencial do vasoespasmo cerebral depois de HSA. As transformações matemáticas traduzem os dados das formas de onda em estimativas do fluxo sanguíneo cerebral (FSC). As aplicações alternativas incluem detecção de microêmbolos, determinação da permeabilidade dos vasos do cérebro depois de uma trombólise e diagnóstico de morte cerebral, em que se observa um padrão “oscilatório” sem nenhum fluxo para frente.

 

Monitoramento neurofisiológico

As técnicas de monitoramento eletrofisiológico aplicadas nas unidades de cuidados neurológicos intensivos incluem eletrencefalograma (EEG), eletromiografia (EMG), estudos de condução nervosa e diversas variações de potenciais evocados. Tipicamente, o monitoramento por EEG deverá ser contínuo durante um período de vários dias nos casos de suspeita de convulsões intermitentes ou nas situações em que a eficácia dos medicamentos antiepiléticos (em inglês, antiepileptic drugs [AEDs]) exigir avaliação rápida.

Alguns estudos revelam uma taxa de incidência surpreendentemente elevada de convulsões subclínicas nas populações de UTIs,4 embora ainda não se conheça o impacto dos resultados da detecção e do gerenciamento agressivo dessas convulsões. Em alguns casos, os eletrodos colocados no couro cabeludo não conseguem registrar ou localizar de forma adequada o córtex epileptogênico. Logo, as aplicações cirúrgicas de fixações ou de eletrodos muito profundos facilitam a localização das descargas. Em geral, aplica-se essa técnica durante o planejamento de tratamentos cirúrgicos de focos convulsivos refratários.

Algumas unidades passaram a adotar a prática de monitorar de forma simultânea várias combinações de EEG, potenciais evocados, fluxo de sangue no cérebro e volume sanguíneo cerebral (por exemplo, DTC e espectroscopia quase infravermelha, respectivamente), saturação do oxigênio venoso jugular, microdiálise do LCE usando microcateteres e parâmetros de tecidos do cérebro com temperatura e tensão do oxigênio. O uso de um conjunto dessas medições, conhecido por monitoramento multimodal, facilita a orientação do gerenciamento. Ainda não foi comprovado se a aplicação desse monitoramento extensivo chega a alterar os resultados.

A EMG e os estudos de condução nervosa são usados basicamente nos diagnósticos de MG e da SGB, assim como para ajudar na determinação do prognóstico dessas condições. Enfermidades críticas como miopatia ou neuropatia são outras indicações comuns. Em determinadas circunstâncias, os potenciais evocados são bastante úteis na formulação de prognósticos depois de lesões graves no cérebro.

 

Monitoramento hemodinâmico invasivo e acesso vascular

Além das indicações para cuidados clínicos gerais, os cateteres venosos centrais, os cateteres arteriais e da artéria pulmonar têm aplicações específicas em pacientes neurológicos gravemente enfermos. Utiliza-se o acesso venoso central nos casos em que são aplicados bolos de terapia hiperosmolar, sendo ainda indicado com frequência para o gerenciamento do volume vascular central durante as terapias hiperdinâmicas para prevenir a ocorrência de isquemia cerebral tardia. Nos casos em que a drenagem venosa da cabeça tiver de permanecer livre e desimpedida, sobretudo se a PIC for muito elevada, recomenda-se o acesso subclávio para evitar o risco de oclusão na veia jugular.

De maneira geral, os pacientes neurológicos gravemente enfermos apresentam pressões arteriais extremas altas em decorrência de fatores como hiperatividade simpática, choque neurogênico, instabilidade autonômica e condições cardíacas associadas. Além disso, os alvos de pressão arterial (PA) variam amplamente, dependendo da condição neurológica. Com frequência, nessas situações, as linhas arteriais são as mais utilizadas para fazer o corte na pressão. Os cateteres de Swan-Ganz são usados com menos frequência, embora, ocasionalmente, sejam indicados para o gerenciamento de terapia hiperdinâmica nas situações em que há condições cardíacas comórbidas.

 

Condições específicas

Hipertensão intracraniana aguda

A PIC elevada é o reflexo de diversas doenças, sendo considerada uma “rota comum final” de danos cerebrais em diversas condições tais como AVC, LCT e EH. O gerenciamento de hipertensão intracraniana aguda (HIA) está entre as intervenções mais comuns e urgentes realizadas em UTIs de neurociências e, portanto, será discutida separadamente, neste artigo, com base nas causas subjacentes. As intervenções específicas da doença serão detalhadas nas seções subsequentes.

A PIC normal é de 15mmHg ou menos em adultos, na posição em supino (aproximadamente, 20cm de H2O). Em adultos, valores acima de 15mmHg com mais de 10 minutos de duração, na posição de repouso, são considerados anormais. Em crianças, a PIC tende a ser mais baixa.

 

Dinâmica cerebral

O cérebro (˜1.300mL), o LCE (˜65mL) e o sangue (˜110mL) se localizam em um crânio relativamente não complacente e no canal vertebral. Na faixa fisiológica normal, pequenos aumentos de volume são compensados por reduções compensatórias no volume de sangue ou de LCE no interior do crânio e por quantidades muito pequenas de compressibilidade inerente.

Apesar de o crânio ser um recipiente com volume relativamente fixo, os mecanismos homeostáticos se descompensam rapidamente a ponto de qualquer aumento de volume resultar em uma elevação exponencial na PIC. Esse mecanismo é conhecido por doutrina de Monro-Kellie,5,6 representada na Figura 1.

 

DÍSTICOS DA FIGURA 1

Pressure

=

Pressão

 

Volume

=

Volume

 

LCE: líquido cerebrospinal; PIC: pressão intracraniana.

 

 

Figura 1 ? Doutrina de Monro-Kellie. Na faixa fisiológica normal (a), pequenas alterações volumétricas não causam impacto significativo na PIC devido à complacência do cérebro e do canal vertebral e às reduções compensatórias no volume de sangue intracraniano/LCE (a ? b). Aumentos no volume resultam em elevações exponenciais na PIC na medida em que ocorre uma descompensação nesses sistemas (b ? c).

 

Os dois resultados clinicamente relevantes de HIA incontrolável são: isquemia global causada por redução no FSC; compressão focal do cérebro e translocação de tecidos cerebrais distantes da massa, conhecidos em termos de grupo como “síndromes de herniação”.

Em circunstâncias normais, o FSC é mantido em níveis relativamente estáveis, na medida em que as pressões arteriais médias (PAMs) variam de 50 a 150mmHg. Esse fenômeno, conhecido como autorregulação, é mediado pela reatividade dos vasos do cérebro. Com frequência, a autorregulação se altera nos cérebros lesionados. Como resultado, o FSC poderá se tornar diretamente acoplado à pressão de perfusão cerebral (PPC = PAM – PIC). É muito difícil medir clinicamente o FSC; portanto, a PPC é uma das alternativas.

 

Forma de onda da pressão intracraniana e ondas de Lundberg

A forma de onda da PIC, medida com um monitor de PIC, reflete o ciclo cardíaco. Os três componentes da forma de onda da PIC são uma onda percussiva (P1), que representa a pressão do pulso arterial transmitida para o LCE, uma onda “de maré” (P2) representando uma onda de rebote e a complacência cerebral, assim como um degrau dicromático a partir do fechamento da válvula atrioventricular (P3). A proporção da amplitude entre o primeiro componente (P1) em relação ao segundo (P2) é uma estimativa grosseira da complacência intracraniana: um aumento na amplitude de P2 reflete uma vasculatura cerebral mais “rígida” e, consequentemente, uma complacência reduzida.

Imediatamente após a ocorrência de alguma lesão cerebral, a PIC poderá apresentar elevações patológicas rítmicas ou arrítmicas, conhecidas por ondas de Lundberg.7 As mais prejudiciais são as ondas A, ou “ondas de platô”, que indicam elevações na PIC acima de 20mmHg em amplitudes que duram entre 5 e 20 minutos. Esses são os resultados de uma vasodilatação cerebral inadequada e do aumento correspondente no volume de sangue no cérebro. As ondas de platô devem ser reconhecidas e tratadas de imediato considerando que são acompanhadas de pequenas reduções na PPC.

 

DÍSTICOS DA FIGURA 2

Compliant

=

Complacente

 

Noncompliant

=

Não complacente

 

ICP (mm Hg)

=

PIC (mmHg)

 

Plateau waves

=

Ondas de platô

 

CPP (mm Hg)

=

PPC (mmHg)

 

A Figura 2 ilustra a forma de onda da PIC.

PIC: pressão intracraniana; PPC: pressão de perfusão cerebral.

 

Figura 2 ? A forma de onda da PIC (a) está vinculada ao ciclo cardíaco. Na medida em que a complacência diminui, P2 aumenta e poderá ficar acima de P1. As ondas A de Lundberg, ou ondas de platô (b), surgem como tendências patológicas na PIC média por períodos mais longos de tempo. As ondas de platô provocam quedas menores na PPC.

 

Etiologias

As condições mais comuns que levam à HIA incluem edema cerebral, lesões de massa e hidrocefalia. Esses fatores podem ocorrer de forma isolada ou simultânea.

 

Manifestações clínicas de elevações na pressão intracraniana

Os sinais clínicos gerais de HIA em pacientes despertos incluem obscurecimento visual, cefaleia (em geral, é pior na posição em supino, com acessos de tosse ou com a manobra de Valsalva), náusea e vômito. Os pacientes podem desenvolver diplopia causada pela paralisia dos nervos abducentes ou limitação do olhar para cima. A redução no nível de consciência é um sinal tardio de PIC elevada, assim como hipertensão por reflexo, às vezes associada à bradicardia e a respirações irregulares (tríade de Cushing).

 

O Quadro 1 apresenta as etiologias comuns da HIA.

ETIOLOGIAS DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA AGUDA

 

Etiologia

Processo típico da doença

 

Edema citotóxico (líquido intracelular)

AVC isquêmico, lesão anóxica, contusão cerebral, insuficiência hepática fulminante.

 

Edema vasogênico (líquido extracelular)

Encefalopatia hipertensiva, tumor, abscesso, encefalite, doença das alturas, eclampsia.

 

Hidrocefalia

Bloqueio da rota externa do LCE, bloqueio da reabsorção de LCE (sangue ou infecção no espaço subaracnóideo).

 

Edema osmótico

Hiponatremia, correção excessiva da hiperglicemia, rebote de terapia hiperosmolar.

 

Obstrução venosa

Trombose no seio venoso ou na veia jugular.

 

Massa intra-axial

Tumor, abscesso, hemorragia etc.

 

Massa extra-axial

Hematoma subdural ou epidural, fratura craniana deprimida.

 

Vasodilatação

Hipercarbia, anoxia, hiperpirexia, convulsão, posição de Trendelenburg, obstrução nas vias respiratórias, dor, tosse/“resistência ao ventilador”, manobra de Valsalva, PEEP elevada.

 

Medicamentos

Vasodilatadores (nitroprussiato, hidralazina), sedativos voláteis (halotano, isofurano, óxido nítrico), succinilcolina.

 

AVC: acidente vascular cerebral; LCE: líquido cerebrospinal; PEEP: pressão positiva no final da expiração.

 

As lesões causadas por massas focais produzem sintomas sobretudo por meio do deslocamento tecidual. Tradicionalmente, as síndromes codificadas de herniação foram atribuídas aos tecidos que se deslocam ou são “herniados” de um dos compartimentos do cérebro delimitado pela dura-máter para um compartimento adjacente.

A síndrome de herniação transtentorial uncal ou lateral nas situações em que o úncus do lobo temporal produz algum impacto no mesencéfalo, provocando paralisia ipsilateral no terceiro nervo craniano (pupila “dilatada”) e sinal de Babinski contralateral ou hemiplegia. A herniação transtentorial se manifesta como estado de coma, sendo que a postura descorticada progride para postura descerebrada e perda dos reflexos do tronco cefálico.

A herniação subfalcina de uma massa frontal produz coma e fraqueza contralateral, sobretudo na perna. O cerebelo poderá herniar nos sentidos ascendente ou descendente e resultar em coma, postura bilateral e anormalidades nos nervos cranianos. Muitas dessas síndromes se fundem, não ocorrendo, provavelmente, em sua plenitude. As lesões causadas por massas focais são ilustradas na Figura 3.

 

 

Figura 3 ? As lesões de massa (vermelho) podem provocar desvios teciduais com a resultante compressão e destruição dos tecidos cerebrais. Os padrões comuns incluem (a) herniação uncal, (b) herniação transtentorial central, (c) herniação subfalcina e (d) herniação cerebelar.

 

Avaliação e tratamento

Qualquer síndrome consistente com HIA é suficiente para que os médicos solicitem, de imediato, estudos de imagens cranianas. A tomografia computadorizada (TC) do cérebro é a técnica preferida na fase inicial da doença devido à capacidade para detectar de forma rápida e precisa a maior parte das lesões por massa.

As imagens por ressonância nuclear magnética (RNM) adicionam resolução, que poderá ajudar no diagnóstico da etiologia de HIA, embora sua obtenção seja mais demorada e exija que os pacientes permaneçam em um período prolongado na posição em supino, o que pode elevar a PIC. Cabe enfatizar que as varreduras por TC (ou RNM) na cabeça com resultados normais não exclui a hipótese de HIA, tendo em vista que evidenciam a presença de edema cerebral difuso.

As duas grandes metas do gerenciamento da PIC são manter a PPC adequada e evitar a incidência de herniações. Os níveis ideais de PPC são incertos, sendo que a maior parte das unidades tem como foco níveis acima de 60mmHg. Teoricamente, é possível elevar a PPC abaixando-se a PIC ou elevando-se a PAM. Na prática, níveis excessivamente elevados da PAM podem agravar o edema cerebral e aumentar ainda mais a PIC. Além disso, níveis elevados da PIC podem ser danosos de forma independente. Por essas razões, a melhor opção é abaixar a PIC.

O tratamento da HIA consiste em:

         adotar medidas de caráter geral para reduzir ou elevar inadvertidamente a PIC;

         fazer intervenções médicas que alteram ativamente a hemodinâmica do cérebro ou a quantidade de água no cérebro;

         proceder à remoção cirúrgica de alguma massa ou descompressão do crânio ou dos ventrículos.

Em primeiro lugar, é necessário considerar a hipótese de fazer uma cirurgia e reavaliar o paciente na medida em que a condição evolui.

 

O Quadro 2 contém as medidas profiláticas gerais para a HIA.

 

Quadro 2

MEDIDAS PROFILÁTICAS GERAIS PARA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA AGUDA

 

Intervenção

Fundamento lógico

 

Evitar hipercarbia e anoxia

Pode aumentar o volume de sangue no cérebro.

 

Evitar hiperventilação profilática

O efeito não é sustentado, podendo contribuir para isquemia cerebral.

 

Evitar hiponatremia

Há risco de edema osmótico; devem ser usados apenas líquidos isotônicos.

 

Manter a normotermia

A febre pode aumentar o volume de sangue no cérebro.

 

Evitar hipotensão/hipovolemia

Pode produzir vasodilatação elevando a PIC e/ou a PAM reduzida e a PPC.

 

Sedação e analgesia

Agitação e dor podem aumentar o metabolismo cerebral, bem como o volume de sangue no cérebro.

 

Manter a cabeceira do leito a 30 graus

Facilita a drenagem venosa, reduzindo o volume de sangue no cérebro.

 

Evitar girar a cabeça

A compressão de VJI pode reduzir a drenagem venosa.

 

PAM: pressão arterial média; PIC: pressão intracraniana; PPC: pressão de perfusão cerebral; VJI: veia jugular interna.

 

Acidente vascular cerebral isquêmico agudo

A maior parte dos indivíduos que tenham sofrido AVC não precisa de níveis intensivos de cuidados. Entretanto, a identificação de 15 a 20% de pacientes que realmente precisam de cuidados intensivos pode melhorar a sobrevida e os resultados.8–10 Inúmeras complicações dos AVCs podem sugerir cuidados intensivos, dentre as quais a trombólise intravenosa (IV) ou intra-arterial e a trombectomia em decorrência do potencial para reoclusão arterial e transformação hemorrágica de infarto.

Os pacientes sem complicações na fase pós-trombólise são gerenciados nas unidades de muitas instituições especializadas em tratamento de AVC “por etapas”, sobretudo para monitorar a PA e o progresso neurológico após a revascularização. De um modo geral, os pacientes com risco de edema cerebral isquêmico “maligno” nos dias imediatamente após um AVC, em uma grande artéria cerebral média (ACM), precisam fazer terapia hiperosmolar e hemicraniectomia descompressiva.

É indicado, também, o monitoramento intensivo nos casos de ataque isquêmico transitório (AIT) progressivo ou de AVC recorrente, nos quais o risco de mais um infarto seja muito elevado. Provavelmente, os pacientes de AVC precisarão de suporte intensivo da PA para perfundir o cérebro na presença de estenose intravascular. Além disso, os doentes com complicações neurológicas causadas por AVC isquêmico são candidatos à admissão em UTIs, incluindo indivíduos com IR, extremos de hipertensão e isquemia ou arritmias cardíacas.

 

Insuficiência respiratória

De maneira geral, em pacientes que sofreram AVC, a IR é o resultado da ação de um entre três mecanismos. O primeiro é o baixo nível de excitação, resultando na proteção inadequada das vias respiratórias. Pontuações na ECG de 8 ou menos correspondem à necessidade de intubação para proteção das vias respiratórias. Estado de fraqueza associado a AVCs ou falta de coordenação da musculatura faríngea com aspiração é a segunda razão mais comum para intubação.

 

O Quadro 3 apresenta as intervenções médicas para HIA.

INTERVENÇÕES MÉDICAS PARA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA AGUDA

 

Intervenção

Fundamento lógico

Efeitos adversos

 

Hiperventilação

Vasoconstrição para reduzir o volume de sangue no cérebro (deixou de ser usada rotineiramente).

 

         Risco de isquemia cerebral

         Efeitos limitados a 3–4h

         Vasodilatação de rebote

Osmoterapia, manitol ou solução salina hipertônica

Os efeitos osmóticos e vasoconstritores diminuem edemas e reduzem o volume de sangue no cérebro.

         Diurese e desequilíbrio eletrolítico, produzindo, às vezes, insuficiência renal (sobretudo com uso de manitol)

         Acúmulo no cérebro causando edema cerebral de rebote se não houver redução gradual lenta

         Sobrecarga volumétrica

 

Agentes pressores, sobretudo a fenilefrina

Otimização adjuvante da PPC (tentar, primeiramente, o uso de líquidos)

 

Esforço cardiovascular

Sedação profunda

Diminui o metabolismo cerebral e a manobra de Valsalva.

 

Hipotensão

Barbitúricos, normalmente o pentobarbital

Diminui as taxas de metabolismo no cérebro.

         Hipotensão

         Disfunção em múltiplos órgãos

         Meia-vida longa

 

Hipotermia

Diminui o metabolismo no cérebro.

         Aumenta a suscetibilidade a infecções

         Precisa de sedação pesada e ventilação mecânica

 

Esteroides

?Edema vasogênico associado a tumores (única indicação)

         Hiperglicemia

         Infecção

         Úlceras por estresse

         Miopatia causada por doença crítica

 

Bloqueio neuromuscular

Deve-se evitar a manobra de Valsalva.

 

Precisa de ventilação mecânica, neuropatia/miopatia causada por doença crítica.

 

PPC: pressão de perfusão cerebral.

 

O infarto do miocárdio poderá causar hiperemesia, aumentando ainda mais o risco de aspiração. É raro os centros respiratórios medulares serem destruídos por AVC, resultando em respirações desordenadas suficientemente graves para aplicação de suporte ventilatório.

O Quadro 4 apresenta as intervenções cirúrgicas para a HIA e o Quadro 5, o protocolo de tratamento, por etapas, para a doença.

 

Quadro 4

INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS PARA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA AGUDA

 

Intervenção

Fundamento lógico

Outras considerações

 

Drenagem de LCE

Diminui o compartimento de LCE.

 

Particularmente eficaz para hidrocefalia.

Excisão de lesões

Diminui o efeito de massa.

Benéfica sobretudo nos casos de lesões extra-axiais e de hematomas cerebelares.

 

Craniectomia

Nega a doutrina de Monro-Kellie.

Benefícios comprovados somente em AVC hemisférico.

 

AVC: acidente vascular cerebral; LCE: líquido cerebrospinal.

 

Quadro 5

PROTOCOLO DE TRATAMENTO POR ETAPAS PARA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA AGUDA

 

Intervenção

Outras considerações

 

1.      Descompressão cirúrgica

Primeira consideração; reavaliar a cada passo.

 

2.      Osmoterapia

Manitol ou solução salina hipertônica.

Corrigir a hiponatremia.

 

3.      Sedação

Para estados tranquilos e sem movimento.

 

4.      Otimização da PAM

A fenilefrina é o medicamento mais indicado por ter menos efeitos sobre os vasos do cérebro.

 

5.      Hiperventilação leve

O alvo é uma PCO2 de 35mmHg

 

6.      Hipotermia

A meta é uma temperatura interna de 34–35°C.

 

7.      Barbitúricos

A meta é um estado de coma com preservação da reatividade pupilar.

O uso contínuo de EEG é bastante útil (não há nenhum benefício além da supressão de surto).

 

EEG = eletrencefalograma; PAM: pressão arterial média; PCO2: tensão do dióxido de carbono.

 

Gerenciamento da pressão arterial

Diversos princípios orientam o gerenciamento da PA após um AVC. O principal deles é que a PA tende a cair de forma natural nos primeiros dias depois do evento e que a queda rápida nos níveis pressóricos poderá estender o AVC. Além disso, a presença de estenoses arteriais, bem como os problemas de autorregulação vascular e rompimento da barreira hematoencefálica não permitem prever a tolerância a PAs altas e baixas.

Em alguns estudos, os extremos de PAs altas e baixas estão associados a taxas mais elevadas de mortalidade.11 Na ausência de complicações com risco de vida, a PA não deverá ser normalizada, a menos que a normalização pressórica seja imprescindível para prevenir a insuficiência cardíaca.

É extremamente importante manter registros cuidadosos da PA durante a avaliação e o gerenciamento de pacientes com AVC. Esses registros são fundamentais para determinar se a queda na perfusão causada por níveis pressóricos baixos é a causa do declínio nas situações de declínio neurológico. A colocação de um cateter arterial facilita o acompanhamento da PA, embora normalmente não seja necessária, sendo contraindicada depois de trombólise.

Muitos centros consideram que elevações pressóricas por meios terapêuticos ou espontâneos aumentam o risco de transformação hemorrágica dentro do AVC, um tipo de contenção que tem suporte de algumas evidências12,13 e, teoricamente, agrava o desenvolvimento dos edemas cerebrais. No que diz respeito aos casos de terapias imediatas para tratamento de AVC, as orientações da American Heart Association (AHA) recomendam o tratamento de pressões arteriais sistólicas (PASs) acima de 220mmHg ou de pressões arteriais diastólicas (PADs) de 120mmHg.14

Depois de uma trombólise, a orientação convencional é de uma PAS alvo inferior a 180mmHg e de uma PAD de 105mmHg, tendo em vista o alto risco de hemorragia cerebral nessa população de pacientes. Os agentes preferidos para abaixar a PA incluem labetalol IV (aplicação de 10–20mg ± infusão de 0,25–10mg/kg/min) ou nicardipina (infusão de 25–15mg/h). A maioria dos vasodilatadores, em especial o nitroprussiato de sódio, deverá ser evitada considerando que dilatam os vasos cerebrais elevando a PIC.

Após a estabilização da PA, a introdução de agentes orais de ação curta permite reduzir de forma gradual as infusões IVs. Buscar à oscilação na PAM para baixo, ou abaixá-la em cerca de 20%/dia até atingir o nível normal, é uma estratégia razoável durante os primeiros 3 dias após um AVC, enquanto se buscam sinais de novas deficiências ou do agravamento das deficiências causadas pelo AVC.

Embora a elevação terapêutica da PA não seja recomendada de forma rotineira logo após um AVC, há pacientes que precisam de suporte vasopressor para impedir a oscilação de sintomas isquêmicos focais. O agravamento neurológico pode exigir a titulação da PA com administração de líquidos ou de medicações vasopressoras durante alguns dias. O uso de cateteres arteriais facilita bastante esse tipo de procedimento, de forma que são recomendadas, pelo menos, duas tentativas por dia para diminuir de forma gradativa o uso de suporte.

Nos casos que exigirem a administração de vasopressores, a fenilefrina é o medicamento de escolha, considerando que tem efeitos mínimos sobre os vasos do cérebro. A eficácia da hipertensão induzida para melhorar os déficits causados pelos AVCs ainda não foi comprovada, de modo que prosseguem os debates sobre seu uso.

 

Cuidados pós-trombólise e pós-trombectomia

Os pacientes tratados com administração IV ou intra-arterial do ativador do plasminogênio tecidual (em inglês, tissue plasminogen activator [t-PA]) ou com recuperação mecânica de coágulos correm grande risco de transformação hemorrágica no seio de AVC e de nova oclusão arterial. Por essa razão, normalmente esses indivíduos costumam ser encaminhados para UTIs ou para outras unidades de monitoramento de cuidados especiais durante um período de pelo menos 24 horas.

Nas situações em que houver agravamento neurológico durante esse período de tempo, é necessário fazer varreduras imediatas por TC para excluir a hipótese de hemorragia. Se os estudos de imagens não forem conclusivos, deve-se considerar a hipótese de hipoperfusão causada por PA mais baixa ou de nova oclusão arterial. Da mesma forma que nos casos de AIT progressivo ou de AVC recorrente, e dependendo da extensão e da localização do infarto inicial, a hipoperfusão recorrente deverá ser tratada como um novo evento e gerenciada com a mesma agressividade.

Durante o gerenciamento de pacientes pós-trombólise em UTIs, as seguintes medidas deverão ser adotadas, a menos que se tornem críticas por 24 horas: punção arterial, procedimentos incluindo cateter de Foley ou colocação de tubo enteral, e uso de todas as medicações antitrombóticas, incluindo profilaxia de trombose em veias profundas. Conforme já mencionado, a hipertensão espontânea ou induzida pode ser um risco especial de hemorragia cerebral nessa população de pacientes.

 

Edema cerebral maligno

Os edemas cerebrais costumam ocorrer em todos os infartos e, nos casos graves, é uma das causas de deterioração clínica secundária. O maior risco dos edemas malignos está associado aos grandes AVCs (>50% do território da ACM) e àqueles que ocorrem no cerebelo.

Os resultados agregados de vários estudos indicam que os fatores associados a esse tipo de “edema maligno” incluem idade mais jovem, histórico de hipertensão ou de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), aumento no número de leucócitos no momento da admissão, nível baixo de consciência e pontuação alta na escala do National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS), náusea e vômito no início da doença e envolvimento de diversos territórios vasculares.15–17

Os edemas causados por AVCs podem ser progressivos nos primeiros 3 a 4 dias após o evento e produzem cefaleia, sonolência e, ao final, uma síndrome de herniação. Técnicas como TC e RNM mostram a formação regional de edema cerebral e desvios teciduais. Cabe observar que, embora os pacientes com AVCs na ACM apresentem, em geral, déficits iniciais graves, aqueles com AVCs cerebelares com risco de inchaço catastrófico podem apresentar apenas danos neurológicos leves.

Aparentemente, embora não tenha sido estudada de forma extensiva, a utilidade dos monitoramentos invasivos da PIC nesses pacientes é mínima. Esses monitoramentos podem subestimar o risco de herniação, tendo em vista que o deslocamento tecidual pode produzir hérnias antes de uma elevação geral na PIC. O gerenciamento de edemas cerebrais malignos segue o mesmo tipo de acompanhamento descrito para HIA, com a terapia titulada para sintomas neurológicos.

O tratamento cirúrgico de edemas malignos pós-AVC foi estudado em um grupo de análises18 de três testes randomizados (Decompressive Surgery for the Treatment of Malignant Infarction of the Middle Cerebral Artery [DESTINY],19 Decompressive Craniectomy in Malignant Middle Cerebral Artery Infarction [DECIMAL]20 e Hemicraniectomy After Middle Cerebral Artery Infarction with Life-threatening Edema Trial [HAMLET]21). Esses testes, considerados como um todo, demonstram a utilidade da hemicraniectomia descompressiva, com ou sem lobectomia temporal parcial em um subgrupo de pacientes com AVC na ACM.

A Figura 4 mostra a TC sem contraste da cabeça de um caso de AVC.

 

 

ACM: artéria cerebral média; AVC: acidente vascular cerebral; TC: tomografia computadorizada.

Figura 4 ? Varredura por TC sem contraste da cabeça de um AVC em todo o território da ACM 1 dia após o início dos sintomas (a); as setas indicam as zonas limítrofes da condição; 3 dias mais tarde (b). Observa-se o desenvolvimento de edema significativo causando desvio na linha média e herniação subfalcina (b, seta). Pode-se observar um sinal de vaso hiperdenso na varredura por TC sem contraste na admissão que corresponde a um coágulo agudo (c, seta). A angiografia demonstra a presença de uma oclusão vascular na ACM direita proximal (d, seta).

 

Com embasamento nesses estudos, os pacientes ideais para terapia cirúrgica foram considerados aqueles com idade de 18 a 60 anos, com pontuação NIHSS acima de 15, nível deprimido de consciência, evidências tomográficas de infarto em mais de 50% do território da ACM, ausência de pupilas com fixação e dilatação bilateral, e pacientes que se apresentam dentro de 2 dias após o início dos sintomas, embora, na prática, muitos façam cirurgia depois desse período de tempo.

Ainda que a probabilidade de sobrevida com pontuação inferior a 3 na Modified Rankin Scale (pontuação mais baixa nessa escala é melhor porque significa “viver de forma independente”) seja duas vezes mais elevada em pacientes operados em comparação com pacientes de controle, as chances de incapacitação moderadamente grave (que exige assistência para as necessidades corporais e para andar) aumentam em mais de 10 vezes. Por essa razão, a decisão de fazer hemicraniectomia descompressiva deve ser tomada com muita cautela, levando-se em conta, inclusive, as expectativas dos pacientes.

Os edemas cerebelares são particularmente ameaçadores por causa de sua proximidade com o tronco cefálico e com a rota do fluxo externo de LCE. A fossa posterior é um compartimento dural separado que se delimita na parte superior pelo tentório, fato que restringe, consequentemente, a expansão. Embora ainda não tenha sido estudada em nenhum teste randomizado, a craniotomia suboccipital descompressiva é uma opção a ser considerada em casos de AVC variando de moderado a grande (envolvendo > um terço do hemisfério cerebelar) e de edema circunjacente que estiver comprimindo o quarto ventrículo ou o tronco cefálico.

Ainda que apresentem uma aparência neurológica tranquilizadora, esses pacientes podem progredir rapidamente para bradicardia, parada respiratória ou mesmo morte causada por compressão medular. De maneira geral, fatores como agravamento da cefaleia, com ou sem náusea e vômito, sinais progressivos no tronco cefálico, paresia da fixação ocular para cima causada por hidrocefalia e nível excitatório decrescente são indicações para descompressão cirúrgica do cerebelo.

Nos casos de hidrocefalia resultante da compressão do quaro ventrículo, a opção mais indicada é a drenagem com um cateter ventricular externo para descompressão da fossa posterior. Da mesma forma como ocorre nos casos de grandes infartos supratentoriais, recomenda-se realizar a craniotomia suboccipital a partir do momento em que o declínio clínico do paciente se tornar evidente.

 

Hemorragia intracerebral

As HICs agudas se dividem em traumáticas (epidural, subaracnóidea não aneurismática e hemorragia intraparenquimatosa) e não traumáticas (intraparenquimatosa, subaracnóidea aneurismática e hemorragia intraventricular). O foco desta seção é a HIC não traumática. Embora seja responsável por apenas 10% de todos os casos de AVC, a hemorragia cerebral tem uma taxa de mortalidade muito mais elevada: a mortalidade de 30 dias varia de 30 a 50% nos casos de hemorragia não aneurismática espontânea.22

O diagnóstico de HIC pode ser obtido rapidamente com escaneamento por TC sem contraste. Caso esteja prontamente disponível, a angiografia por TC também é uma boa opção em pacientes com HIC não traumática para detectar quaisquer malformações vasculares.

Expansão de hematomas

Na maior parte dos casos, a HIC não é um evento monofásico: até um terço de casos mostra expansão de hematomas no primeiro dia. Além disso, a expansão de hematomas se relaciona aos piores resultados neurológicos, e é mais frequente nas primeiras horas após a apresentação, raramente ocorrendo depois de 24 horas,23 sendo associada a uso de agentes antitrombóticos, volume inicial do coágulo, apresentação precoce, forma irregular, doença hepática, hipertensão, hiperglicemia, consumo de bebidas alcoólicas e hipofibrinogenemia.24,25 Por essa razão, é útil fazer o acompanhamento com estudos de imagens depois de um determinado intervalo, em geral de 6 a 12 horas, para possibilitar a detecção de expansão de hematomas.

 

Controle da hipertensão. Hipertensão crônica é um dos principais fatores de risco para HIC. Entretanto, os níveis gravemente elevados da PA observados com frequência nos departamentos de emergência depois de HIC talvez reflitam algum estímulo simpático reativo e níveis elevados de PIC. Dois terços dos pacientes que se apresentam com HIC têm pressão arterial média (PAM) acima de 120mmHg.26 Embora o consenso geral sugira que abaixar a PA depois de hemorragia intracraniana seja uma medida adequada para diminuir o risco de expansão de hematomas, a meta pressórica apropriada ainda permanece desconhecida.

Por outro lado, existe o risco de que a redução na PA produza hipoperfusão cerebral, em especial nos quadros de PIC elevada e de problemas na autorregulação do cérebro. Os dados de imagens funcionais sugerem que o risco de alteração na autorregulação cerebral não é muito grande e talvez tenha sido superestimado no passado.27

Atualmente, diversos testes randomizados prospectivos estão formando grupos de pacientes para definir a meta ideal de PA. Aparentemente, as metas de PA variam de acordo com a instituição. Nossa prática usual tem sido tratar PASs acima de 160mmHg durante o monitoramento do estado clínico usando os métodos descritos anteriormente na seção sobre AVC isquêmico agudo.

 

Reversão da anticoagulação depois de HIC. A anticoagulação e o uso de ácido acetilsalicílico são fatores de risco para a expansão de hematomas, sendo que a prática comum é a correção emergencial da coagulopatia. O gerenciamento de coagulopatia relacionada ao uso de varfarina é feito com vitamina K, plasma fresco congelado (PFC) e, em alguns casos, com concentrados do complexo de protrombina (CCPs) ou com fator VII ativado recombinante (rFVIIa).

Recomenda-se suspender a administração de vitamina K, a qual é administrada por via IV (10mg), tendo em vista que a administração por via subcutânea resulta em absorção imprevisível e muitos pacientes não conseguem engolir com segurança na apresentação. A incidência de anafilaxia associada à administração IV de vitamina K, que foi muito temida no passado, é muito baixa com as formulações modernas.

Em geral administra-se o PFC simultaneamente, considerando que a vitamina K leva várias horas para reverter a anticoagulação associada ao uso de varfarina. Foram propostos vários algoritmos de dosagem ainda não validados, sendo que a melhor forma de determiná-la é por meios empíricos com avaliações laboratoriais sequenciais do coeficiente internacional normatizado (em inglês, international normalized ratio [INR]).

Os CCPs, agrupamentos de fatores de coagulação que dependem da vitamina K, superam diversas limitações do PFC: não precisam ser descongelados nem de reação cruzada, o volume de administração é mínimo e, comprovadamente, revertem a coagulopatia relacionada ao uso de varfarina de forma muito mais rápida (em alguns minutos) e completa.28

A despeito dessas vantagens, os CCPs não melhoram os resultados clínicos; têm custo muito elevado e seu uso não é muito frequente. Algumas análises retrospectivas indicam que os fatores VII ativados recombinantes revertem rapidamente o INR,29 embora não existam dados retrospectivos disponíveis sobre o resultado, além da grande preocupação sobre a correção incompleta da coagulopatia subjacente (apesar da normalização do INR) e com o aumento na incidência de eventos embólicos arteriais.

A anticoagulação causada pela heparina reverte rapidamente com o sulfato de protamina (1mg de protamina por 100U de heparina nas últimas 3 horas, caso a administração ocorra em menos de 30 minutos a partir da descontinuação da heparina). A função da protamina é reverter a anticoagulação causada por heparina de baixo peso molecular (1mg de protamina por 1mg de enoxaparina ou por 100 anti-Xa IU para dalteparina ou tinzaparina), ainda que a reversão seja de apenas 60% da atividade do antifator Xa nesses agentes. Não existe nenhum antídoto para o fondaparinux ou para os inibidores diretos da trombina (dabigatrana, argatroban, lepirudina, bivalirudina, ximelagatrana), ainda que alguns deles possam ser removidos com hemodiálise.

O uso de agentes antiplaquetários no momento da HIC também está associado à expansão de hematomas.30 Não há um consenso se os agentes antiplaquetários são preditores de maus resultados, sendo que uma metanálise recente encontrou uma modesta associação com mortalidade, porém com resultados funcionais insatisfatórios.31 Nesse quadro, a transfusão de plaquetas não recupera a atividade plaquetária,32 e diversos estudos retrospectivos não conseguiram encontrar uma associação com melhoria dos resultados.33,34

Fator VII ativado recombinante. Um grande teste de fase III concluído recentemente não conseguiu demonstrar melhora nos resultados em pacientes que haviam sido tratados com rFVIIa para HIC não associada à anticoagulação.35 Esse estudo confirmou as descobertas anteriores de que o rFVIIa reduz a expansão de hematomas, embora a melhora clínica observada em pequenos estudos-piloto não tenha sido confirmada. Como resultado, o rFVIIa não é recomendado para uso rotineiro nos casos de HIC aguda. Os resultados diferentes entre os testes de fase II e de fase III foram atribuídos às diferenças nos resultados dos grupos de placebo, sendo, portanto, necessária a realização de estudos adicionais.

Elevação na pressão intracraniana

Os hematomas elevam a PIC, assim como qualquer lesão que ocupa espaço no interior da abóboda craniana. Os detalhes discutidos anteriormente sobre edemas malignos causados por AVCs se aplicam também aos casos de hemorragia intracraniana. De maneira geral, a PIC é elevada na apresentação; porém, assim como no caso de infartos, ela tende a se elevar nos primeiros dias simultaneamente com o desenvolvimento de edemas peri-hematoma.

Hemorragia intraventricular e hidrocefalia. A hemorragia intraventricular é uma descoberta comum nos casos de HIC e está associada a taxas mais elevadas de mortalidade. Embora sua eficácia ainda não tenha sido comprovada em testes prospectivos, normalmente é colocado um dreno ventricular externo (DVE) nos casos de hidrocefalia devido à hemorragia.

É provável que os pacientes que se beneficiam com a drenagem ventricular sejam aqueles com pequena quantidade de sangue, ou seja, pacientes cujo declínio clínico seja basicamente causado pela hidrocefalia, e não por lesões diretas causadas por hematomas. Após a colocação, deve-se deixar o DVE drenar o LCE, permitindo, consequentemente, a eliminação dos produtos sanguíneos.

Levando-se em consideração que o LCE não possui um sistema fibrinolítico robusto que possibilite o rompimento de coágulos, resultando em situações como a necessidade de prolongar a drenagem externa (em geral, durante semanas), a obstrução frequente do dreno e a alta incidência de derivação permanente, alguns estudos preliminares envolvendo agentes fibrinolíticos intraventriculares como o t-PA possivelmente venham a abordar essas questões.36 Esse tratamento é usado em muitos centros; atualmente, encontra-se em fase de execução um teste multicentro para determinar a sua eficácia.

Antes de iniciar a fibrinólise, deve-se excluir a hipótese da presença de aneurismas. Nossa prática é considerar a opção de fibrinólise intraventricular (1mg de t-PA) nos casos em que a hemorragia envolver mais que cerca de 30% do sistema ventricular e houver hidrocefalia progressiva. O tratamento deverá ser repetido por 1 dia ou mais, de acordo com a necessidade, depois que o acompanhamento com varredura por TC confirmar que não há mais sangramento.

A Figura 5 mostra varreduras por TC sem contraste da cabeça.

 

 

HSA: hemorragia subaracnóidea; TC: tomografia computadorizada.

Figura 5 ? Varreduras por TC sem contraste da cabeça. Hemorragia intraparenquimatosa no lobo temporal esquerdo e herniação uncal resultante (a, seta). Hemorragia intraparenquimatosa no hemisfério cerebelar esquerdo, com compressão no tronco cefálico (seta) e obliteração do quarto ventrículo (b). Hemorragia intraventricular primária resultando em hidrocefalia (c). HSA aneurismática (d). *Denota hemorragia.

 

Evacuação de hematomas. O objetivo da cirurgia para tratamento de hemorragia intraparenquimatosa não traumática é aliviar a HIC por meio da redução da massa dos coágulos. Um teste randomizado controlado de grande porte investigou a evacuação de hematomas supratentoriais em casos nos quais o cirurgião não estava muito seguro sobre qual seria a melhor terapia.37 Mesmo com esse aviso de alerta, o teste não mostrou nenhuma melhora na mortalidade ou nos resultados com a terapia cirúrgica.

Um único subgrupo ? formado por pacientes com hematomas inferiores a 1cm em relação à superfície do cérebro ? mostrou que houve alguns benefícios com a cirurgia. Por essa razão, nos dias atuais, utiliza-se com menos frequência a excisão de hematomas nos casos de HIC supratentorial, embora algumas variações nessa técnica encontrem-se em fase de investigação e as práticas variem de acordo com a instituição. Por outro lado, a HIC cerebelar costuma ser gerenciada por meios cirúrgicos. As considerações sobre coágulos cerebelares se assemelham às relativas aos edemas relacionados a AVCs.

 

Hemorragia subaracnóidea

A HSA aneurismática é uma forma exclusiva de HIC com altos índices de morbidade e mortalidade (taxa de mortalidade de 30 dias de 45%) e fisiopatologia complexa. Os prognósticos da HSA não aneurismática (20 a 25% de casos) traumática, ou a tão conhecida HSA “perimesencefálica”, são mais benignos. O leitor poderá encontrar discussões completas sobre gerenciamento de HSA nas orientações mais recentes.38 Este artigo contém um breve resumo do gerenciamento médico.

O nível máximo da prevalência de HSA aneurismática ocorre no período entre a quarta e sexta décadas de vida; 80% das pessoas se apresentam com dor de cabeça grave com início súbito (thunderclap) ? o “pior tipo de dor cabeça em toda a vida”. A sensibilidade diagnóstica da TC nas primeiras 12 horas é de 98% e começa a declinar a partir de então. A angiografia por TC não consegue detectar até 23% de aneurismas (provavelmente, uma estimativa muito alta considerando-se os avanços tecnológicos mais recentes); portanto, a maior parte dos pacientes com HSA e angiograma por TC negativo deverão fazer angiografia com cateter.

A causa mais tratável de maus resultados é um novo rompimento de um aneurisma, que aumenta de forma substancial a mortalidade. A PAS deve ser reduzida para menos de 140mmHg até a obliteração do aneurisma por meios cirúrgicos ou endovasculares, ainda que os dados para orientar esse tipo de procedimento sejam muito limitados. O aneurisma deve ser protegido o mais rápido possível ? dentro de um período de tempo de 24 horas, a menos que as circunstâncias sejam extenuantes.

A maioria dos centros oferece procedimentos de obliteração cirúrgica e endovascular. A colocação de espirais diminui ainda mais a mortalidade de 1 ano em comparação com a cirurgia, embora não reduza a mortalidade global, e as taxas anuais de incidência de HSA pós-tratamento são mais elevadas com espirais devido à oclusão incompleta ou a aneurismas recorrentes.39

O fenômeno de isquemia cerebral tardia é a causa primária de morbidade e de mortalidade após a obliteração de aneurismas. O risco de isquemia atinge o pico máximo depois de 3 e 10 dias após o rompimento inicial. Na metade dos casos com vasoespasmo, ocorrem sintomas isquêmicos, entre os quais, pelo menos, 50% progridem para infarto cerebral. Em muitas unidades, faz-se a avaliação serial do vasoespasmo com USG com DTC, embora esse tipo de monitoramento não tenha melhorado os resultados.

As descobertas de vasoespasmo devem ser confirmadas por TC ou por angiografia com uso de cateteres em decorrência dos erros inerentes às medições por DTC. A administração oral de nimodipino é a única intervenção com benefícios comprovados,40 cuja terapia deverá ser iniciada após a hemorragia, tão logo seja possível, na dosagem de 60mg, em intervalos de 4 horas, por 21 dias ou até o momento da alta hospitalar.

Recomenda-se evitar tratamento à base de desidratação, sendo que o gerenciamento dos casos evidentes de isquemia cerebral tardia deve se fundamentar em hemodiluição leve (a maioria dos especialistas defende níveis de hematócrito variando entre 28 e 32%) e na hipertensão induzida. Esse procedimento é conhecido por terapia hiperdinâmica ou dos “três Hs” (o primeiro “H” se refere à hipervolemia, embora, atualmente, se considere a euvolemia igualmente eficaz). Mesmo que ainda não tenha sido validada, essa prática é amplamente aplicada. O uso de angioplastia para vasoespasmo sintomático não tem melhorado os resultados, mas pode ser indicado para casos refratários.

As complicações médicas e cirúrgicas da HSA incluem hidrocefalia, convulsões e perda cerebral de sal. A hidrocefalia ocorre em 20 a 30% de casos de HSA aneurismática; esse contexto justifica a indicação para drenagem ventricular externa. Uma proporção significativa de sobreviventes precisa de derivação permanente do LCE. As convulsões ocorrem em cerca de 20% de casos, em geral na hora ou imediatamente após o rompimento.

A profilaxia com medicamentos antiepiléticos é um procedimento de rotina na maioria das unidades, ainda que não tenha sido validada por estudos adequados; por essa razão, o uso desses medicamentos é descontinuado após a proteção do aneurisma e a interrupção das convulsões. A incidência de hiponatremia aumenta com o agravamento do grau clínico, sendo mais frequente em aneurismas que se localizam na artéria comunicante anterior e nos casos de hidrocefalia. O uso de reposição salina sob a forma de sódio hipertônico (NaCl a 3%) normaliza os níveis séricos de sódio.

 

Trombose de seios venosos

A incidência de trombose nas veias do cérebro é uma condição tratável, embora não seja comum, e carrega um risco muito elevado de lesões neurológicas agudas. De maneira geral, suas complicações, em especial convulsões refratárias, PIC elevada ou herniação causada por edemas venosos ou acidentes vasculares cefálicos, precisam de tratamento intensivo.

O histórico desse tipo de trombose se caracteriza pela presença de cefaleia e, comumente, de um estado hipercoagulável. O período puerperal está particularmente associado à trombose de seios venosos. Com frequência, a apresentação é de sinais neurológicos focais ou de convulsões em combinação com cefaleia. O diagnóstico poderá ser feito com TC, venografia por RNM ou angiografia convencional.

A trombose no seio sagital superior, o sítio mais comum, é o resultado de deficiências corticais frontais e parietais. O grau de disfunção aumenta com as oclusões mais posteriores. De um modo geral, a oclusão no seio lateral produz sintomas temporais ou cerebelares. O diagnóstico de determinadas variantes, como trombose na veia cerebral interna, é bastante desafiador. Essas variantes podem se apresentar como sinais de PIC elevada ou de coma profundo com postura descorticada ou descerebrada, levando à morte dos pacientes. Os estudos de imagens podem revelar a presença de hipodensidades bitalâmicas.

A anticoagulação é o grande pilar do gerenciamento. Nos dias atuais, essa hipótese costuma ser aceita, apesar de ter gerado muitas controvérsias por causa da coexistência de hemorragia.41,42 Os dados existentes sugerem que os riscos de danos são pequenos e que há um potencial significativo de benefícios, mesmo que a melhora nos resultados ainda não tenha sido comprovada.43,44

A terapia inicial se baseia na administração de heparina, seguida de varfarina após a estabilização clínica dos pacientes. O tempo de duração da anticoagulação é de, pelo menos, alguns meses e depende da etiologia subjacente. Deve-se considerar a hipótese de rompimento endovascular direto do coágulo ou de terapia fibrinolítica sistêmica nas situações em que as condições neurológicas continuarem a se agravar.

Conforme já discutido, a PIC refratária é gerenciada com opções médicas e cirúrgicas. A ocorrência de convulsões é comum depois de trombose no seio venoso, sobretudo nos casos de trombose na veia cortical. A administração de medicamentos antiepiléticos profiláticos é uma terapia razoável nesse grupo de pacientes.

 

Miastenia grave

Nas décadas de 1940 e 1950, a mortalidade causada por MG foi superior a 30%.45,46 Esse nível caiu drasticamente para 3% durante a década de 1970 e, atualmente, é ainda mais baixo devido, em grande parte, aos CUIDADOS NEUROINTENSIVOS modernos. Embora, na maior parte dos casos, a MG seja gerenciada em UTIs, qualquer paciente que precisa de suporte ventilatório para proteção das vias respiratórias ou para tratamento de fadiga respiratória exige CUIDADOS NEUROINTENSIVOS.

É extremamente importante identificar o mais rápido possível os indivíduos com risco de deterioração respiratória causada por fraqueza neuromuscular. Esses pacientes deverão ser encaminhados para UTIs para observação se o curso da doença não for muito claro ou, mais frequentemente, para intubação eletiva.

Algumas vezes, os pacientes com MG não diagnosticada se apresentam atipicamente com IR aguda de causas ostensivamente desconhecidas48 ou com incapacidade para reduzir de forma gradativa a ventilação mecânica no período pós-operatório, como resultado do bloqueio neuromuscular farmacológico. Pode ocorrer, também, de a MG revelar-se no parto.49 Portanto, o diagnóstico deve ser considerado em qualquer paciente de UTI com disfunção mecânica respiratória inexplicável.

 

Crise miastênica

Quaisquer exacerbações de MG que incluam fraqueza generalizada e envolvam os músculos respiratórios denominam-se crises miastênicas. No entanto, aplica-se “crise miastênica” também para identificar graus menores de agravamento clínico abrupto. Aproximadamente, 20% de pacientes com MG terão, pelo menos, um desses episódios, sendo que muitos indivíduos têm episódios múltiplos durante o curso da doença. Taxas elevadas de morbidade e mortalidade estão associadas à crise miastênica,50,51 o que justifica o encaminhamento para uma UTI.

Os agentes desencadeadores das crises miastênicas incluem muitas fontes de estresse sistêmico ou mesmo emocional, tais como infecção, isquemia miocárdica, desidratação, privação do sono e, a mais importante de todas, uso de medicações.52,53 Os medicamentos de bloqueio neuromuscular são os ofensores mais óbvios. O risco de agravamento da fraqueza miastênica com uso de aminoglicosídeos, quinolona e antibióticos relacionados torna-se, em geral, um grande problema no tratamento de infecções. Esses medicamentos têm efeitos incontestáveis sobre a resistência muscular em pacientes marginalmente compensados, embora, na maior parte dos casos, possam ser usados sem muito perigo.

Alguns medicamentos usados com bastante frequência, como os ß-bloqueadores, por exemplo, carregam um risco menor em pacientes miastênicos e poderão ser usados, tendo sempre em mente os riscos e benefícios relativos.

O Quadro 6 apresenta os medicamentos que podem exacerbar a fraqueza em casos de miastenia grave.

 

Quadro 6

MEDICAMENTOS QUE PODEM EXACERBAR A FRAQUEZA EM CASOS DE MIASTENIA GRAVE

Antibióticos

         Aminoglicosídeos (gentamicina, estreptomicina, entre outros)

         Antibióticos peptídeos (polimixina B, colistina)

         Tetraciclinas (tetraciclina, doxiciclina, entre outros)

         Eritromicina

         Clindamicina

         Ciprofloxacina

         Ampicilina

Antiarrítmicos

         Quinidina

         Procainamida

         Lidocaína

 

Bloqueadores da junção neuromuscular (vecurônio, pancurônio, entre outros)

Quinina

Esteroides

Hormônios tireóideos (tiroxina, levotiroxina, entre outros)

?-bloqueadores (propranolol, timolol, entre outros)

Fenitoína

 

Crise colinérgica

Embora a frequência de deterioração clínica significativa causada pelo uso excessivo de medicações anticolinesterase em casos de MG, denominada crise colinérgica, não seja muito bem definida, ela pode ser mais baixa do que se imaginava anteriormente.54 Cohen e Younger documentaram sua experiência com a descontinuação no uso de medicações colinérgicas nos casos de agravamento dos sintomas de MG aguda.55 A crise colinérgica não pôde ser diagnosticada de forma confiável em nenhum dos pacientes. Foi observada, com pouca frequência, a melhora imediata de algum paciente logo após a interrupção no uso de medicações colinérgicas; normalmente, o estado de fraqueza piora.

Quando descreveram a síndrome de crise colinérgica em pacientes miastênicos, Osserman e Genkins sugeriram a realização de um teste com 1–2mg IV de edrofônio.56 Nos casos em que houve melhora na fraqueza, eles presumiram que a crise miastência autêntica teria sido o problema e, por conseguinte, aumentaram a dosagem do inibidor da colesterase.

Se não houvesse nenhuma melhora ou se a fraqueza piorasse, presumia-se a presença de uma crise colinérgica, diminuindo-se a dosagem do inibidor da colesterase. Nos dias atuais, essa técnica não é utilizada com muita frequência, sendo que a neostigmina costuma ser usada em substituição ao edrofônio, embora ela possa ser útil em alguns casos selecionados.

 

Insuficiência respiratória e tratamento

Diversos fatores devem ser levados em conta no gerenciamento de IR miastênica. Em primeiro lugar, não é recomendável confiar em medições como a dos gases do sangue arterial e da saturação de oxigênio, considerando que condições com hipercarbia e hipóxia são sinais tardios. Em segundo lugar, é muito comum ocorrer deterioração abrupta produzida pela fadiga muscular e pela microaspiração; portanto, aconselha-se fazer a intervenção o mais rápido possível.

Outras medidas gerais incluem a obtenção de radiografias torácicas e de culturas de esputo no momento da admissão dos pacientes e, a partir daí, de forma periódica, levando-se em conta a alta incidência de infecções respiratórias. Os pacientes com risco de deterioração respiratória não deverão ser alimentados até o curso da doença se tornar razoavelmente claro. Assim como em outras condições associadas à imobilização prolongada e à atrofia por falta de uso, a administração de succinilcolina para intubação poderá produzir paradas cardíacas hipercalêmicas.

A maneira mais simples de identificar IR iminente é fazer medições seriais na beira do leito da capacidade vital (CV) e da força inspiratória negativa (FIN), com auxílio de um espirômetro manual. Essas medições, mesmo nos casos de intubação, exigem a colaboração do paciente e, por conseguinte, estão sujeitas a erro. A capacidade vital inferior a 15mg/kg, FIN inferior a 25cm de H2O, ou uma tendência descendente em ambas as variáveis, são suficientes para considerar a hipótese de intubação eletiva.

Solicitar ao paciente que conte o máximo possível de números com uma única respiração é uma forma de se obter uma estimativa, mesmo que grosseira, da CV. A incapacidade de atingir 15mg/kg é um limiar preocupante e, de um modo geral, é uma indicação para intubação se o paciente não conseguir atingir, pelo menos, 10mg/kg (correspondendo à CV de, aproximadamente, 1L). Rider e colaboradores sugeriram que as medições repetidas da CV são insuficientes para orientar a intubação de pacientes nos casos de MG.57 Há questões que extrapolam os dados desses pesquisadores, porém o ponto principal é que o curso da miastenia é imprevisível e poderá ser capturado de forma imperfeita por qualquer parâmetro.

A ventilação pressórica positiva não invasiva (especificamente, a pressão positiva das vias respiratórias em dois níveis) também é um fato a ser levado em consideração, sendo que, pelo menos, um estudo retrospectivo sugeriu que poderá evitar intubações.58 No entanto, não evita a aspiração e pode não oferecer repouso adequado a muitos pacientes. Por exemplo, a ventilação pressórica negativa ? ventilação tipo couraça ? pode ser utilizada como ponte para intubações, porém, em geral, é ineficaz e não soluciona os problemas relacionados à proteção das vias respiratórias.

Após a intubação, as metas principais são promover expansão adequada dos pulmões para evitar ou reverter a atelectasia e garantir o repouso. O uso de modos de controle ventilatório é preferível na fase inicial do procedimento, embora alguns pacientes consigam tolerar modos de suporte após o repouso. Volumes mais elevados (12–15mL/kg) e quadros com frequências mais baixas (8–10RPM) promovem a expansão pulmonar.

De maneira geral, os casos de barotrauma observados em pacientes portadores de doença pulmonar intrínseca e baixa complacência pulmonar não chegam a constituir um problema. Com frequência, as tentativas agressivas para retirar de forma gradual o suporte mecânico são contraproducentes e resultam em fadiga recorrente e atelectasia.

Na maioria das vezes, as medições seriais da CV e da FIN permitem fazer estimativas bem melhores sobre a partir de que momento um determinado paciente poderá tolerar menos suporte, embora elas não sejam muito confiáveis nos primeiros dias após a intubação. Na maioria das unidades, a interrupção no uso de medicações anticolesterase depois de intubações tem o objetivo de limitar secreções e a impactação mucoide ou colapso pulmonar.

A traqueostomia é uma opção nos casos em que o paciente exigir proteção das vias respiratórias ou precisar de ventilação mecânica por 2 semanas ou menos, nas situações em que houver fortes suspeitas de que a retirada gradual não ocorrerá dentro desse período de tempo.

 

Tratamento farmacológico de crises miastênicas

Os grandes pilares do gerenciamento das crises miastênicas são as medicações anticolesterase, os agentes imunomodulares, incluindo a IGIV, e a troca de plasma (TP).

Medicações anticolesterase. Esses medicamentos produzem secreções excessivas nos brônquios e podem causar diarreia se forem usados em combinação com a ingestão de alimentos através de tubos nasogástricos. A indicação é interromper o uso deles nas situações em que o paciente estiver intubado e reiniciar sua administração na metade da dose anterior a partir do momento em que o paciente estiver pronto para a retirada gradual da ventilação.

Algumas unidades continuam a usar esses medicamentos em doses baixas após a intubação. Alguns indivíduos apresentam respostas marcantes ao teste com neostigmina. Nessas situações, a administração de medicações anticolesterase poderá ser reiniciada um pouco mais cedo.

A dose eficaz máxima de piridostigmina (mestinon) é de cerca de 120mg em intervalos de 3 horas; alguns pacientes conseguem tolerar doses um pouco maiores se estiverem se sentindo bem. A ocorrência de efeitos colaterais gastrintestinais é menor com a piridostigmina em comparação com a neostigmina. Alguns especialistas sugerem o uso de formas parenterais de piridostigmina em pacientes com dificuldade para engolir. A resposta, no entanto, a essa forma de administração é imprevisível e poderá induzir broncorreia ou bradicardia perigosa.

O Quadro 7 apresenta uma comparação de doses e da farmacocinética de várias medicações anticolesterase.

 

Quadro 7

DOSAGENS EQUIVALENTES DE MEDICAMENTOS ANTICOLESTERASE E DURAÇÃO DA AÇÃO

Medicamento

Dose equivalente

Início

Resposta máxima

Piridostigmina (mestinon)

60mg (VO)

40min

1h

 

Neostigmina (VO)

15mg (VO)

1h

1,5h

 

Neostigmina (IM)

1,5mg (IM)

30min

1h

 

Neostigmina

0,5mg (IV)

Imediato

20min

IM: intramuscular; IV: intravenosa; VO: via oral.

 

Corticosteroides e medicamentos imunossupressivos. Ainda que os corticosteroides sejam bastante usados e considerados eficazes nos casos de MG, sua eficácia ainda não foi comprovada em testes clínicos randomizados controlados por placebo, sendo que o uso prolongado está associado a inúmeras complicações conhecidas.

Além disso, esses agentes poderão produzir efeitos adversos diretos sobre a transmissão neuromuscular quando forem os primeiros medicamentos a serem administrados e, na realidade, poderão precipitar crises miastênicas. Há controvérsias sobre os méritos de vários esquemas de dosagem.59,60 Alguns especialistas neuromusculares recomendam terapia de “pulso” com altas doses IVs; outros recomendam altas doses de terapia oral, enquanto outros, programas diários alternando doses elevadas e baixas.61–63

Em uma das séries clínicas mais amplas e citadas com maior frequência, porém não controlada e com dados antigos, 116 pacientes foram tratados diariamente com 60–80mg de prednisona até que tivessem apresentado alguma melhora e, a seguir, a terapia foi alterada para doses mais baixas em dias alternados durante vários anos.64 Com base nesse regime, 80% deles chegaram a atingir remissão completa ou uma melhora marcante, porém quase 50% apresentaram agravamento temporário da MG dentro de alguns dias após o início do tratamento.

Costuma-se administrar corticosteroides em pacientes que ainda não estão usando medicamentos imunossupressivos, estão em crise e continuam dependendo de ventilação por 2 semanas, a despeito da terapia à base de TP e de IGIV. Nos casos de crises graves, o regime mais adequado é de 1mg/kg de prednisona em uma única dose diária, continuando durante, pelo menos, 1 mês. Caso ocorra alguma melhora, o paciente deverá se comprometer a fazer, no mínimo, 6 meses de tratamento. Os indivíduos que estiverem usando esteroides antes do início da crise devem continuar com o mesmo regime ou aumentar a dose.

Ainda que o seu uso não tenha sido tão difundido, alguns estudos clínicos mostraram que os pacientes que haviam sido tratados com azatioprina (imuran) apresentaram remissão de 80% ou taxas elevadas de melhora em mais de 6 meses.65,66 Mesmo que os benefícios sejam tardios para se tornarem evidentes no contexto de cuidados intensivos, a administração de azatioprina poderá ser iniciada como agente poupador de esteroides em antecipação às terapias de prazo mais longo.

Nos casos de pacientes refratários que não conseguirem ficar sem ventilação mecânica ou que ficarem confinados no leito em decorrência do estado de fraqueza, o uso de outros agentes imunossupressivos, tais como metotrexato, mercaptopurina e ciclosporina, demonstrou alguma eficácia em pequenos testes. Da mesma forma como ocorre com a azatioprina, é razoável iniciar esses tratamentos, embora não seja uma necessidade premente nas UTIs devido ao longo período de latência para o início dos efeitos.

Troca de plasma e imunoglobulina intravenosa. Desde a primeira vez em que a TP foi utilizada no tratamento de MG na década de 1970, seus efeitos benéficos na fraqueza causada pela doença foram documentados em diversos estudos não controlados de desenhos variados.67–69 O mecanismo de ação ainda é desconhecido; há apenas uma correspondência aproximada entre melhora clínica e reduções nas titulações dos anticorpos do receptor da acetilcolina. O consenso geral é de que a TP produz apenas benefícios de curto prazo. Portanto, de maneira geral, essa prática é indicada nas situações em que a meta principal seja buscar melhorias temporárias até que uma terapia mais definitiva se torne eficaz.

Geralmente, costuma-se fazer entre três e cinco trocas de plasma (1,5–2L/troca) com o objetivo de recuperar a função pulmonar para o nível de 80% em relação ao valor normal previsto. A reposição de plasma é feita com solução salina e albumina sérica a 5%. Teoricamente, a TP de 2 litros remove 88% do anticorpo do receptor da antiacetilcolina do sangue, sendo que a manutenção do equilíbrio com o compartimento extracelular reduz os níveis dos anticorpos teciduais em 3 a 5 dias.

Isso corresponde ao tempo necessário para a melhora clínica do paciente, porém ainda não está suficientemente claro se há alguma relação causal entre os dois métodos. Normalmente, não se observa nenhum agravamento clínico com a terapia à base corticosteroides nas situações em que a TP ocorre primeiro.

A maior parte dos centros utiliza a TP somente para tratar pacientes com MG generalizada séria, nos casos de crises miastênicas ou em pacientes com fraqueza orofaríngea grave com risco de aspiração. A justificativa mais frequente é encurtar o tempo da ventilação mecânica. Essa abordagem ainda não foi validada em testes clínicos randomizados. A complicação mais preocupante da TP é a necessidade de uso de cateteres venosos centrais dedicados.

As infusões de imunoglobulina intravenosa (IGIV) humana são opções para o tratamento de MG, sendo que há inúmeros relatos anedóticos sobre o benefício,70,71 e sua eficácia foi demonstrada em apenas um único estudo randomizado prospectivo.72 A dose é um reflexo da prática nos casos da SGB aguda (400mg/kg/dia, por 4 ou 5 dias consecutivos). Embora o mecanismo de ação não seja conhecido, acredita-se que a ligação dos anticorpos do receptor da acetilcolina na imunoglobulina infundida, ou o bloqueio de fagócitos, destrua os receptores.

Os efeitos adversos da IGIV não são frequentes e incluem anafilaxia, respostas imunes de vasos locais, infarto do miocárdio, ICC e insuficiência renal. Um pequeno número de pacientes se apresenta com meningite asséptica acompanhada de cefaleia grave após a terapia com IGIV. Uma das opções é tentar o pré-tratamento com corticosteroides, acetaminofeno e anti-histamínicos. Alguns investigadores sugeriram que a IGIV pode produzir benefícios adicionais nas situações em que for usada depois da TP (o procedimento oposto poderia resultar na remoção da IGIV). Um dos benefícios em relação à TP é a possibilidade de administrar IGIV sem acesso central.

Um estudo comparativo randomizado prospectivo entre TP e IGIV no tratamento de exacerbações de MG de vários graus de gravidade envolvendo 86 pacientes concluiu que não houve diferenças significativas entre os resultados.73 Esses investigadores observaram que muitos neurointensivistas preferem a TP como terapia inicial devido à percepção mais rápida do início dos efeitos, embora isso nunca tenha sido demonstrado de forma conclusiva.

 

Síndrome de guillain-barré

Em um momento em que a poliomielite foi erradicada, a SGB, ou polineuropatia inflamatória desmielinizante, se tornou a causa mais frequente de paralisia generalizada aguda e subaguda no mundo desenvolvido. A SGB é o protótipo de IR neuromuscular e, por conseguinte, está entre as causas neurológicas mais comuns de admissões em UTIs.

Diversas séries sobre SGB publicadas na era moderna das UTIs documentaram, aproximadamente, 5% de mortalidade74–79 e sugeriram que os resultados se relacionam mais à qualidade da UTI do que a tratamentos imunes específicos. As razões para admissão de pacientes com SGB em UTIs de neurociências incluem IR ou previsão de IR e de instabilidade autonômica.

Em muitos casos, em especial quando há envolvimento da patologia axonal, os cursos em UTIs poderão ser de semanas ou mais longos. Por essa razão, a antecipação de cuidados médicos gerais é o aspecto mais importante dos tratamentos em UTIs. As estadias hospitalares podem se complicar com intubações ou traqueostomia (em torno de 50% dos pacientes de UTIs), pneumonia (25%), infecções urinárias (20%), trombose de veias profundas, hemorragia gastrintestinal (5%), embolia pulmonar ? EP (2%), hiponatremia e depressão.

 

Insuficiência respiratória

Antes da concepção inicial dos tratamentos imunes para a SGB, um terço dos pacientes precisava de ventilação mecânica. Nos dias atuais, esse número caiu drasticamente. As medições, os alertas e os fatores discutidos anteriormente sobre intubação para MG também se aplicam aos casos de IR. Até um terço de pacientes melhora de forma substancial dentro de um período de 2 a 3 semanas de terapia imune. Exatamente por isso, em geral, evita-se a prática de traqueostomia precoce, embora algumas instituições sejam mais agressivas em relação a isso.

Em uma série de 60 pacientes que haviam sido intubados para tratamento de SGB, apenas 13 puderam ser extubados depois de 3 semanas.80 Os preditores de falha incluíam idade avançada e doença pulmonar pré-existente. De um modo geral, os indivíduos que progridem de forma rápida e têm condução nervosa motora ausente apresentam a variante axonal da SGB e, provavelmente, a traqueostomia precoce seja a melhor opção para esse grupo.

 

Disautonomia

A disautonomia ocorre com mais frequência em pacientes com infecções sistêmicas ou em indivíduos com fraqueza grave, ventilados e/ou com envolvimento bulbar. De maneira geral, mesmo potencialmente séria, a disautonomia é uma condição leve que se caracteriza por alterações vasculares variando de taquicardia fixa na faixa de 110–120BPM a manifestações mais ameaçadoras, tais como extremos de hipotensão ou hipertensão.

Na maioria das vezes, as oscilações cardiovasculares são bem toleradas, porém é provável que o tratamento tenha de ser individualizado. Oscilações permanentes, mesmo na ausência de lesão em órgãos-alvo ou de suporte farmacológico, são indicações para observação contínua em UTIs.

As alterações morfológicas eletrocardiográficas no segmento ST e anormalidades nas ondas T ocorrem em uma pequena proporção de pacientes com SGB,81–83 e os relatos indicam que até um terço desses pacientes apresenta pequenas elevações nos níveis séricos da creatina fosfoquinase. Nas situações em que essas descobertas forem coincidentes, as preocupações se concentram na isquemia cardíaca até a troponina atingir níveis séricos normais.

As arritmias, além de taquicardia sinusal ou bradicardia, ocorrem em menos de 5% dos casos. Apesar dos inúmeros relatos de bloqueio cardíaco total ou de assistolia que exige a colocação de marca-passo nos casos agudos de SGB, as arritmias ainda são complicações raras.

Raramente, algum paciente apresenta episódios de “descargas parassimpáticas” ou “ataques vagais”, consistindo de rubor facial, bradicardia, aperto no tórax, dermatografia e uma sensação subjetiva de calor, às vezes depois de uma manobra de Valsalva ou de sucção endotraqueal. Logo no início do curso da doença, uma grande quantidade de pacientes apresenta respostas vasodepressoras profundas no início da ventilação com pressão positiva.

Muitos indivíduos se tornam hipotensos e são muito sensíveis aos agentes usados nas intubações sequenciais rápidas, sendo, alguns, sensíveis ao uso de metoclopramida e aos narcóticos.84 Ocasionalmente, observam-se disfunções na bexiga (em especial, retenção urinária) e paralisia na acomodação pupilar. É importante dar ênfase ao íleo, pois ele impede a nutrição e pode evoluir para o rompimento do ceco.

Nos casos de SGB, a síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético (em inglês, syndrome of inappropriate antidiuretic hormone secretion [SIADH]) é mais frequente nas situações em que se utiliza ventilação com pressão positiva e responde à restrição de líquidos. A natriurese é uma causa de hiponatremia em SGB reconhecida mais recentemente.85 O tratamento apropriado é o oposto ao da SIADH, ou seja, reposição de sódio e do volume intravascular. A distinção entre os dois procedimentos pode ser um desafio. Nos casos em que houver dúvidas sobre a causa, é mais seguro medir a pressão venosa central antes de partir para a reposição agressiva de sódio.

Quase sempre, a hipotensão ortostática é onipresente nos casos de SGB e, com frequência, é o resultado de repouso prolongado no leito e de desidratação. A insuficiência autonômica pode contribuir em alguns pacientes. Os episódios de hipotensão profunda na posição em supino constituem um tipo de problema mais ardiloso. Esses períodos, que duram alguns minutos ou menos, em geral se alternam com breves períodos de hipertensão grave.

A queda da PA pode ser suficiente para causar perda de consciência. O tratamento pode se tornar muito difícil, e a reposição de líquidos é a terapia de primeira linha, seguida pelo uso cauteloso de vasopressores como a fenilefrina. A hipotensão pronunciada e persistente (com mais de alguns minutos de duração) pode ser uma causa.

 

Dor

A dor é um problema subavaliado em UTIs nos casos da SGB.86,87 Como se agrava à noite, a dor perturba o sono e contribui para a fadiga física e respiratória. Ainda que sejam eficazes, medicamentos como a gabapentina ou a carbamazepina, em geral, não são boas indicações.88 Os narcóticos são eficazes, porém a sedação e a hipomotilidade intestinal se tornam problemáticas. Nos casos graves, a administração de uma grande dose única de corticosteroides pode ser útil. Compressas quentes e massagem são adjuvantes consideráveis. Analgesia epidural é o tratamento mais eficaz nos casos mais graves.

 

Terapia imunomoduladora

Inúmeros estudos conseguiram resultados equivalentes com TP e com IGIV na SGB. O tempo para melhorar um grau clínico em uma escala de 5 pontos (por exemplo, retirar de forma gradual a ventilação, caminhar depois de ter permanecido muito tempo no leito) e o tempo de duração na ventilação mecânica podem ser reduzidos em, aproximadamente, 50% em comparação com os controles.89

A IGIV tem sido a escolha preferida porque é fácil de administrar, embora o efeito clínico da TP seja equivalente, e aparentemente não envolve riscos excessivos em pacientes com disfunções autonômicas mais leves. Atualmente, não se utilizam altas doses de corticosteroides com muita frequência em casos de SGB, considerando que não há evidências de que esses medicamentos alterem o curso da doença aguda, mesmo que sejam eficazes nos casos que continuarem a progredir dentro de um período de 4 a 8 semanas após o início dos sintomas.

Com frequência, o problema surge em pacientes que não conseguem melhorar ou que deterioram apesar do tratamento com IGIV ou com TP. É provável que a tendência de continuar o tratamento ou mudar para outra alternativa (IGIV depois de TP ou vice-versa, ou mesmo partir para o uso de corticosteroides) encontre alguma resistência nesses casos; porém, não há dados definitivos que possam dar sustentação a esse tema.

Aproximadamente, 10% dos indivíduos deterioram em 1 semana ou 2 depois de responderem ao curso de qualquer um desses tratamentos, talvez por causa do retorno da atividade imune direcionada contra os nervos. Grande parte desses pacientes melhora com um segundo curso e, em geral, não continua apresentando recidivas crônicas.

 

Convulsões e estado epilético

O EE é uma emergência neurológica. Define-se EE como uma série de convulsões consecutivas sem retorno ao estado normal entre eventos ou uma convulsão contínua que persiste por tempo suficiente para produzir danos cerebrais. O tempo de duração das convulsões contínuas varia entre 10 e 30 minutos, ao passo que as convulsões tônico-clônicas típicas duram menos de 5 minutos.

Qualquer paciente com convulsões incontroláveis precisa ser encaminhado para uma UTI devido à necessidade potencial de opções de tratamento avançado como sedação com ventilação mecânica, assim como para o gerenciamento do sistema nervoso central (SNC) e dos efeitos sistêmicos das convulsões e dos agentes usados no seu controle.

A maior parte dos casos de EE é causada pelo novo surgimento de algum transtorno convulsivo de longa duração.90 Com frequência, observam-se níveis subterapêuticos dos AEDs domésticos ou de alterações recentes no regime de AEDs. Os agentes desencadeadores alternativos em pacientes com histórico de convulsões incluem infecções ou outros estressores físicos. Os agentes estimuladores em pacientes epiléticos e não epiléticos incluem consumo de bebidas alcoólicas, medicamentos, infecções no SNC, trauma, lesões por massa (em especial, nos lobos temporais), irritantes subaracnóideos (sangue, infecções), anoxia e distúrbios metabólicos graves.

Os AVCs são complicados por convulsões com mais frequência em crianças do que em adultos. A atividade convulsiva constante poderá causar danos nos hipocampos, deixando os pacientes em estados anestésicos idênticos àqueles que, em geral, se observam depois de paradas cardíacas. Esse fato se manifesta por meio de alterações no sinal T2 nos lobos temporais médios RNM, que são parcialmente reversíveis.

 

Estado epilético não convulsivo

O EE não precisa, necessariamente, estar associado a atividades convulsivas; pode se manifestar apenas como convulsão eletrográfica em curso. Nessa hipótese, denomina-se estado epilético não convulsivo (EENC). Cada vez mais, esse tipo de problema é reconhecido como uma das causas ou como causa contribuinte para estados mentais alterados ou coma persistente nos ambientes de UTIs.91 Em UTIs médicas, alguns estudos encontraram uma incidência de 20% de EENC entre pacientes gravemente enfermos, sem diagnóstico neurológico, que estavam sendo monitorados por EEG por suspeita de convulsões ou de estado mental alterado.92

Exames clínicos cuidadosos conseguem revelar situações como pálpebras intermitentes ou contração nos dedos. O diagnóstico de EENC poderá ser melhorado substancialmente com monitoramento contínuo com EEG,93 considerando que as convulsões são intermitentes na maioria das vezes. Em uma série recente, 88% das convulsões foram capturadas dentro de 24 horas.94 Esse percentual aumentou para 93% em 48 horas, sendo que a maior parte dos episódios eram do tipo não convulsivo.

Deve-se considerar o uso contínuo de EEG em qualquer paciente de UTI com estado mental alterado sem nenhuma explicação, sobretudo naqueles com oscilação no nível de consciência, lesão cerebral, histórico de convulsões ou manifestações motoras estereotipadas.

 

Tratamento de estado epilético

O tratamento de EE converge para diversos princípios básicos e medicações. A troca adequada e quase uniforme do gás respiratório requer intubação e ventilação mecânica. O monitoramento contínuo com EEG é imprescindível para acompanhar o efeito do tratamento. Há um prêmio para quem conseguir interromper as convulsões no espaço de tempo mais curto possível, sejam elas convulsivas ou puramente eletrográficas. A terapia inicial preferida é a administração IV de lorazepam.95 Outros medicamentos que pertencem à mesma classe, como diazepina e midazolam, assim como o propofol, também interrompem a maior parte das convulsões.

O uso de benzodiazepínicos deve ser acompanhado pela administração de um entre os vários anticonvulsivantes convencionais. Nas situações em que os pacientes estiverem tomando um AED em doses submáximas, o primeiro passo costuma ser aumentar a dose do mesmo agente. De maneira geral, nos casos em que as convulsões são mais resistentes ao controle, torna-se necessário adicionar um novo AED, normalmente a fenitoína, ou qualquer outra medicação com formulação parenteral. Recomenda-se administrar uma dose de carga, seguida por doses de manutenção, e verificar o nível sérico logo após a carga inicial.

Os problemas mais desafiadores ocorrem no EE refratário nas situações em que as convulsões não se interrompem com a administração de benzodiazepínicos e de um anticonvulsivante tradicional. Diversos estudos sugerem que, se um AED convencional não interromper o EE, provavelmente a adição de outro AED também não o conseguirá. Nessas circunstâncias, as duas abordagens principais são administração IV contínua de 2–10µg/kg/min de midazolam ou 1–15mg/kg/h de propofol.96,97

O uso de propofol está associado a vários problemas potenciais, sendo que o mais sério deles é a síndrome da infusão de propofol, que se caracteriza por uma combinação potencialmente fatal de insuficiência renal e cardíaca, hipercaliemia e acidose. Os barbitúricos, que antigamente eram usados com essa finalidade, deixaram de ser a terapia farmacológica preferida por inúmeras razões, ainda que sejam eficazes nos casos de falha da terapia à base de benzodiazepínicos e de propofol.

O suporte vasopressor talvez seja necessário como adjuvante à terapia com administração IV de anticonvulsivantes em doses efetivas. Embora seja improvável que resulte em danos de longa duração no SNC, o EENC também deveria receber tratamento agressivo.

Após o controle das convulsões, o uso de novos AEDs poderá ser iniciado e ser acompanhado de uma leve sedação. Nos casos em que houver recorrência das convulsões, apesar dos níveis terapêuticos de diversos AEDs, é necessário silenciar eletricamente o cérebro por meios farmacológicos durante alguns dias.

O Quadro 8 apresenta as medicações anticonvulsivantes usadas no tratamento de EE.

 

Quadro 8

MEDICAÇÕES ANTICONVULSIVANTES USADAS NO TRATAMENTO DE ESTADO EPILÉTICO

 

Medicamento

Via

Dose de carga (mg/kg)’

Dose de manutenção

Diazepam

IV, TE

0,2–0,5 a 2–4/min

Nenhuma

 

Lorazepam

IV, TE

0,1–2/min

9mg/h

 

Midazolam

IV

0,05–2 a <4/min

0,75–10µg/min

 

Fenitoína

IV

20–50/min ou 1/min

 

5mg/kg

Fosfenitoína

IV

20–150/min ou 3/min

 

5mg/kg

Tiopental

IV

12, em alguns segundos

250mg/min

 

Etomidato

IV

0,3

30mg/s

 

Propofol

IV

2–3

1–15mg/kg/hora

 

Valproato

IV

20–40 a 3–6/min

 

 

Isoflurano

Inalatório

 

 

 

Cetamina

IV

1–4,5

10–50 µg/kg/min

 

IV: intravenosa; TE: tubo endotraqueal.

 

Normalmente, a meta a ser alcançada é o padrão de surto-supressão, que consiste de apenas um surto curto de atividade elétrica por 10 segundos. O propofol é um agente usado com bastante frequência, embora o midazolam ou os barbitúricos também sejam boas alternativas.

Depois de, aproximadamente, 24 horas de supressão de surto, a dosagem do agente IV contínuo deverá ser reduzida em 25%, em intervalos de algumas horas, na medida em que se observa o EEG para verificar a eventual presença de recorrências convulsivas. Durante todo esse período, é imprescindível que todas as medicações anticonvulsivantes estejam em níveis terapêuticos e que a etiologia subjacente, caso seja conhecida, seja tratada de forma agressiva. Essa causa subjacente, mais do que as próprias convulsões, é que determina o prognóstico.

 

Lesão na medula espinal

Os custos dos tratamentos de lesões agudas na medula espinal para os pacientes, as famílias e a sociedade como um todo são extremamente elevados. Na maior parte dos casos, as lesões na medula espinal (LMEs) acometem adultos jovens, resultando em longos períodos de incapacitação. Embora os cuidados emergenciais avançados e os cuidados em UTIs tenham melhorado a sobrevida, os ganhos na recuperação funcional ainda permanecem indefinidos.

A maior parte dos casos de LME é traumática, normalmente causada por acidentes de carro e quedas, sendo que a coluna cervical é afetada com mais frequência. As lesões associadas na cabeça são muito comuns. As etiologias não traumáticas incluem infecções como abscessos epidurais, tumores compressivos ou invasivos, infarto e desmielinização. Provavelmente, os pacientes com LME precisem ser encaminhados para UTIs por causa de fatores como traumas múltiplos, recuperação de cirurgia reparadora extensiva ou instabilidade cardiovascular ou respiratória.

Os indivíduos com LME aguda, em sua maioria, precisam de gerenciamento cirúrgico. A meta principal dos cuidados em UTIs é evitar lesões secundárias e impedir complicações médicas. É fundamental imobilizar qualquer parte da coluna com suspeita de lesão. As lesões rostrais em C5 quase sempre resultam em respiração ausente ou ineficaz que necessita de intubação e de ventilação mecânica.

Com frequência, o uso de intubação de fibra ótica permite manter a coluna cervical imobilizada. A disfunção do sistema nervoso simpático pode ser pronunciada, sobretudo nos casos de lesões acima do nível torácico médio, podendo resultar em choque neurogênico. Ainda não se conhece a PA ideal nessa situação. Teoricamente, a melhora na PA ajuda a evitar lesões secundárias causadas por isquemia espinal.

Estudos não controlados sugerem que há algum benefício em manter a PAM acima de 85mmHg durante, pelo menos, 7 dias98,99 e, embora isso não tenha se transformado em um padrão de tratamento, pratica-se com bastante frequência e parece ser seguro. Em todos os casos, deve-se evitar hipotensão manifesta (PAS <90mmHg ou PAM <60mmHg).

O gerenciamento da PA baixa deve ser feito primeiramente com reposição hídrica agressiva e, a seguir, com vasopressores. A dopamina é um bom agente de primeira linha, tendo em vista que neutraliza também a bradicardia causada por choque espinal que, por sua vez, poderá ser pronunciada e exigir gerenciamento independente. Nenhum protetor farmacológico chegou a ser validado para tratamento de lesão na medula espinal. Altas doses de esteroides, em especial a metilprednisolona, foram estudas extensivamente para tratamento de lesão aguda na medula espinal,100 porém há controvérsias sobre sua eficácia, não sendo frequente seu uso nos dias atuais.

 

Lesão cerebral traumática

Há um consenso geral, apesar de pouco documentado, de que os cuidados intensivos modernos tenham reduzido a mortalidade em pacientes com LCT. Várias orientações com base em evidências foram desenvolvidas no esforço de padronizar o tratamento de pacientes com essa doença.

A orientação principal, atualizada pela última vez em 2000, foi desenvolvida, conjuntamente, pela Brain Trauma Foundation, pela American Association of Neurological Surgeons, pelo Congress of Neurological Surgeons e pela Joint Section on Neurotrauma and Critical Care. Esses seis relatórios conjuntos fazem recomendações sobre monitoramento e tratamento de PIC, PA, oxigenação e temas relacionados.101–104

O National Traumatic Coma Data Bank também publicou uma série de relatórios que são particularmente úteis no que diz respeito aos resultados.105–108 Esta seção apresenta uma breve revisão dos aspectos principais do gerenciamento em UTIs.

Gerenciamento de lesão cerebral traumática em UTIs

Qualquer paciente com alguma lesão intracraniana identificável e/ou com déficit neurológico como resultado de traumatismo craniano deve ser encaminhado para uma UTI, e muitos podem necessitar de gerenciamento cirúrgico. A maior parte dos tratamentos de LCT em UTIs tem como foco o controle da PIC e, por conseguinte, a manutenção de PPC adequada por meio dos métodos descritos anteriormente. A meta global é impedir a ocorrência de lesões secundárias e gerenciar as sequelas da lesão neurológica.

Os pilares do monitoramento neurológico são exames neurológicos seriais e monitoramento invasivo da PIC. Além disso, é importante obter radiografias do cérebro em intervalos regulares ou depois de alterações significativas nos exames ou na PIC global. Com frequência, faz-se a profilaxia das convulsões com levetiracetam (500mg, 2x/dia) ou com fenitoína (100mg, 3x/dia) durante a primeira semana em todos os pacientes com patologia intracraniana traumática. Os agentes neuroprotetores e a hipotermia obtiveram pouco sucesso109 e, nos dias atuais, não são considerados componentes básicos do tratamento de traumatismo craniano.

Os pacientes entram em um estado catabólico, que exige suplementação de calorias e de proteínas. Nesse caso, estão propensos a inúmeras complicações, incluindo coagulopatia, hemorragia gastrintestinal, tromboses de veias profundas, EP e infecções frequentes nos pulmões e no trato urinário. Considerar esses fatores é fundamental para os resultados e para o gerenciamento de lesões neurológicas.

Gerenciamento de HIA secundária a traumas. As orientações em vigor recomendam monitoramento da PIC em pacientes com lesão craniana grave e com: varredura por TC anormal na admissão (presença de hematomas, contusões, edema ou compressão nas cisternas basais); varredura por TC normal se o paciente apresentar, pelo menos, dois entre os seguintes fatores: idade acima de 40 anos, postura motora unilateral ou bilateral, ou PAS inferior a 90mmHg.

Muitas unidades usam monitores de PIC em pacientes que não podem ser examinados por causa da sedação. Dados descontrolados coletados logo após a introdução do monitoramento da PIC indicam que a mortalidade é mais baixa com o monitoramento rotineiro da PIC em comparação com controles históricos.110,111 Além disso, vários estudos sugerem que a proporção entre valores diários da PIC acima de 20 é preditora de maus resultados. A melhoria nos resultados com redução agressiva da pressão é incerta.

A abordagem padrão das UTIs de neurociências à sedação envolve o despertar periódico dos pacientes (a cada hora) para avaliação neurológica. No entanto, alguns indivíduos com LCT se tornam extremamente agitados e apresentam elevações acentuadas na PIC a partir do momento em que a sedação perde o efeito. A decisão de reduzir a sedação, nesses casos, deverá ser tomada mantendo-se em mente os benefícios relativos. Essa situação poderá se tornar particularmente problemática nos casos em que ocorrer a retirada gradual do suporte de ventilação mecânica, considerando que esses pacientes não conseguem tolerar doses sedativas suficientemente baixas para permitir a respiração espontânea efetiva.

Uma das alternativas envolve o uso de um agonista a central e de dexmedetomidina sedativa. Esse agente é relativamente exclusivo em sua capacidade de produzir sedação com supressão respiratória e efeitos cardiovasculares bem menores em comparação com outros medicamentos, ainda que a bradicardia induzida seja uma grande preocupação. O custo elevado da dexmedetomidina limita a sua disponibilidade.

Craniectomia descompressiva. O objetivo da cirurgia para pacientes com LCT é descomprimir a abóboda craniana por meio da remoção de hematomas e, eventualmente, o cérebro adjacente contundido ou necrótico, removendo-se porções do crânio, fazendo uma incisão na dura-máter e removendo-se fragmentos de materiais estranhos, assim como de fraturas cranianas deprimidas. A craniectomia, em particular, foi objeto de um teste randomizado recente (o estudo Decra) para tratamento de LCT.112

A craniectomia foi comparada ao melhor tratamento médico nos casos em que a PIC era superior a 20mmHg por um tempo de duração pré-determinado. O procedimento obteve bastante êxito na redução da PIC, embora os resultados clínicos tenham sido piores no grupo que fez cirurgia. Esse teste foi muito criticado em relação ao limiar da PIC para intervenção e ao tipo de cirurgia descompressiva.

Encontra-se em fase de execução um segundo teste randomizado com descompressão unilateral em um limiar mais elevado da PIC. A craniectomia descompressiva ainda é utilizada no tratamento de HIA em casos de LCT, porém seu futuro depende dos resultados combinados desses estudos.

 

Coma e morte cerebral

Coma

Coma, definido como um estado de insensibilidade sem a capacidade de interagir com o ambiente de qualquer forma, é uma rota final comum de muitas lesões no sistema nervoso. O estado de coma é uma transição gradual com outros estados mentais deprimidos, como estupor e letargia, sendo que todos são mais bem descritos pela quantidade de estímulo necessária para obter uma determinada resposta, como, por exemplo, abrir os olhos.

Os estados mentais deprimidos são o resultado de alguma lesão no sistema excitatório ascendente, composto por estruturas na ponte rostral, mesencéfalo, tálamos, hipotálamo e hemisférios cerebrais. Para causarem um impacto significativo sobre o nível de consciência, as lesões acima do mesencéfalo devem ser bilaterais.

É extremamente importante fazer a distinção cuidadosa entre coma e catatonia, mutismo acinético e síndrome de bloqueio (quadriplegia, anartria, paralisia nos movimentos horizontais dos olhos). A presença da síndrome de bloqueio é uma possibilidade em qualquer paciente com falta aparente de sensibilidade e com evidências de lesões pontinas. Por outro lado, estados minimamente conscientes e vegetativos são consequências potenciais do coma.

Após a estabilização médica dos pacientes comatosos, é imprescindível fazer exames laboratoriais incluindo nível glicêmico, painel químico completo, testes da função hepática, nível de amônia, gases do sangue arterial, varredura toxicológica completa, lactato e testes da função da tireoide. A presença ou ausência de sinais neurológicos focais ajuda a determinar a causa. Se a etiologia não for muito clara, as intervenções iniciais incluem glicose seguida de administração IV de tiamina e administração cautelosa de naloxona nos casos de suspeita de intoxicação por opiáceos.

As imagens por TC da cabeça são essenciais. O EEG é indicado para qualquer coma de etiologia desconhecida ou nos casos de suspeita de convulsões. Em quadros clínicos apropriados, a punção lombar também é uma opção a ser considerada para avaliar a eventual presença de meningite, encefalite ou PIC elevada. O atendimento em UTIs se aplica somente aos casos em que a etiologia subjacente estiver suficientemente clara.

A determinação de prognósticos após o estado de coma pode ser extremamente difícil. Existem orientações claras somente para umas poucas situações (por exemplo, depois de paradas cardíacas), sendo que, em muitos casos, o prognóstico se baseia em dados anteriores aos cuidados intensivos modernos. Estudos recentes de imagens também lançam algumas dúvidas sobre os conceitos tradicionais de consciência e mostram a comunicação com um pequeno número de indivíduos que haviam sido previamente considerados como “vegetativos”.113

A gravidade das lesões, a etiologia e a idade do paciente são, sem dúvida, alguns dos fatores mais importantes: os mais jovens e aqueles que têm coma causado por trauma tendem a apresentar as melhores recuperações. Embora esses fatores tenham impacto no prognóstico, infelizmente não levam a conclusões concretas na esmagadora maioria dos casos.

 

Morte cerebral

Nos casos em que a lesão cerebral for particularmente grave, o estado de coma poderá ser acompanhado de perda irreversível dos reflexos do tronco cefálico e de apneia. No quadro clínico correto, essa tríade é uma forte indicação de morte cerebral. Colocada de uma forma bem simples, a morte cerebral é a perda irreversível de todas as funções do cérebro.

A morte cerebral foi reconhecida pela primeira vez, em nível nacional, após a aprovação do Uniform Determination of Death Act, em 1981, que igualou a morte cerebral à morte por qualquer outra causa sob os pontos de vista médico e legal. As causas mais comuns de morte cerebral incluem trauma, eventos cerebrovasculares e isquemia cerebral global ou anoxia, em geral como resultado de paradas cardiopulmonares.

O diagnóstico de morte cerebral é clínico, ainda que inúmeros testes auxiliares, atualmente, sejam reconhecidos como diagnósticos, podendo ser necessários nas situações em que o exame clínico for comprovadamente inadequado. Nos dias atuais, existem várias orientações diagnósticas à disposição dos médicos,114 mesmo que haja algumas divergências entre os centros médicos em relação às especificidades, e cada Estado tem leis ligeiramente diferentes aplicáveis à morte cerebral.

O desenvolvimento de morte cerebral como um conceito médico legal passou a ter um impacto significativo sobre a doação de órgãos. As organizações ligadas à aquisição local de órgãos devem sempre receber a notificação de morte cerebral antes da extubação terminal. Nessa situação, recomenda-se tomar muito cuidado para evitar conflitos de interesses entre as equipes de atendimento médico e os pacientes. Entretanto, com frequência, a oportunidade de doar um “presente de vida” a outra pessoa é um alento para as famílias enlutadas.

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