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artrite reumatóide

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 10/01/2017

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Artrite reumatoide

 

A artrite reumatoide (AR) é uma das doenças inflamatórias crônicas mais prevalentes no mundo. Suas manifestações são notadas principalmente nas articulações de punhos e mãos, mas pode eventualmente acometer outras articulações. Além disso, os portadores dessa doença podem apresentar manifestações extra-articulares, tais como nódulos reumatoides, amiloidose, comprometimento pulmonar ou vasculite, e comorbidades sistêmicas.

 

Epidemiologia, genética e etiologia

 

A AR é uma doença inflamatória crônica, que carrega um fardo substancial tanto para o indivíduo como para a sociedade em anos de trabalho produtivos. O ônus socioeconômico, além de grandes custos médicos diretos, é uma consequência da incapacidade funcional e capacidade reduzida de trabalho.

Trata-se de uma condição que acomete cerca de 0,5% a 1% da população mundial, com incidência maior no Hemisfério Norte, em comparação com o Hemisfério Sul, e em áreas urbanas em relação a áreas rurais. A história familiar positiva aumenta o risco da doença em três a cinco vezes; e, em gêmeos, as taxas de concordância são aumentadas, implicando a existência de fatores genéticos na patogênese. A hereditariedade da AR é estimada em 40-65% para pacientes soropositivos para AR, mas menor que 20% para a doença soronegativa. É mais frequente em mulheres que em homens, numa proporção de 2,5 a 3:1, e apresenta pico de incidência entre a quarta e quinta décadas de vida, com 80% das pessoas acometidas inicialmente em idades entre 35 e 50 anos de idade.

Mais de uma centena de locis foram associados com o risco de desenvolver AR. O antígeno leucocitário humano (HLA)-DRB1 tem associação  com o aparecimento da doença. Além disso , alguns genótipos HLA são particularmente associados com doença erosiva mais agressiva e com maior mortalidade. A sequência de aminoácidos nas posições 70 a 74 do HLA-DRB1 (denominado epítopo compartilhado ou epítopo reumatoide) está associada à maior suscetibilidade e gravidade da doença.

Os autoanticorpos para AR, incluindo os anticorpos antipeptídeos citrulinados (AACP), e o fator reumatoide (FR) estão presentes em 50-70% dos pacientes no momento do diagnóstico, com notável estabilidade ao longo do curso da doença.

O desenvolvimento da AR está associado também a fatores ambientais. Entre os agentes infecciosos possivelmente associados, incluem-se o vírus da rubéola, parvovírus, Epstein-Barr, micoplasma e micobactérias – esta associação pode ocorrer por mimetismo molecular. Fatores de risco consistentemente relatados incluem tabagismo e baixo status socioeconômico. A AR pode estar associada à doença periodontal, embora a causalidade e natureza dessa relação continue mal definida. Uma hipótese propõe que Porphyromonas gingivalis (uma bactéria frequentemente encontrada na periodontite) promove citrulinação aberrante e provoca a quebra de tolerância local para peptídeos citrulinados por meio da expressão endógena da peptidilarginina deaminase 4 (PADI4), que converte arginina em citrulina. Esses mecanismos até o momento permanecem especulativos.

Como é o caso de muitas doenças autoimunes, há agora um interesse considerável no efeito da microbiota no risco e na progressão da doença. Dados de modelos animais de artrite sugerem um papel essencial para a microbiota intestinal no desenvolvimento de doença.

 

 

Fisiopatologia

 

A AR é uma doença heterogênea. A presença de autoanticorpos (soropositividade) está associada com sintomas mais severos e lesões articulares, e com aumento de mortalidade. Isso provavelmente se deve à formação de imunocomplexos por anticorpos antiproteína citrulinada (ACPAs) com antígenos contendo citrulina e subsequente ligação com FR, o que pode levar à ativação significativa do complemento. A detecção de respostas autoimunes a peptídeos citrulinados é um dos principais avanços no entendimento da fisiopatologia da doença. Pode ocorrer ligação de resíduos citrulinados em muitas autoproteínas, incluindo vimentina, alfa-enolase, fibronectina, fibrinogênio, histonas, entre outras.

Os anticorpos ACPAs circulantes podem ser detectados até 10 anos antes do diagnóstico. Os ACPAs podem ser imunoglobulina (Ig)G, IgA, IgM ou isotipos, que são indicativos de ativação de células T helper, e têm estado de glicosilação alterado, que confere reforço à ligação Fc-receptor e ligação de antígenos citrulinados. Um hospedeiro geneticamente predisposto com genes de susceptibilidade, insultos ambientais, modificações epigenéticas, e modificações pós-tradução pode levar à perda de tolerância com subsequente sinovite assintomática, conduzindo finalmente à artrite clinicamente evidente. A ativação de macrófagos e a indução da ativação de citocinas do que ACPAs. Os ACPAs podem formar imunocomplexos que interagem com FR, assim potencializando o efeito sobre a resposta inflamatória e destrutiva. Pouco é conhecido sobre as respostas de células T que realizam esses processos.

O dano microvascular e o aumento do número de células sinoviais parecem ser as lesões iniciais. Edema das articulações na AR reflete a inflamação sinovial da membrana por mecanismos autoimunes, e é caracterizada por infiltração de leucócitos no compartimento sinovial normalmente pouco povoado. A reação inflamatória contra a sinóvia seria desencadeada pela apresentação de um antígeno a um linfócito sinovial, e possivelmente seria mantida pela presença do próprio antígeno desencadeante e da produção de mediadores, como IL ou citocinas.

Os linfócitos T CD4) positivos (predominantes na membrana sinovial) são capazes de produzir citocinas, atraindo e ativando macrófagos. Os macrófagos, por sua vez, produzem citocinas, que mantêm o processo com a interleucina (IL) 1  e o fator de necrose tumoral (TNF), causando sinovite.

O processo inflamatório causa ainda significativa resposta de fibroblastos sinoviais, e  catabolismo de condrócitos e osteoclastos sinoviais, promovendo destruição articular preferencialmente de pequenas articulações.

As citocinas e quimiocinas levam à indução ou ao agravamento da resposta inflamatória pela ativação de células endoteliais, e atração de células do sistema imune para acúmulo dentro do compartimento sinovial. Os fibroblastos ativados, juntamente com outras células ativadas – como os macrófagos –,  em última análise, provocam a geração de osteoclastos por meio do ativador de receptor de ligante de fator nuclear kappa B (RANKL) expresso em células T, células B, e fibroblastos, com o seu receptor ativador do fator nuclear kapa B (RANK) em macrófagos, células dendríticas, e pré-osteoclastos.  Erosões ósseas decorrem da chamada área nua na junção entre a cartilagem, inserção na membrana sinovial do periósteo e osso. A cartilagem é submetida a danos por efeitos catabólicos na periodontite.

As citocinas e os fatores de crescimento produzidos durante o processo inflamatório, como o fator derivado de plaquetas (PDGF), fator de crescimento de fibroblastos (FGF) e o fator de transformação de crescimento beta (TGF-beta) facilitam o influxo de células inflamatórias adicionais. Forma-se um infiltrado linfocitário proeminente, podendo estabelecer verdadeiros folículos linfoides, ricos em linfócitos T e plasmócitos. Dessa forma, a partir da membrana sinovial ocorre a formação do chamado pannus, um tecido granulomatoso com características tumorais, capaz de invadir e destruir os tecidos cartilaginoso e ósseo, e responsável pela extensiva destruição articular frequentemente observada na AR. As propriedades destrutivas do pannus são relacionadas à produção de metaloproteinases de matriz (MMP) e outras enzimas, capazes de degradar colágeno e proteoglicanos.

As evidências sugerem que a AR  decorre provavelmente de vários fatores:  comuma combinação inicial de estímulos do meio ambiente, estilo de vida, entre outros insultos, que ocorrem em um indivíduo geneticamente predisposto, levando à quebra de sua tolerância imune. Um gatilho adicional, possivelmente infeccioso, aumenta a resposta autoimune mediada por células T. Esse processo causa sinovite crônica, caracterizada por leucócitos e células do estroma; e a desregulação de comorbidades mais amplas pode afetar vários órgãos, como o coração e o osso.

 

Manifestações articulares

 

As manifestações clínicas da AR podem ser divididas em articulares e extra-articulares. Sendo uma doença sistêmica, não é incomum que sintomas gerais como febre, astenia, fadiga, mialgia e perda ponderal precedam o início das manifestações próprias da doença.

As articulações mais acometidas são mãos, punhos, joelhos, e pés de forma simétrica, embora quaisquer articulações possam ser envolvidas. Em cerca de 10% dos casos, o quadro clínico inicial é mais agressivo, com o surgimento rápido de poliartrite, frequentemente acompanhada por sintomas constitucionais (febre, linfadenopatia e esplenomegalia). Embora o padrão de envolvimento articular possa permanecer assimétrico em alguns pacientes, é mais frequente o padrão simétrico.

A artralgia com melhora ao movimento é a manifestação mais comum da AR. A rigidez matinal por mais de uma hora de duração é uma característica de artrite inflamatória, podendo ser útil na distinção de patologias não inflamatórias.  A dor articular é originada na cápsula articular, sensível ao estiramento ou à distensão; os pacientes apresentam edema articular devido ao acúmulo de fluido sinovial, à hipertrofia da sinóvia e ao espessamento da cápsula articular, e à hipertermia local. Posteriormente, outras complicações articulares incluem anquilose óssea e contraturas de partes moles, determinando deformidades fixas.

Nas mãos, o acometimento do punho é praticamente presente em todos os pacientes. As articulações metacarpofalangeanas (MTCFs) e interfalangeanas proximais (IFPs) estão frequentemente envolvidas; as interfalangeanas distais (IFDs) geralmente são poupadas (mas não sempre). Desvio ulnar das articulações MTCFs frequentemente está associado com desvio radial dos punhos. Outras deformidades frequentes incluem a deformidade em pescoço de cisne (hiperextensão da IFP e flexão da IFD), em botoeira (flexão de IFP e hiperextensão de IFD), dedo em Z (acometimento de primeira MTCF).

A sinovite pode causar compressão de nervos periféricos em punho, que por sua vez pode levar ao desenvolvimento da síndrome do túnel do carpo (compressão do nervo mediano).

Os pacientes podem ter acometimento das articulações de joelho; nesse local, pode ocorrer herniação da cápsula articular do joelho formando um cisto poplíteo (cisto de Baker), que está associado à inflamação e à ruptura, podendo simular uma tromboflebite. Na coluna, o acometimento geralmente é cervical, e a doença lombar é rara. Uma articulação tipicamente acometida é a temporomandibular, podendo causar cefaleia, dor referida em ouvido e dor à mastigação.

 

Abordagem diagnóstica e diagnóstico diferencial

 

O paciente típico com AR apresenta-se com testes laboratoriais anormais – concentrações elevadas de proteína C-reativa (PCR) ou velocidade de hemossedimentação (VHS) de eritrócitos elevada –, edema nas articulações de início recente, rigidez matinal. Infelizmente, essa apresentação não é específica para AR; assim, devem ser consideradas outras causas de artrite – artrite reativa, osteoartrite, artrite psoriática, artrite infecciosa (doença viral ou bacteriana e, particularmente, doença de Lyme, dependendo da região geográfica) –, e algumas doenças autoimunes mais raras, como doenças do tecido conectivo se os sinais sugestivos adicionais ou os sintomas estiverem presentes (por exemplo, erupções cutâneas, úlceras orais, alopécia, fenômeno de Raynaud, síndrome Sicca, anticorpos antinucleares, enzimas musculares elevadas).

Os critérios de classificação para AR foram atualizados em 2010 para eliminar deficiências dos critérios antigos do Colégio Americano de Reumatologia (ACR), em particular a inclusão de características de cronicidade e marcadores de pior prognóstico. Esses critérios estão resumidos abaixo:

- artrite inflamatória envolvendo três ou mais articulações;

-FR positivo e AACPs;

- aumento de provas inflamatórias, como PCR e  VHS;

- exclusão de doenças com achados clínicos similares, como artrite psoriática, artrite viral aguda, gota poliarticular e lúpus eritematoso sistêmico (LES);

- duração dos sintomas maior que seis semanas.

 

Esses critérios foram validados em muitos contextos, e oferecem 21% maior sensibilidade que os critérios anteriores, ao custo de especificidade16% menor. No entanto, a classificação com base nesses critérios não é sinônimo de diagnóstico. Apesar de não serem mais utilizados, vale lembrar os antigos critérios diagnósticos para AR:

1) rigidez matinal: rigidez articular durando pelo menos uma hora;

2) artrite de três ou mais áreas: pelo menos três áreas articulares com edema de partes moles ou derrame articular observado pelo médico;

3) artrite de articulações das mãos (punho, interfalangeanas proximais e metacarpofalangeanas);

4) artrite simétrica;

5) nódulos reumatoides;

6) FR sérico;

7) alterações radiográficas: erosões ou descalcificações localizadas em radiografias de mãos e punhos.

 

Eram necessários quatro de sete critérios para o diagnóstico, e os critérios de um a quatro deviam estar presentes por pelo menos seis semanas.

Ainda é importante definir fatores prognósticos da AR, em que se incluem:

 

- doença poliarticular (principalmente se em mais de 20 articulações);

- doença extra-articular;

- altos níveis de provas inflamatórias, como o PCR e VHS;

- autoanticorpos positivos, principalmente se em altos títulos;

- HDLA DR-1 ou epítopo reumatoide;

- início da doença em idade precoce.

- presença de erosões nos dois primeiros anos da doença (raio X de mãos e pés).

 

 

 

Manifestações extra-articulares e comorbidades

 

Os pacientes com AR insuficientemente tratados podem ter várias manifestações extra-articulares, incluindo vasculites ou doença pulmonar intersticial. Além disso, o estado inflamatório crônico da AR tem sido associado com amiloidose secundária, linfoma e doença cardiovascular, e com aumento da mortalidade,  riscos que são reduzidos com tratamento adequado da doença. O metotrexato pode induzir a ocorrência de nódulos pulmonares, indistinguíveis em relação aos nódulos reumatoides pulmonares; e inibidores de TNF podem provocar lesões psoriasiformes, que só desaparecem após a interrupção dos medicamentos.

No pulmão, os pacientes podem apresentar acometimento intersticial com nódulos pulmonares, que podem ser solitários ou múltiplos. Em pacientes com antecedente de trabalho em minas de carvão, a pneumoconiose acomete pacientes com AR, chamada de síndrome de Caplan, caracterizada pelo rápido desenvolvimento de múltiplos nódulos basais periféricos em associação com leve obstrução do fluxo aéreo. Essa síndrome pode vir a complicar com desenvolvimento de fibrose progressiva.

Outras manifestações pulmonares frequentes são o desenvolvimento de derrame pleural, que costuma cursar com baixos níveis de glicose, e ter características de exsudato; e o aparecimento de pneumonia criptogênica.

O acometimento renal apresenta-se principalmente na forma de amiloidose, mas pode ocorrer também glomerulonefrite mesangial e doença tubular intersticial, principalmente em pacientes também com síndrome de Sjogren ou em uso de anti-inflamatórios não esteroidais.

Os pacientes podem apresentar efusões pericárdicas, mas raramente ocorre pericardite sintomática; acometimento de aorta com dilatação; e eventualmente depósitos de nódulos reumatoides em válvulas cardíacas.

Mononeurite múltipla tem sido descrita mais frequentemente em pacientes com AR.

Uma complicação potencialmente grave da AR é a chamada vasculite reumatoide –  essa complicação é rara, e pode causar neuropatia periférica, vasculite cutânea e ocasionalmente envolver vasos mesentéricos, coronarianos, renais, e isquemia em membros. O acometimento ocular é principalmente na forma de ceratoconjuntivite sicca. Nódulos cutâneos reumatoides ocorrem em cerca de 30% dos pacientes e apresentam tamanhos variados; ocorrem principalmente em face extensora de antebraço, mas podem envolver tendão do calcâneo, ísquio, metatarsofalangeanas e superfícies flexoras dos dedos, e até mesmo vísceras.

Uma das mais importantes manifestações sistêmicas da AR é a chamada síndrome de Felty. A síndrome de Felty se caracteriza pela presença de neutropenia, esplenomegalia e úlceras em membros inferiores; e também plaquetopenia e linfadenopatia – pacientes que apresentam esse tipo de comprometimento podem ter mais frequentemente infecções secundárias.

 

Avaliação e definição de metas de tratamento da doença

 

A avaliação da atividade da doença é crucial para o acompanhamento de pacientes com AR, e inclui a contagem de articulações acometidas. Os chamados critérios ACR distinguem uma mudança de base de várias variáveis ??definidas por pelo menos 20% de melhora (ACR20, resposta mínima), 50% (ACR50, resposta moderada) ou 70% (ACR70, maior resposta). Outro importante critério é o chamado disease activity score 28 (DAS28), que avalia a atividade da doença em 28 articulações. Essa avaliação também pode ser realizada com o índice de atividade da doença simplificado (SDAI) e com o índice de atividade clínica da doença (CDAI). Esses índices fornecem escalas numéricas contínuas, que refletem a atividade da doença; existem calculadoras on line que permitem seu uso.

Como alvos do tratamento, foram estabelecidos critérios de remissão (principalmente para AR precoce) ou de baixa atividade da doença (especialmente na doença de longa data). O ACR e a Liga Europeia contra o Reumatismo (EULAR) desenvolveram recentemente novos critérios de remissão, .

O tratamento da AR deve prevenir ou interromper alterações estruturais, e assim minimizar ou reverter a deficiência física. Na prática rotineira, as radiografias são realizadas anualmente, e avaliadas semiquantitativamente. Outras modalidades de imagem estão sendo cada vez mais utilizadas, especialmente para fins de diagnóstico. Exames de ressonância nuclear magnética (RNM) detectam edema da medula óssea como uma área potencial de erosões precoces ou futuras; porém, erosões também se correlacionam bem com edema clínico das articulações. O ultrassom pode quantificar o grau e a extensão da inflamação sinovial; no entanto, no seguimento, para avaliar remissão ultrassonográfica, não fornece qualquer benefício sobre o manejo clínico ou mesmo a baixa atividade da doença.

A função física é tipicamente avaliada, normalmente em cada visita clínica, pelo índice de incapacidade Health Assessment Questionnaire.

 

 

Tratamento

 

A reversão do processo inflamatório é o principal alvo terapêutico. Se a inflamação cessa rapidamente, danos ou sua progressão são impedidos, e a função física pode ser melhorada sem sequelas. O tratamento da AR, portanto, requer uma abordagem estratégica em que a avaliação regular da atividade da doença leva a adaptações terapêuticas ou mudanças de medicações, de acordo com a atividade da doença. Se uma melhora significativa de 80% no SDAI ou CDAI for atingida por três meses, a probabilidade de atingir a meta em seis meses de terapia será muito alta. Se a melhora for pequena em três meses, o tratamento deverá ser modificado.

Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) podem levar à redução da dor e da rigidez, e melhorar a função física, mas não interferem na lesão articular e, portanto, não são modificadores da doença. Os AINEs são utilizados para o controle sintomático, e devem ser descontinuados quando o paciente estiver assintomático. Em termos de potência, embora haja variações entre as diferentes classes, a resposta ao uso de AINE é essencialmente individual, e varia de acordo com o paciente. Deve-se prescrever a medicação conforme a experiência do médico, a tolerância prévia do paciente, a comodidade do esquema posológico e o preço.

Para alívio sintomático, o uso de glicocorticoides é a medicação de maior eficácia, e sua utilização deve ser temporária. Alguns estudos sugerem que os esteroides possam retardar a evolução da lesão articular. Indubitavelmente, no entanto, os esteroides são insuficientes e inadequados para controlar a doença quando prescritos isoladamente.

O esteio do tratamento é a utilização das chamadas drogas antirreumáticas modificadoras da doença (DMARDs). Existem duas classes principais de DMARDs: as drogas sintéticas e as biológicas.  Seguem alguns fármacos modificadores da doença atualmente disponíveis.

 

1- Metotrexate

 

O metotrexato é uma droga eficaz mesmo em monoterapia, havendo melhora objetiva com seu uso em 60 a 70% dos casos. A medicação é considerada a droga de primeira escolha pela maior parte da literatura, sendo geralmente prescrito em combinação com outras DMARDs ou com os agentes modificadores da resposta biológica. O metotrexato inibe a enzima dihidrofolato redutase e outras enzimas dependentes do folato, reduzindo a síntese do ácido desoxirribonucleico (DNA), do ácido ribonucleico (RNA) e de proteínas. Essa inibição é acompanhada por aumento nos níveis de adenosina, que por sua vez inibe a função neutrofílica e a síntese de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-a e IL-6. A dose utilizada habitualmente varia de 7,5 a 25 mg/semana, sendo a resposta terapêutica observada após 4 a 10 semanas. Deve-se iniciar o tratamento com doses mais baixas, e titulá-las progressivamente até obter resposta adequada.

 

2- Sulfassalazina

 

A sulfassalazina é uma droga eficaz para o tratamento da AR, com perfil de toxicidade aceitável, e é principalmente utilizada no tratamento de formas leves a moderadas. O mecanismo de ação é pouco conhecido, mas parece depender do radical sulfapiridina, que tem vários efeitos imunomodulatórios, como inibição da produção de prostaglandinas, de diversas funções neutrofílicas e linfocitárias e da quimiotaxia; é também um inibidor de enzimas dependentes do folato. A dose utilizada é de 40 a 50 mg/Kg/dia; geralmente, inicia-se com 500 a 1000 mg/dia, e raramente se ultrapassam os 4000 mg/dia. A observação dos efeitos terapêuticos ocorre em média entre 8 e 12 semanas de tratamento.

 

3- Leflunamida

 

A leflunomida é uma droga com eficácia comparável ao metotrexato, retardando a velocidade de progressão radiológica da AR erosiva. A medicação apresenta propriedades imunomoduladoras, antiproliferativas e anti-inflamatórias. O mecanismo de ação mais importante é a inibição da biosíntese de pirimidinas. É uma ótima opção para substituir metotrexate.

 

4- Penicilamina

 

A penicilamina é uma droga comprovadamente eficaz no tratamento da AR. Porém, atualmente, essa medicação praticamente não é mais utilizada devido a seu início de ação lento, à alta frequência de efeitos colaterais, e também ao surgimento de outras DMARDs.

 

5- Azatioprina

 

A azatioprina tem perfil de efeitos colaterais aceitável, mas é pouco utilizada. A dose habitual é de 2-3 mg/Kg/dia. É usada para formas moderadas a severas da AR, ou para manifestações graves, como vasculite reumatoide.

 

6- Drogas antimaláricas

 

Os antimaláricos vêm sendo utilizados há cerca de 50 anos para tratamento da AR. São medicamentos seguros e eficazes. O mecanismo de ação é pouco conhecido, mas parece envolver múltiplos fatores: atividade anti-inflamatória ( inibição de enzimas lisossômicas e da quimiotaxia, e fagocitose de polimorfonucleares), interferência na produção de prostaglandinas, atividade antienzimática, entre outros.

As duas formas disponíveis dos antimaláricos são o difosfato de cloroquina e a hidroxicloroquina – para o tratamento de AR, a hidroxicloroquina é preferível devido a seu perfil de segurança, sobretudo oftalmológica. A dose diária do difosfato de cloroquina é de até 4 mg/Kg/dia, e da hidroxicloroquina de 6 mg/Kg/dia. O início de ação é lento, pois leva de três a quatro meses para atingir o pico de eficácia em cerca de 50% dos pacientes.

 

7- Principais agentes biológicos

 

Entre os principais agentes biológicos, incluem-se os inibidores do TNF-alfa, como o infliximab e o etanercept, e os anticorpos monoclonais anti-CD20, como o rituximab. O infliximab, ou o , é um anticorpo monoclonal IgG anti-TNF alfa quimérico (murino e humano) – ou seja, é a porção do fragmento de ligação do anticorpo (Fab) variável derivada do camundongo, e a porção Fc constante é uma IgG1 humana. A medicação foi desenvolvida para administração intravenosa (IV), ao contrário de outros anticorpos monoclonais murinos, cuja imunogenicidade limita seu uso em humanos. O infliximab parece apresentar maior eficácia devido à menor imunogenicidade e à meia-vida prolongada.

O etanercept é uma medicação sintética que ocupa o receptor de TNF-alfa. Uma análise econômica realizada em 2001 comparou o uso do etarnecept com o infliximab. O custo das duas medicações foi semelhante: 12.610 dólares semanais com o infliximab, e 12.534 dólares com o etarnecept. Porém, se forem considerados os custos adicionais com a administração do infliximab, o valor final ficaria em 18.046 dólares com o infliximab, e 12.648 dólares com o etarnecept, portanto favorecendo o uso do etarnecept como agente anti-TNF alfa. O adalimumab é outra opção da mesma classe de medicações.

O rituximab é um anticorpo monoclonal criado com ação direta contra o antígeno CD20 dos linfócitos B. As células CD20 regulam o início do ciclo celular e possivelmente funcionam como um canal de cálcio. O rituximab liga-se ao antígeno na superfície celular, ativando a via do complemento com citotoxicidade resultante; liga-se também aos receptores Fc, levando à morte celular por toxicidade via anticorpos. A medicação é contraindicada em pacientes com hipersensibilidade ao rituximab e a outras proteínas murinas; também não deve ser indicada para pacientes com infecções ativas, sejam agudas ou crônicas, e insuficiência cardíaca congestiva (ICC) de classe IV – embora seu uso não tenha sido apropriadamente estudado em pacientes com ICC de menor severidade. Broncoespasmo, angina, pacientes amamentando, entre outras situações, são contraindicações relativas. A dose recomendada é de 1000 mg IV, realizadas no primeiro dia e décimo quinto dia de seguimento. Recomenda-se o uso de 100 mg de metilprednisolona antes das infusões para minimizar efeitos colaterais. Apesar destas recomendações, o papel exato da medicação para AR permanece indefinido.

 

De acordo com as recomendações da EULAR, o tratamento deve ser iniciado com uma DMARD sintética convencional, de preferência o metotrexato, que é uma medicação, com a qual se existe uma grande experiência associada ao uso de glicocorticoides em dose baixa. A combinação de metotrexato com glicocorticoides ecomparadas a combinações de metotrexato mais um agente biológico não mostraram nenhuma diferença significativa nos resultados iniciais do tratamento da doença; assim, esta parece ser a abordagem inicial de escolha. A dose de todas as DMARDs sintéticas convencionais devem ser otimizadas em cada avaliação; a dose do metotrexato pode ser aumentada até 25-30 mg/semana, quer por via oral, quer por via subcutânea. Uma outra opção ao metotrexate é a sulfassalazina, que pode ser usada em doses de até 3 g/dia. Quando se compara o uso de metotrexato e de glicocorticoides com combinações de DMARDs sintéticas convencionais mais glicocorticoides, a eficácia é similar com menor toxicidade. Os glicocorticoides são usados em baixas ou intermediárias doses orais, e em pacientes com exacerbações agudas; podem ser utilizadas doses por via parenteral, como aplicações IV, ou intramusculares únicas. Baixas doses de glicocorticoides (<7,5 mg/dia) combinadas com metotrexato apresentam resultados melhores do que o uso isolado de metotrexato.

Os glicocorticoides orais devem ser gradualmente reduzidos, e depois interrompidos em um prazo de seis meses, quando DMARDs sintéticas convencionais já conseguiram realizar melhoras significativas.

O metotrexato é considerado o esteio terapêutico, e seu uso também otimiza a eficácia das DMARDs biológicas.

A leflunamida é outra droga modificadora da doença sintética, que em estudos mostrou eficácia similar ao metotrexato. A dose de indução é de 100mg/dia por três dias (nem sempre prescrita), seguida por uma dose de manutenção de 20 mg/dia; pode-se indicar 20mg em dias alternados para pacientes que apresentem efeitos colaterais. Seu início de ação clínica é mais rápido do que a de outras DMARDs, estando em torno de quatro semanas.

O uso de terapia tripla com DMARDs sintéticas foi avaliado em alguns estudos. A combinação de metotrexato, sulfassalazina e hidroxicloroquina é mais eficaz do que a monoterapia. As novas diretrizes da ACR não defendem o uso precoce de combinação de terapias, como DMARDs sintéticas convencionais. No entanto, em pacientes com baixo risco de doença progressiva, a adição de uma DMARD sintética convencional – caso o metotrexato não tenha melhorado suficientemente a atividade da doença e  uma possível opção terapêutica . Um estudo em pacientes com doença precoce mas de acometimento agressivo mostrou benefício do uso de terapia com três medicações para tratamento da AR. A justificativa para essa conduta é que 70% das erosões em articulações de mãos ocorrem nos primeiros dois anos da doença.

Quando o primeiro ciclo de tratamento falhar, a EULAR recomenda estratificação para preditores de doença grave – alta atividade da doença apesar do tratamento, presença de autoanticorpos (ACPA ou FR, especialmente em títulos elevados), e lesões articulares em radiografias, mesmo em fase precoce da doença. Pacientes com esses fatores de risco podem ter benefício com o uso de DMARDs biológicas.

Os agentes terapêuticos biológicos atualmente aprovados para uso na AR têm quatro modos diferentes de ação: inibição de TNF, inibição do receptor da IL-6, bloqueio de coestimulação de células T, e a depleção de células B. Entre as medicações inibidoras do TNF-alfa, o etanercept é um receptor sintético de TNF, enquanto os outros são anticorpos monoclonais ou fragmentos de anticorpos monoclonais (certolizumab). O etanercept parece apresentar um risco menor (mas não ausente) para reativar a tuberculose do que os pacientes com uso de anticorpos monoclonais com um teste positivo de tuberculose devem receber tratamento profilático adequado. A inibição da IL-6 é atualmente obtida com o uso do tocilizumab, um anticorpo monoclonal humanizado, dirigido para o receptor da IL-6. O rituximab é o único anticorpo monoclonal dirigido de células B aprovado para o tratamento de AR, tendo como alvo células CD20.

Em geral, as taxas de resposta ACR70 a DMARDs biológicas, em combinação com o metotrexato, são de 30-40%. Apesar das diferenças de alvos, todos os quatro principais modos de ação de produtos biológicos direcionados (em combinação com o metotrexato) têm taxas de resposta semelhantes, diminuindo com o aumento da experiência com drogas anteriores.

Todas as DMARDs biológicas apresentam melhor eficácia quando combinadas com metotrexato e presumivelmente qualquer outra DMARD sintética convencional, especialmente leflunomida. A DMARD biológica utilizada como monoterapia demonstrou superioridade clínica ou funcional estatisticamente significativa em comparação com a terapia com metotrexate, mas seus efeitos adversos e custos são significativamente maiores. A progressão dos danos estruturais é interrompida de forma mais eficaz com a monoterapia biológica com o metotrexato, embora em menor grau que com as terapias de combinação. A combinação de produtos biológicos com metotrexato demonstrou superioridade clínica e funcional em relação à monoterapia biológica. Além disso, o metotrexato (mais glicocorticoides) tem eficácia clínica, funcional e estrutural semelhante à do metotrexato combinado a agente biológico. A eficácia clínica e estrutural é semelhante em todos os tipos de DMARDs biológicas, conforme tem sido mostrado em meta-análises e em estudos randomizados. Quando um paciente não atinge o alvo do tratamento com DMARD biológica (mais metotrexato), então qualquer outra DMARD biológica ou DMARD sintética podem ser utilizadas. O rituximab deve ser utilizado após outros agentes biológicos falharem; no entanto, é altamente eficaz na artrite precoce, e é frequentemente utilizado como primeira droga biológica quando os outros agentes biológicos são contraindicados.

Recentemente, foram introduzidas novas medicações, como o tofacitinib, que é um inibidor da janus kinase. A eficácia de tofacitinib mais metotrexato na dose aprovada de 5mg duas vezes ao dia. Curiosamente, a monoterapia com tofacitinib é clinicamente superior ao metotrexato, diferente da maioria dos agentes biológicos.

Depois de ter sido atingido o alvo do tratamento desejado (baixa atividade da doença ou remissão), a terapia deve ser mantida ao longo do tempo. A manutenção de um bom resultado vai normalizar, ou pelo menos maximizar a função física, qualidade de vida e capacidade de trabalho. Quando a remissão (ou uma atividade de doença baixa alvo) for sustentada com DMARDs biológicas por algum tempo (geralmente cerca de seis meses), deve-se considerar a realização de ajustes terapêuticos, neste casoos glicocorticoides devem ser reduzidos e suspensos em cerca de seis meses. Para terapias biológicas, o risco de crise na atividade da doença após a redução para metade da dose, ou de duplicação do intervalo entre as doses é baixo, ao passo que a retirada completa leva muitas vezes a maioria dos pacientes a experimentar uma crise na atividade da doença. No entanto, a taxa de exacerbações diminuem com menor atividade da doença e maior duração da resposta. A uma resposta sustentada importante, quando ocorre exacerbação, os pacientes geralmente respondem muito bem a reintrodução do mesmo agente. No entanto, mais que 10% dos pacientes não recuperam o estado funcional original. Portanto, a redução gradual da dose, em vez da interrupção repentina de produtos biológicos, deve ser a conduta padrão.

Os agentes biológicos e as DMARDs sintéticas direcionadas induzem mais efeitos adversos do que as DMARDs sintéticas convencionais. Em particular, a incidência de infecções graves é aumentada, mas diminuem com o tempo de uso da medicação. Um risco especial refere-se à reativação de tuberculose – embora não tenha sido relatada com rituximab. Rituximab também é a droga de escolha para pacientes com esclerose múltipla concomitante, porque tem demonstrado eficácia nesta doença, enquanto os inibidores de TNF podem provocar exacerbações da doença em pacientes com hepatite C. Os agentes biológicos (exceto rituximab) devem ser evitados dentro de cinco anos após neoplasias malignas serem curadas, embora dados epidemiológicos não sugerem que há aumento de risco. No entanto, em pacientes com história de linfoma, rituximab ou possivelmente tocilizumab seriam drogas de escolha.

 

Referências

 

1-Smolen JS et al. Rheumatoid Arthritis. Lancet 2016.Published online May 3 2016.

2-Smolen JS, Landewé R, Breedveld FC, et al. EULAR recommendations for the management of rheumatoid arthritis with synthetic and biological disease-modifying antirheumatic drugs: 2013 update. Ann Rheum Dis 2014; 73:492.

3-Singh JA, Saag KG, Bridges SL Jr, et al. 2015 American College of Rheumatology Guideline for the Treatment of Rheumatoid Arthritis. Arthritis Care Res (Hoboken) 2016; 68:1.

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