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O Uso Clínico de Hemocomponentes

Última revisão: 20/08/2009

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Reproduzido de:

Guia para o Uso de Hemocomponentes

Série A. Normas e Manuais Técnicos [Link Livre para o Documento Original]

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Secretaria de Atenção à Saúde

Departamento de Atenção Especializada

Brasília / DF – 2008

 

3 O Uso Clínico de Hemocomponentes

A Hemoterapia moderna se desenvolveu baseada no preceito racional de transfundir-se somente o componente que o paciente necessita, baseado em avaliação clínica e/ou laboratorial, não havendo indicações de sangue total. A maioria das padronizações de indicação de hemocomponentes está baseada em evidências determinadas através de análise de grupos de pacientes, nunca devendo ser empíricas ou baseadas somente na experiência do profissional médico envolvido. As indicações básicas para transfusões são restaurar ou manter a capacidade de transporte de oxigênio, o volume sangüíneo e a hemostasia.

Devemos ressaltar que as condições clínicas do paciente, e não somen­te resultados laboratoriais, são fatores importantes na determinação das necessidades transfusionais. Sabemos também que apesar de todos os cuidados, o procedimento transfusional ainda apresenta riscos (doença infecciosa, imunossupressão, aloimunização), devendo ser realizado somente quando existe indicação precisa e nenhuma outra opção terapêutica.

Como o procedimento transfusional apresenta risco potencial, a deci­são deve ser compartilhada pela equipe médica com o paciente ou seus familiares, se este não tiver condição de entendimento, os riscos devem ser discutidos e todas as dúvidas devem ser esclarecidas. Em situações relacionadas com crenças religiosas existem orientações específicas que devem ser discutidas com o médico hemoterapeuta do serviço.

 

PRINCÍPIOS QUE DEVEM SER CONSIDERADOS PELO MÉDICO ANTES DA DECISÃO DE TRANSFUNDIR O PACIENTE

      A indicação de transfusão deve ser feita exclusivamente por médico e baseada principalmente em critérios clínicos.

      A indicação de transfusão poderá ser objeto de análise por médico do serviço de hemoterapia.

      Toda a transfusão traz em si riscos, sejam imediatos, ou tardios.

      Os benefícios da transfusão devem superar os riscos.

 

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A TRANSFUSÃO

      A requisição do produto hemoterápico deve ser preenchida da forma mais completa possível, prescrita e assinada por médico e estar registrada no prontuário médico do paciente.

      Não existe contra-indicação absoluta à transfusão em pacientes com febre. É importante diminuir a febre antes da transfusão, porque o surgimento de febre pode ser um sinal de hemólise ou de outro tipo de reação transfusional.

      É rara a necessidade de aquecer um produto hemoterápico antes da transfusão. Quando indicada, deve ser feita de forma controlada, com aquecedores dotados de termômetro e alarme sonoro, sob orientação e monitoramento de profissional responsável.

      Nenhuma transfusão deve exceder o período de infusão de 4 horas. Quando este período for ultrapassado a transfusão deve ser interrompida e a unidade descartada.

      Não deve ser adicionado nenhum fluido ou droga ao produto hemoterápico a ser transfundido.

      Hemácias podem ser transfundidas em acesso venoso compartilhado, apenas, com cloreto de sódio 0,9% (SF). É desnecessário diluir o concentrado de hemácias antes da infusão. O hematócrito do con­centrado de hemácias permite geralmente bom fluxo de infusão.

      Todo o produto hemoterápico deve ser transfundido com equipo com filtro de 170 µ capaz de reter coágulos e agregados.

      Finalmente, qualquer orientação quanto à conduta para transfusão de determinados hemocomponentes através da determinação de critérios, protocolos ou guias de utilização nem sempre levam em consideração variações e características individuais dos pacientes, portanto, estas orientações não devem ter a intenção de suplantar a avaliação criteriosa e individualizada do profissional médico en­volvido com o tratamento do paciente que leva em consideração situações clínicas particularizadas e/ou especiais, porém devem servir como orientação básica no processo decisório.

 

3.1 CONCENTRADO DE HEMÁCIAS

3.1.1 Indicações e Contra-indicações

A transfusão de concentrado de hemácias (CH) deve ser realizada para tratar, ou prevenir iminente e inadequada liberação de oxigênio (O2) aos tecidos, ou seja, em casos de anemia, porém nem todo estado de anemia exige a transfusão de hemácias. Em situações de anemia, o organismo lança mão de mecanismos compensatórios, tais como a elevação do débito cardíaco e a diminuição da afinidade da Hb pelo O2, o que muitas vezes consegue reduzir o nível de hipóxia tecidual.

 

Transfusão de Concentrado de Hemácias em Hemorragias Agudas

A fisiologia do sangramento e a resposta à hemorragia são situações bem conhecidas. O volume sanguíneo normal corresponde a aproxi­madamente 8% do peso corpóreo (4,8l em indivíduo adulto com 60 kg). As perdas sanguíneas podem ser classificadas em:

 

      Hemorragia classe I - perda de até 15% do volume sanguíneo.

      Hemorragia classe II - perda sanguínea de 15% a 30%.

      Hemorragia classe III - perda de 30% a 40%.

      Hemorragia classe IV - perda maior que 40%.

 

Pacientes com hemorragia classe III e IV podem evoluir para óbito por falência múltipla de órgãos se não forem submetidos a esquemas de ressuscitação na primeira hora. A transfusão de CH está recomendada após perda volêmica superior a 25% a 30% da volemia total.

O hematócrito não é bom parâmetro para nortear a decisão de transfundir, uma vez que só começa a diminuir uma a duas horas após o início da hemorragia. Em hemorragias agudas o paciente deve ser imediatamente transfundido quando apresentar sinais e sintomas clínicos, como os a seguir:

 

      Freqüência cardíaca acima de 100 bpm a 120 bpm.

      Hipotensão arterial.

      Queda no débito urinário.

      Freqüência respiratória aumentada.

      Enchimento capilar retardado (> 2 segundos).

      Alteração no nível de consciência.

 

Transfusão de Concentrado de Hemácias em Anemia Normovolêmica

De modo geral, anemias em que o nível de Hb é superior a 10 g/dl (Hct superior a 30%) são bem toleradas, e só excepcionalmente, requerem transfusão. Inversamente, quando a Hb é inferior a 7 g/dl existe grande risco de hipóxia tecidual e comprometimento das funções vitais. Neste caso, o paciente se beneficia com a transfusão de CH. Entre 7 e 10 g/dl de Hb, a indicação de transfusão fica na dependência da avaliação do estado clínico do paciente.

Um exemplo é o que ocorre em pacientes com doenças pulmonares obstrutivas crônicas que devem ser mantidos com Hb acima de 10 g/dl. Do mesmo modo, pacientes com cardiopatias isquêmicas, se bene­ficiam com níveis de Hb acima de 9 a 10 g/dl. Em pacientes acima de 65 anos de idade, sintomáticos, é aceitável transfundir com níveis de Hb < 10 g/dl.

Do ponto de vista prático, anemias de instalação crônica, que cursam com normovolemia, são muito melhor toleradas do que anemias de instalação aguda.

Em situações de anemia, sempre que possível, deve-se considerar outras formas de intervenções terapêuticas, tais como reposição de ferro ou o tratamento com eritropoetina, antes da transfusão.

De maneira ideal, a decisão da realização da transfusão de CH deve ser baseada em uma constelação de fatores clínicos e laboratoriais, tais como: idade do paciente, velocidade de instalação da anemia, história natural da anemia, volume intravascular e a presença de co-fatores fisiológicos que afetam a função cardiopulmonar.

Do ponto de vista prático, alguns aspectos devem ser levados em consideração e a transfusão deve ser considerada nas seguintes situações:

 

      Anemia aguda: para aliviar sintomas de descompensação clínica relacionados com a perda de sangue.

      Anemia crônica: para aliviar sintomas relacionados com a diminuição do volume de hemácias, quando outras intervenções terapêuticas, tais como reposição de ferro ou o tratamento com eritropoetina, ou ambas foram insuficientes.

 

A transfusão de concentrado de hemácias não deve ser considerada nas seguintes situações:

 

      Para promover aumento da sensação de bem-estar.

      Para promover a cicatrização de feridas.

      Profilaticamente.

      Para expansão do volume vascular, quando a capacidade de transporte de O2 estiver adequada.

 

Compatibilidade ABO e RhD

A compatibilidade ABO e RhD para a transfusão de hemácias pode ser vista no Quadro 1, abaixo.

 

Quadro 1: Compatibilidade ABO e RhD para transfusão de CH*

ABO/RhD do paciente

Hemácias compatíveis

O RhD positivo

O RhD positivo / O RhD negativo

A RhD positivo

A RhD positivo / A RhD negativo

B RhD positivo

B RhD positivo / B RhD negativo

AB RhD positivo

AB RhD positivo / O RhD positivo / A RhD positivo / B RhD positivo / AB RhD negativo / O RhD negativo / A RhD negativo / B RhD negativo

O RhD negativo

O RhD negativo

A RhD negativo

A RhD negativo

B RhD negativo

B RhD negativo

AB RhD negativo

B RhD negativo / O RhD negativo / A RhD negativo / B RhD negativo

* Em casos de urgência, é possível transfundir hemácias RhD positivo para pacientes RhD negativos.32

 

3.1.2 Dose e Modo de Administração

Deve ser transfundida a quantidade de hemácias suficiente para a correção dos sinais/sintomas de hipóxia, ou para que a Hb atinja níveis aceitáveis. Em indivíduo adulto de estatura média, a transfusão de uma unidade de CH normalmente eleva o Hct em 3% e a Hb em 1 g/dl. Em recém-nascidos, o volume a ser transfundido não deve exceder 10 a 15 ml/kg/hora.

O tempo de infusão de cada unidade de CH deve ser de 60min a 120 minutos (min) em pacientes adultos. Em pacientes pediátricos, não exceder a velocidade de infusão de 20-30 ml/kg/hora. A avaliação da resposta terapêutica à transfusão de CH deve ser feita através de nova dosagem de HB ou HT 1-2 horas (hs) após a transfusão, considerando também a resposta clínica. Em pacientes ambulatoriais, a avaliação laboratorial pode ser feita 30min após o término da transfusão e possui resultados comparáveis.

 

3.2 CONCENTRADO DE PLAQUETAS

3.2.1 Indicações e Contra-indicações

Os concentrados de plaquetas (CP) unitários contêm aproximadamen­te 5,5 x 1010 plaquetas em 50-60ml de plasma, já as unidades por afére­se contêm, pelo menos, 3,0 x 1011 plaquetas em 200-300ml de plasma (correspondente a 6-8U de CP unitários).

Basicamente, as indicações de transfusão de CP estão associadas às plaquetopenias desencadeadas por falência medular, raramente in­dicamos a reposição em plaquetopenias por destruição periférica ou alterações congênitas de função plaquetária.

 

a) Plaquetopenias por Falência Medular

A discussão inicial que surge quanto à indicação de transfusão de CP em pacientes portadores de plaquetopenias associadas à falência medular (doenças hematológicas e/ou quimioterapia e radioterapia) refere-se à utilização de transfusões profiláticas.

Nas situações de plaquetopenias por tempo determinado, freqüentemente associadas a métodos terapêuticos para doenças oncológicas ou onco-hematológicas, como quimioterapia, radioterapia e transplante de células progenitoras hematopoiéticas, indica-se a transfusão profilática:

 

      se contagens inferiores a 10.000/µL na ausência de fatores de risco;

      se inferiores a 20.000/µL na presença de fatores associados a eventos hemorrágicos como febre (>38°C), manifestações hemorrágicas menores (petéquias, equimoses, gengivorragias), doença transplante versus hospedeiro (GVHD – graft versus host disease), esplenomegalia, utilização de medicações que encurtam a sobrevida das plaquetas (alguns antibióticos e antifúngicos), hiperleucocitose (contagem maior que 30.000/mm³), presença de outras alterações da hemostasia (por exemplo, leucemia promielocítica aguda) ou queda rápida da contagem de plaquetas.

 

Alguns trabalhos identificam duas situações especiais:

 

      pacientes pediátricos toleram contagens plaquetárias mais baixas, definindo-se como critério de indicação de transfusão de CP contagens inferiores a 5.000/µL em pacientes estáveis;

      pacientes adultos portadores de tumores sólidos teriam maior risco de sangramento quando submetidos à quimioterapia e/ou à radioterapia associados à necrose tumoral, sendo indicado transfusão de CP se contagens inferiores a 20.000/µL.

 

Em situações em que a plaquetopenia por falência medular tem um caráter crônico (por exemplo, anemia aplástica grave, síndrome mielodisplásica, etc.), os pacientes devem ser observados sem transfusão de CP. Esta estaria indicada profilaticamente somente se contagens inferiores a 5.000/µL ou se inferiores a 10.000/µL, na presença de mani­festações hemorrágicas.

 

b) Distúrbios associados a alterações de função plaquetária

Pacientes portadores de alterações da função plaquetária raramente necessitam de transfusões de CP. Nas situações de disfunções con­gênitas como trombastenia de Glanzmann (deficiência congênita da GPIIb/IIIa), síndrome de Bernard-Soulier (deficiência da GPIb/IX), síndrome da plaqueta cinza (deficiência dos grânulos alfa) etc., a ocorrência de sangramentos graves é pouco freqüente. A recomendação terapêutica é de transfusão de CP pré-procedimentos cirúrgicos ou invasivos e no caso de sangramentos após utilização, sem resultados, de outros métodos como agentes antifibrinolíticos e DDAVP (1-deamino-8-D-arginina vasopressina).

Freqüentemente, em pacientes submetidos a procedimentos cardíacos cirúrgicos, com utilização de circulação extracorpórea por tempos superiores a 90-120min, a função plaquetária pode estar comprometida, por mecanismos associados à ativação plaquetária, desencadeando sangramento difuso intraoperatório. Nesta situação, mesmo com contagens superiores a 50.000/µL, está indicada a transfusão de CPs.

 

c) Plaquetopenias por diluição ou destruição periférica

Quatro situações importantes podem ser caracterizadas neste grupo, no qual temos uma diluição da concentração das plaquetas ou um con­sumo aumentado e/ou destruição por mecanismos imunes:

 

Transfusão maciça: espera-se uma contagem de plaquetas inferior a 50.000/µL se aproximadamente duas volemias sanguíneas forem trocadas do paciente. Nesta situação, recomenda-se a transfusão de CPs se a contagem for inferior a 50.000/µL e se inferior a 100.000/µL na presença de alterações graves da hemostasia, trauma múltiplo ou de sistema nervoso central;

Coagulopatia intravascular disseminada (CID): nesta situação, a reposição de plaquetas e fatores de coagulação é desencorajada, pois não há evidências de efeitos benéficos profilaticamente, porém, em presença de sangramentos, mesmo que sem gravidade no momento, deve-se iniciar a reposição de fatores de coagulação (PFC) e de CPs objetivando contagens superiores a 20.000/µL;

Plaquetopenias imunes: a mais freqüente forma de plaquetopenia imune é a púrpura trombocitopênica imune (PTI), associada à presença de auto-anticorpos antiplaquetas. Nesta situação, a transfusão de CPs é restrita a situações de sangramentos graves que coloquem em risco a vida dos pacientes. A terapêutica de reposição deve ser agressiva e sempre associada a formas de tratamento específico como altas doses de corticóides e imunoglobulina.

Dengue Hemorrágica: a trombocitopenia que acompanha os casos de dengue hemorrágica é causada pela presença de anticorpos que, dirigidos contra proteínas virais, apresentam reação cruzada contra antígenos plaquetários. Na prática, esta plaquetopenia se comporta como a da PTI, portanto não há indicação para a transfusão profilática de plaquetas independentemente da contagem de plaquetas no sangue periférico. A transfusão profilática de plaquetas também não está indicada nas trombocitopenias que podem acompanhar a Leptospirose e as Riquetsioses.

 

d) Procedimentos cirúrgicos ou invasivos em pacientes plaquetopênicos

Existe uma grande variedade de dados associados a indicações de transfusão de CP em pacientes plaquetopênicos submetidos a procedimentos cirúrgicos ou invasivos, porém a dificuldade de comparação entre os trabalhos leva a uma dificuldade de definição de critérios conclusivos. Existe um consenso que contagens superiores a 50.000/µL são suficientes para a maioria dos casos, exceto para procedimentos neurocirúrgicos e oftalmológicos para os quais níveis mais elevados são exigidos (superiores a 80.000 a 100.000/µL).

O Quadro 2, a seguir, demonstra diferentes critérios de indicação para transfusão de CP em situações cirúrgicas específicas que podem ser utilizados como orientação de conduta. Cabe ainda ressaltar que, nestes procedimentos, a habilidade do profissional que os executa é relevante na ocorrência de complicações.

 

Quadro 2: Indicação de transfusão para procedimentos cirúrgicos e/ou invasivos

Condição

Nível Desejado (/µL)

Punção lombar para coleta de líquor ou quimioterapia

pacientes pediátricos

pacientes adultos

superior a 20.000/µL

superior a 30.000/µL

Biópsia e aspirado de medula óssea

superior a 20.000/µL

Endoscopia digestiva

sem biópsia

com biópsia

superior a 20.000 – 40.000/µL

superior a 50.000/µL

Biópsia hepática

superior a 50.000/µL

Broncoscopia com instrumento de fibra óptica

sem biópsia

com biópsia

superior a 20.000 – 40.000/µL

superior a 50.000/µL

Cirurgias de médio e grande porte

superior a 50.000/µL

Cirurgias oftalmológicas e neurológicas

superior a 100.000/µL

 

Duas situações clínicas possuem contra-indicação formal para a transfusão de CP a menos que ocorra sangramento grave, colocando em risco a vida do paciente, estas são: púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) e plaquetopenia induzida por heparina (PIH). Esta contra-indicação se deve a associação com a piora do quadro clínico dos pacientes ou complicações tromboembólicas.

 

Compatibilidade ABO e RhD

As plaquetas possuem antígenos ABH na sua superfície e níveis de expressão variáveis individualmente. Existem evidências de que a transfusão de CP ABO incompatíveis reduz, aproximadamente, 20% o incremento da contagem pós transfusional e parece ser mais relevante quando os títulos de anticorpos naturais presentes no receptor são elevados associado a alta expressão do correspondente antígeno nas plaquetas do CP, situação esta pouco freqüente. O significado clí­nico da transfusão de CP ABO incompatível parece pouco relevante. Contrariamente, existem evidências de que a transfusão de CP ABO incompatíveis desenvolva refratariedade de causa imune - associada à aloimunização - com maior freqüência quando comparada com transfusões de plaquetas ABO idênticas. Em resumo, deve-se preferir transfusão de CP ABO compatível, porém, se esta não for possível, optar por transfusões de unidades ABO incompatíveis em pacientes que não necessitarão de suporte crônico.

A aloimunização contra o antígeno RhD está associada à contamina­ção por hemácias dos CPs. Alguns estudos demonstram a ocorrência desta aloimunização em aproximadamente 10% dos pacientes RhD ne­gativos transfundidos com CPs RhD positivos, esta é menos freqüente em pacientes onco-hematológicos e pediátricos e nos que recebem CPs obtidos por aférese (menor contaminação por hemácias) e pode ser evitada utilizando-se imunoprofilaxia anti-D (imunoglobulina anti-D).

 

3.2.2 Dose e Modo de Administração

A dose preconizada é de 1 unidade de CP para cada 7 a 10 kg de peso do paciente, porém pode-se considerar também a contagem de pla­quetas desejada dependendo da presença ou ausência de sangramento como segue:

 

Transfusões Terapêuticas (Contagem Desejada Superior a 40.000/µL):

      Adultos > 55 kg de peso – dose mínima de 6,0 X 1011 (8-10U de CP unitários ou 1U CP obtidos por aférese).

      Pacientes 15-55 kg de peso – dose mínima de 3,0 X 1011 (4-6U de CP unitários ou 0,5-1U CP obtidos por aférese).

      Crianças < 15 kg – dose de 5-10 ml/kg.

 

Transfusões Profiláticas (Contagem Desejada Superior a 25.000/µl):

      Adultos > 55 kg de peso – dose mínima de 4,0 X 1011 (6-8U de CP unitários ou 1U CP obtidos por aférese).

      Pacientes menores – dose 1U de CP unitários para cada 10 kg de peso.

 

A dose de plaquetas pode ser calculada de maneira mais detalhada ou precisa, identificando-se o incremento plaquetário desejado (IP) e levando-se em conta a volemia sanguínea (VS) e o seqüestro esplênico estimado (aproximadamente 33%), utilizando-se para isso a fórmula abaixo:

 

Dose (x109) = IP x VS / F onde:

IP – incremento plaquetário desejado (x109/l)

VS – volemia sanguínea (l)

F – fator de correção (0,67)

 

O tempo de infusão da dose de CP deve ser de aproximadamente 30min em pacientes adultos ou pediátricos, não excedendo a velocidade de infusão de 20-30 ml/kg/hora. A avaliação da resposta terapêutica a transfusão de CP deve ser feita através de nova contagem das plaquetas 1 hora após a transfusão, porém a resposta clínica também deve ser considerada. Em pacientes ambulatoriais, a avaliação laboratorial 10min após o término da transfusão pode facilitar a avaliação da resposta e possui resultados comparáveis. Dois indicadores podem ser calculados e são úteis no acompanhamento da eficácia transfusional principalmente em transfusões profiláticas:

 

Recuperação plaquetária – R (%)

R = IP x VS x 100 / dose (x109) onde:

IP – incremento plaquetário desejado (x109/l)

VS – volemia sanguínea (l)

 

Incremento corrigido da contagem (ICC)

ICC = IP x SC / dose (x1011) onde:

IP – incremento plaquetário desejado (x109/l)

SC – superfície corporal (m2)

 

Utilizando estes indicadores, define-se como uma transfusão de CP eficaz resultados de R(%) superiores a 30% em 1h e a 20% em 20-24h após a transfusão ou de ICC superiores a 7,5 em 1h e a 4,5-5,0 em 20-24h. Esta avaliação é útil na prática clínica para o diagnóstico de refratariedade plaquetária.

 

3.3 PLASMA

3.3.1 Indicações e Contra-indicações

As indicações para o uso do plasma fresco congelado são restritas e correlacionadas a sua propriedade de conter as proteínas da coagulação. O componente deve ser usado, portanto, no tratamento de pacientes com distúrbio da coagulação, particularmente naqueles em que há deficiência de múltiplos fatores e apenas quando não estiverem dispo­níveis produtos com concentrados estáveis de fatores da coagulação e menor risco de contaminação viral. Portanto, as indicações são:

 

a) Sangramento ou Risco de Sangramento causado por Deficiência de Múltiplos Fatores da Coagulação

Hepatopatia: a redução na síntese dos fatores da coagulação (I, II, VII, IX e X) diretamente correlacionada ao grau de dano do parênquima hepático e evidenciada laboratorialmente pelo alargamento do Tempo de Protrombina (TP), é um fator predisponente ao sangramento em pacientes com hepatopatia. No entanto, o distúrbio de coagulação na doença hepática é complexo, relacionado também a anormalidades em plaquetas, fibrinólise e inibidores da coagulação, além de disfibrinogenemia. O paciente hepatopata, entretanto, raramente sangra na ausência de fatores predisponentes como cirurgia, biópsia hepática ou ruptura de varizes de esôfago.

A utilização de PFC com o intuito de prevenir hemorragia nestes pacientes pode ser feita, mas corrige incompletamente o distúrbio da hemostasia e não é consenso, pois as alterações plaquetárias e vasculares parecem ser mais importantes nesta circunstância. Não há evidências que indiquem a eficácia da transfusão de PFC antes da realização de procedimentos invasivos com o objetivo de prevenir complicações hemorrágicas. Nestes casos, a utilização de técnica cirúrgica cuidadosa realizada por profissional experiente na realização do procedimento parece ser o principal fator para prevenir tais complicações.

A resposta ao PFC é imprevisível na hepatopatia e não existe correlação entre alteração do TP e risco de sangramento. Evidências sugerem que não há benefício da reposição de PFC em pacientes com TP alargado sem sangramento. Hepatopatas com sangramento ativo, por outro lado, podem se beneficiar da reposição de fatores da coagulação a partir do PFC. Por sua vez, o Complexo Protrombínico é eficaz na correção da deficiência de fatores de coagulação no hepatopata. No entanto, sua associação com eventos trombóticos desencoraja o uso nestes pacientes.

Coagulação Intravascular Disseminada (CID): este grave distúrbio da hemostasia, associado à septicemia, à perda maciça de sangue, à in­júria vascular grave ou à presença de veneno de cobras, líquido amniótico e enzimas pancreáticas na circulação desequilibra o mecanismo da coagulação. Todos os fatores da coagulação estão diminuídos na CID, mas o Fibrinogênio, FVIII e FXIII são os mais afetados. O quadro clínico apresentado pelo paciente varia de sangramento microvascular importante a apenas alterações laboratoriais. O tratamento da condição desencadeante é a abordagem adequada para estes pacientes, mas a transfusão de PFC associada à reposição de outros hemocomponentes (Concentrado de Plaquetas e Crioprecipitado) está indicada quando há sangramento. No paciente sem hemorragia a transfusão de hemocomponentes não se justifica.

 

b) Sangramento Severo causado por Uso de Anticoagulantes Orais (Warfarina) ou Necessidade de Reversão Urgente da Anticoagulação

Sangramento relacionado à ação excessiva da Warfarina, evidenciada por alargamento do TP padronizado pelo INR (International Normalized Ratio) pode ser corrigido por uma série de medidas como a suspensão do anticoagulante, administração oral ou parenteral da vitamina K e transfusão de PFC ou de Complexo Protrombínico (Concentrado de Fatores II, VII, IX e X), de acordo com a gravidade do quadro apresentado pelo paciente.

A utilização do PFC (15 ml/kg a 20 ml/kg) em pacientes com sangramento importante relacionado à anticoagulação oral pode ser feita para reverter rapidamente seu efeito. Recomenda-se a associação de administração de vitamina K.

Quando disponível, o Complexo Protrombínico é preferível ao PFC, por apresentar menor risco de transmissão de vírus.

 

c) Transfusão Maciça com Sangramento por Coagulopatia

A depleção dos fatores de coagulação não é comum em pacientes submetidos a transfusão maciça a não ser quando apresentam distúrbio associado da coagulação. A coagulopatia no trauma é complexa resultando do efeito da perda sanguínea, acidose, hipotermia, consumo, fibrinólise e diluição. Não é um fenômeno freqüente e parece estar associada principalmente ao retardo na adoção de medidas eficazes de ressuscitação. Correlaciona-se principalmente ao trauma grave e pode estar presente no paciente com perda sanguínea > 40% mesmo antes do início da reposição de hemocomponentes. A diluição para níveis críticos ocorre após a perda de mais de 1,2 volemia para os fatores da coagulação e 2 volemias para plaquetas e a reposição de fluidos na abordagem inicial da ressuscitação pode agravar este efeito. A hipo­termia, relacionada à imobilização do paciente em baixa temperatura ambiente (salas climatizados, por exemplo) por sua vez, retarda as reações enzimáticas da cascata da coagulação, potencializando o efeito da hemodiluição. O consumo dos fatores de coagulação, até agora entendido como CID, pode estar relacionado principalmente às alterações no local da injúria vascular, envolvendo alterações moleculares a partir da célula endotelial.

A prescrição sistemática de PFC em pacientes recebendo transfusão de grandes volumes de hemácias por sangramento, utilizando fórmu­las automáticas de reposição não tem se mostrado eficaz na prevenção de distúrbios da coagulação nesses pacientes. Por outro lado, embora TPAP e TTPa não apresentem boa correlação com a necessidade de reposição, sua alteração é um critério mais racional para guiar a indicação e monitoramento da transfusão. A avaliação clínica do paciente com a correção de outros distúrbios que afetam o mecanismo de hemostasia (plaquetopenia, lesões anatômicas, hipotermia, hipo ou disfibrinogenemia) deve fazer parte do manuseio do paciente.

 

d) Sangramento ou Profilaxia de Sangramento causado por Deficiência Isolada de Fator da Coagulação para a qual não há Produto com Menor Risco de Contaminação Viral (Concentrado de Fator da Coagulação) Disponível

Aplica-se especialmente para deficiência de Fator V. Na deficiência congênita de Fator XI (hemofilia C), o uso do PFC é a opção terapêutica disponível no Brasil para pacientes com sangramento associado a esta deficiência, ou antes, de procedimentos invasivos. No entanto, embora existam apresentações de Concentrado de FXI fora do País, seu uso não é consensual em função da associação com complicações trombóticas.

 

e) Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT)

A utilização do PFC como líquido de reposição na plasmaférese terapêutica é considerada tratamento de primeira linha para pacientes com PTT. Está comprovado que o PFC é fonte da metaloprotease (ADA­MTS13) que metaboliza o fator de von Willebrand e cuja deficiência está relacionada ao acúmulo de multímeros de alto peso molecular observado nestes pacientes, responsável pelo estado de ativação plaquetária e consumo. A adoção de esquemas de reposição de PFC em regime de plasmaférese diária representou grande impacto na história natural da PTT reduzindo a mortalidade de 90% para taxas inferiores a 30%, em alguns estudos.

 

f) Plasma Isento de Crioprecipitado (PIC) e Plasma de 24h (P24h)

O PIC não tem todos os fatores da coagulação. Seu uso clínico pode estar restrito a líquido de reposição na plasmaférese em pacientes com PTT, em detrimento do PFC. No entanto, não há evidências que comprovem melhores resultados do que com o uso do PFC. O P24h, por sua vez, apesar de apresentar uma diminuição dos níveis de fatores da coagulação pode ser usado nas mesmas situações clínicas com indicação para reposição destes fatores.

O uso inadequado deste componente relacionado a indicações incorretas e imprecisas e para as quais há alternativas mais seguras e eficazes freqüentemente resulta em exposição desnecessária do paciente aos riscos transfusionais. Na transfusão de PFC, além dos riscos associados à contaminação com vírus e outros patógenos transmissíveis pelo sangue, merecem especial atenção as complicações transfusionais relacionadas a anafilaxia e reações alérgicas, TRALI e hemólise a partir de anticorpos presentes no plasma transfundido. Existem algumas situações clínicas reconhecidas como de uso inapropriado para o PFC, descritas a seguir.

Justificativas imprecisas para o uso do PFC, como melhorar e acelerar processos de cicatrização ou recompor sangue total antes da utilização devem ser abandonadas e não são reconhecidas como indicação aceitável. Além disso, o tratamento de coagulopatias corrigidas apro­priadamente com administração de vitamina K, crioprecipitado, ou re­posição de fatores específicos da coagulação a partir de hemoderivados deve ser feito a partir da utilização das medidas específicas, visando à maior eficácia terapêutica e menor risco.

Deve ser ressaltado como contra-indicação o uso de PFC, PIC ou P24h nas seguintes situações:

 

      Como expansor volêmico e em pacientes com hipovolemias agudas (com ou sem hipoalbuminemia).

      Em sangramentos sem coagulopatia.

      Para correção de testes anormais da coagulação na ausência de sangramento.

      Em estados de perda protéica e imunodeficiências.

 

Em situações de transfusão maciça, a utilização de PFC condicionada à quantidade de concentrado de hemácias usado com o intuito de evi­tar o desencadeamento de distúrbios da coagulação por hemodiluição está relacionada quase sempre a transfusões desnecessárias expondo o paciente a maior risco de complicação, relacionado a maior exposição transfusional. É recomendado para estes pacientes o monitoramento da coagulação e início das transfusões de plasma após evidência labo­ratorial de coagulopatia.

 

Compatibilidade ABO e RhD

Não há necessidade da realização de provas de compatibilidade antes da transfusão de PFC. Os componentes devem ser preferencialmente ABO compatíveis, mas não necessariamente idênticos. As complicações relacionadas à hemólise por transfusão de plasma incompatível são incomuns, porém doadores do grupo O podem apresentar títulos altos de anticorpos anti-A e anti-B. O sistema Rh, por sua vez, não precisa ser considerado.

 

3.3.2 Dose e Modo de Administração

O volume a ser transfundido depende do peso e da condição clínica e hemodinâmica do paciente. A utilização de 10-20 ml de PFC por quilo de peso aumenta de 20% a 30% os níveis dos fatores de coagulação do paciente, chegando a níveis hemostáticos.

Embora não haja correlação direta entre alterações de tempo de protrombina (TPAP) e de tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) e risco de sangramento, quando utilizada na correção de deficiência de múltiplos fatores da coagulação, a reposição de PFC deve ser monitorizada laboratorialmente. O TPAP maior que 1,5 vezes o ponto médio da variação normal e/ou o TTPa maior do que 1,5 vezes o limite supe­rior do normal, podem ser usados como parâmetro para reposição, de acordo com a situação clínica do paciente.

Quando for utilizado para correção de deficiências de fatores isolados da coagulação (V ou XI, por exemplo), considerar o objetivo da repo­sição, a meia-vida do fator reposto (quadro a seguir), e o nível basal do fator no paciente para definir o intervalo entre as doses. A normalização dos testes da coagulação ou o controle do sangramento devem ser considerados como parâmetro para parada da reposição de PFC.

Para definir o intervalo entre as doses de PFC, deve-se considerar o objetivo da reposição e conhecer a deficiência que se deseja corrigir, respeitando a meia-vida do(s) fator(es) da coagulação que se deseja repor. Para fatores com meia-vida longa (FXI, por exemplo) a repeti­ção da dose a cada 24 horas por vários dias pode produzir um grande aumento nos níveis plasmáticos do paciente. A reposição de fatores com meia-vida curta, por outro lado, pode necessitar de repetição mais freqüente da dose calculada para o paciente. Portanto, a definição do intervalo entre as doses está correlacionada com o objetivo da reposição de PFC.

 

Quadro 3: Concentração e meia-vida dos fatores de coagulação presentes no PFC

Fator

Concentração PFC (UI/ml)*

Meia-vida em horas

Nível hemostático

Fibrinogênio

2-67

100-150

1 mg/ml

Fator II

80

50-80

40-50%

Fator V

80

12-24

10-30%

Fator VII

90

6

10-20%

Fator VIII

92

12

30-100%

Fator IX

100

24

20-60%

Fator X

85

30-60

10-40%

Fator XI

100

40-80

20-30%

Fator XIII

83

150-300

10%

F vW

80

24

20-50%

Proteína C

-

8

-

Proteína S

-

12-22

-

Fibronectina

-

24-72

-

AT III

100

45-60

-

 

Antes de ser utilizado para transfusão, o PFC deve ser completamente descongelado em banho-maria a 37°C ou em equipamentos apropria­dos para este fim. Caso seja descongelado em banho-maria, deve ser envolto em saco plástico, de modo a evitar o contato direto da bolsa, especialmente do ponto de entrada, com a água. O banho-maria deve ser limpo diariamente e preenchido com água para laboratório. Uma vez descongelado, deve ser usado o mais rápido possível, em, no máximo, 6 horas após o descongelamento se mantido à temperatura ambiente ou até 24 horas se mantido em refrigeração (2-6°C). Depois de descongelado não pode haver recongelamento.

Imediatamente antes da infusão a unidade de PFC deve ser examinada. Bolsas com sinais de vazamento quando submetidas à pressão e alterações de cor não podem ser utilizadas para transfusão. A presença de precipitados, filamentos de fibrina e turbidez pode estar relacionada à contaminação bacteriana e as bolsas que apresentarem estas alterações também não devem ser utilizadas. Bolsas com aspecto leitoso associado à lipemia também devem ser descartadas do uso para transfusão.

Na transfusão de plasma, todos os cuidados relacionados à transfusão de hemocomponentes devem ser seguidos criteriosamente. A conferência da identidade do paciente e rótulo da bolsa antes do início da infusão e uso de equipo com filtro de 170 a 220 nm são medidas obrigatórias. O tempo máximo de infusão deve ser de 1 hora.

 

3.4 CRIOPRECIPITADO

3.4.1 Indicações e Contra-indicações

O crioprecipitado está indicado no tratamento de hipofibrinogenemia congênita ou adquirida (< 100 mg/dl), disfibrinogenemia ou deficiência de fator XIII. A hipofibrinogenemia adquirida pode ser observada após tratamento trombolítico, transfusão maciça ou coagulação intravascular disseminada (CID). Somente 50% do total dos 200 mg de fibrinogênio administrados/bolsa no paciente com complicações devido à transfusão maciça são recuperados por meio intravascular.

Pode ser útil também no tratamento de sangramento ou no procedimento invasivo em pacientes urêmicos, com o intuito de diminuir o tempo de sangramento (TS) e diminuir o sangramento, mas esta opção tem sido substituída pelo tratamento com eritropoetina, acetato de desmopressina (DDAVP) ou estrógeno conjugado.

Devido às opções terapêuticas disponíveis como o fator VIII recombinante e derivados de fator VIII pós inativação viral, o crioprecipitado está contra-indicado para tratamento de pacientes com Hemofilia A e o mesmo se aplica a pacientes portadores de Doença de von Willebrand.

O uso tópico de fibrinogênio na composição de cola de fibrina, utilizando cálcio e trombina bovina está gradativamente sendo substituído pelo preparado comercial que utiliza método de inativação viral e incorpora a trombina humana. Casos relatados de formação de anticorpos contra Fator V, sangramentos e complicações no monitoramento de anticoagulantes foram descritos com uso de trombina bovina e não com a humana.

O crioprecipitado não deve ser usado no tratamento de pacientes com deficiências de outros fatores que não sejam de fibrinogênio ou Fator XIII.

 

Indicação de uso de crioprecipitado:

1.    Repor fibrinogênio em pacientes com hemorragia e deficiência isolada congênita ou adquirida de fibrinogênio, quando não se dispuser do concentrado de fibrinogênio industrial.

2.    Repor fibrinogênio em pacientes com coagulação intravascular disseminada - CID e graves hipofibrinogenemias.

3.    Repor Fator XIII em pacientes com hemorragias por deficiência deste fator, quando não se dispuser do concentrado de Fator XIII industrial.

4.    Repor Fator de von Willebrand em pacientes que não têm indi cação de DDAVP ou não respondem ao uso de DDAVP, quando não se dispuser de concentrados de Fator de von Willebrand ou de concentrados de Fator VIII ricos em multímeros de von Willebrand.

 

Compatibilidade ABO e RhD

O crioprecipitado contém anticorpos ABO, portanto sempre que possível utilizar componente ABO compatível. Quando não houver dis­ponibilidade de bolsa ABO compatível, todos os grupos ABO serão aceitos para transfusão, exceto em crianças. Raramente, a infusão de grandes volumes de crioprecipitado ABO incompatível pode causar hemólise. Com a infusão de volumes menores, pode-se observar o tes­te de antiglobulina direto (TAD) positivo.

 

3.4.2 Dose e Modo de Administração

Antes da infusão, o crioprecipitado deve ser descongelado entre 30°C e 37°C no prazo de até 15 minutos e transfundido imediatamente. O descongelamento em banho-maria deve ser realizado utilizando bolsa plástica e protegendo contra contaminação bacteriana. Se o produto descongelado não for utilizado imediatamente, poderá ser estocado por até 6 horas, em temperatura ambiente (20-24°C) ou por até 4 horas quando o sistema for aberto ou realizado em pool (obedecendo ao pri­meiro horário da primeira unidade).

Cada unidade aumentará o fibrinogênio em 5-10 mg/dl em um adulto médio, na ausência de grandes sangramentos ou de consumo excessivo de fibrinogênio. O nível hemostático é de = 100 mg/dl. Os concentrados são infundidos por meio de filtro padrão de transfusão (170µ).

O cálculo da quantidade de bolsas necessária para correção de hipofibrinogenemia dependerá da natureza do episódio de sangramento e da gravidade da deficiência inicial. A seqüência do cálculo do número de unidades de crioprecipitado necessário para correção da queda de fibrinogênio (< 80-100 mg/dl) está descrito abaixo:

 

      Peso (kg) x 70 ml/kg = volume sanguíneo (ml).

      Volume sanguíneo (ml) x (1,0 – hematócrito) = volume plasmático (ml).

      mg de fibrinogênio desejado = [nível de fibrinogênio desejado (mg/dl)] – fibrinogênio inicial (mg/dl) x volume plasmático (ml) / 100 ml/dl.

      Número de bolsas necessárias = mg de fibrinogênio desejado dividido por 250 mg de fibrinogênio/bolsa.

 

Esse cálculo assume que 100% do fibrinogênio administrado são recuperados no espaço intravascular, porém convém lembrar que a quanti­dade em cada bolsa pode ser variável.

Outra forma mais prática para tratar os pacientes com hipofibrinogenemia ou disfibrinogenemia e deficiência de Fator XIII é o cálculo de 1.0-1.5 bolsas de crioprecipitado por cada /10kg de peso do paciente com a intenção de atingir nível de fibrinogênio hemostático de 100mg/dl, reavaliando a cada 3-4 dias.

A quantidade de crioprecipitado pode ser diminuída quando houver administração concomitante de concentrado de hemácias e/ou de plaquetas porque estes produtos contêm 2-4mg de fibrinogênio/ml, que corresponde a 2U de crioprecipitado.

 

3.5 CONCENTRADO DE GRANULÓCITOS

3.5.1 Indicações e Contra-indicações

Ainda hoje não está totalmente definido se, mesmo grandes doses de granulócitos, são úteis em debelar infecções e aumentar a sobrevida de pacientes neutropênicos imunossuprimidos para, com segurança, se dizer que existem benefícios que superem os riscos desta terapêutica cara. Antes da indicação de transfusão de concentrado de granulócitos (CG), considerar o uso de alternativas farmacológicas como, por exemplo, o G-CSF e GM-CSF.

 

Pacientes neutropênicos: as transfusões de CG são tipicamente utilizadas em pacientes neutropênicos, geralmente com neutrófilos abaixo de 500/µl, com hipoplasia mielóide de recuperação provável, porém não para os próximos 5-7 dias, que apresentem febre por 24 a 48 horas e estejam com infecção bacteriana ou fúngica documentadas por culturas ou por infecção parenquimatosa progressiva não-responsiva ao uso de antibioticoterapia adequada.

Portadores de disfunção de neutrófilos: são também candidatos a receber transfusões de granulócitos os pacientes com graves defeitos hereditários da função neutrofílica, como os portadores de doença granulomatosa crônica, durante episódios infecciosos que coloquem em risco suas vidas. Como são poucos os casos, a eficácia destas transfusões parece ser convincente no manuseio individual de pacientes com infecções bacterianas ou fúngicas recorrentes não-responsivas à terapêutica, lembrando-se, entretanto, que por serem indivíduos cujo sistema imunológico é usualmente normal, a aloimunização pode se tornar um problema significante.

Uso profilático: a eficácia das transfusões profiláticas de granulócitos somente foi demonstrada quando a dose utilizada era grande, sendo seus efeitos considerados modestos com riscos altos e análise custo-eficácia muito elevada. Pode-se dizer, portanto que, com base nas evidências disponíveis, não se pode recomendar a transfusão profilática de granulócitos como prática rotineira, embora seja aceitável como medida de suporte, sobretudo na fase neutropênica do transplante de medula óssea alogênico e da indução do tratamento da leucemia mielóide aguda (LMA), seja como profilaxia primária de infecções ou como profilaxia secundária para prevenir reativação de infecções graves (por exemplo, fúngicas) com alto risco de recorrência. Nestas situações, as transfusões profiláticas de CG podem limitar o período de neutropenia reduzindo subseqüentemente suas complicações.

Neonatos sépticos: é importante assinalar o uso de transfusão de CG em neonatos sépticos cuja mortalidade é sabidamente elevada. Nestes casos, os estudos são bastante heterogêneos e não permitem uma conclusão definida sobre sua eficácia em reduzir mortalidade sem aumentar a morbidade, sendo na prática raramente utilizados. Possíveis candidatos a estas transfusões são crianças com forte evidência de sepse bacteriana ou fúngica, com contagem de neutrófilos inferior a 3000/µl e estoque medular diminuído de precursores neutrofílicos maduros.

É contra-indicação ao uso de transfusões de granulócitos a inexistência de possibilidade terapêutica para a patologia de base, sendo também irreal transfundir granulócitos em receptores dos quais não se espera recuperação da MO em um período razoável de tempo. Além disso, em razão do risco de graves efeitos adversos e de sua provável ineficácia, estas transfusões estão também contra-indicadas nos pacientes aloimunizados para os antígenos HLA e/ou de neutrófilos, quando não for possível a obtenção de granulócitos compatíveis. É também contra-indicação à transfusão de CG a presença de graves anormalidades respiratórias.

 

Compatibilidade ABO e RhD

Em geral, os CG apresentam importante quantidade de hemácias que devem ser ABO compatíveis com o plasma dos receptores, sendo obrigatória a realização de teste de compatibilidade entre as hemácias do doador e o soro/plasma do receptor da transfusão. Além disso, ide­almente os receptores RhD negativos devem receber granulócitos de doador RhD negativo.

 

3.5.2 Dose e Modo de Administração

Existe consenso na literatura de que a eficácia das transfusões de con­centrados de granulócitos está na dependência direta da dose administrada. Recomenda-se que, em adultos, a dose utilizada seja superior a 2,0 x 1010 granulócitos, iniciada após breve observação clínica caso a caso e repetida diariamente até que a infecção seja debelada, ou o número absoluto de neutrófilos retorne a pelo menos 500/µl (recuperação medular) ou se observe toxicidade inaceitável das transfusões de CG. Para uso profilático, são recomendadas transfusões de doses de CG em dias alternados.

Considerando que os CG contêm grande número de linfócitos, é obrigatória sua irradiação a fim de se prevenir a doença do enxerto-contra-hospedeiro associada à transfusão (DECH-AT).

Para melhor aproveitamento transfusional, evitar aloimunização HLA dos receptores e reduzir as reações transfusionais, é ideal que haja com­patibilidade HLA entre doador e receptor de CG. Esta é uma situação desejável, porém de difícil execução. Pode ser obtida pela realização de tipagem HLA de doadores e receptores, triagem laboratorial para anticorpos anti-HLA ou antineutrófilo em receptores, seleção de do­adores com HLA idêntico ao receptor e pela realização de prova de compatibilidade pré-transfusional entre os leucócitos do doador e o soro do receptor. Se o paciente não é aloimunizado contra antígenos do sistema HLA, a coleta de granulócitos é usualmente feita de doadores relacionados; deve-se, entretanto, evitar o uso de membros da família como doadores de granulócitos para pacientes candidatos à transplante de medula óssea alogênico aparentado, pelo risco de aloimunização. O uso de CG HLA-compatível geralmente é reservado para receptores aloimunizados para o sistema HLA cujos marcadores indiretos são a refratariedade à transfusão de doses adequadas de plaquetas e/ou não elevação do número de neutrófilos após transfusão de doses também adequadas de CG.

Se o receptor é negativo para o citomegalovírus (CMV), recomenda-se o uso de CG provenientes de doadores soronegativos para o CMV.

Os concentrados de granulócitos devem ser administrados em ambiente hospitalar, sob supervisão médica, utilizando-se filtros-padrão de transfusão de 170-200 µm, lentamente em 1 a 2 horas de infusão (1,0 x 1010/hora). Não podem ser utilizados filtros de microagregados e nem filtros para leucorredução porque ambos removem leucócitos.

A pré-medicação com paracetamol ou corticosteróides é apropriada para prevenir recorrência de reações transfusionais adversas em pacientes que já tenham apresentado sintomas como calafrios e febre, entretanto pré-medicação profilática rotineira não é necessária. É prática comum separar a administração de transfusão de concentrados de granulócitos e a infusão de anfotericina B por cerca de 6 a 8 horas a fim de diminuir a ocorrência de reações adversas pulmonares mais graves.

 

      Dose recomendada para neonatos: = 1,0 x 109 polimorfonucleares/kg/transfusão em 10-15 ml/kg/transfusão.

      Dose recomendada para adultos e crianças maiores: = 1,0 x 1010 polimorfonucleares/m2. Usualmente em adultos se utiliza a dose de 2,0-3,0 x 1010 polimorfonucleares/transfusão.

 

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