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Choque Tóxico por Estreptococos

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 21/06/2018

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A síndrome de choque tóxico estreptocócico (STSS) é uma complicação de infecções invasivas envolvendo estreptococos do grupo A (S. pyogenes), incluindo infecções na pele e nos tecidos moles, pneumonia e infecções de corrente sanguínea.

Primeiramente reconhecida em 1987, a STSS teve muitas das características clínicas semelhantes às da síndrome do choque estafilocócico (STS), causada por toxinas do Staphylococcus aureus, quando, em uma série de casos de 20 pacientes, a STSS emergiu como uma doença associada à fasceíte necrosante e miosite, marcada por morbidade e mortalidade bem maiores em comparação com a STS.

As taxas de incidência anual de infecção por Streptococcus do grupo A (GAS) variaram de 3 a 6 casos por 100 mil pessoas, com os pacientes com 65 anos de idade ou menores de 1 ano de idade sendo os mais afetados. Em um estudo populacional europeu, entre 2003 e 2004, 13% das infecções invasivas por GAS foram complicadas por STSS, com metade de todos os casos de STSS ocorrendo em pacientes com fasceíte necrotizante. Outro estudo sugeriu que a STSS complica de 3 a 4% das infecções invasivas por GAS. As taxas de mortalidade para STSS são altas, variando de 20 a 45%.

São fatores de risco para STSS:

               Traumas menores causando hematoma ou lesão muscular

               Uso de anti-inflamatórios não esteroidais

               Cirurgias recentes

               Infecções virais

               Pós-parto

 

Em crianças, a infecção por varicela e por influenza é um fator de risco. A presença de comorbidades, incluindo doenças cardíaca, hepática e renal, diabetes melito, alcoolismo e abuso de drogas, é mais comum em pacientes que desenvolvem STSS, embora muitos não apresentem comorbidades antes do desenvolvimento da STSS. Nos últimos anos, a STSS tem sido associada a infecções que envolvem estreptococos do grupo B, C e G. O Streptococcus suis (um agente patogênico em suínos) é outro fator precipitante recentemente identificado para STSS.

 

Fisiopatologia

 

A STSS é mediada por toxinas que funcionam como antígenos. As exotoxinas pirogênicas estreptocócicas, predominantemente A e B, são produzidas por GAS em infecções graves. Essas toxinas se ligam à molécula de classe II do complexo de histocompatibilidade principal e ao receptor de células T em células apresentadoras de antígeno, ativando as células T e desencadeando a expressão de citocinas, causando uma resposta inflamatória sistêmica com achado de febre e outras manifestações sistêmicas.

Os fatores de virulência dos estreptococos, incluindo as proteínas M, conferem resistência à fagocitose, entre outras propriedades que aumentam a gravidade da doença. As rupturas nas superfícies da pele e das mucosas (por exemplo, orofaringe e vagina), bem como o trauma menor com hematoma, contusão ou lesão muscular, são pontos de entrada comuns que predispõem a ocorrência de STSS.

 

Características Clínicas

 

As mais comuns fontes de entrada são a pele, a vagina e a faringe, mas nenhuma porta de entrada de infecção é encontrada em, aproximadamente, metade dos casos. Pacientes com traumas menores podem desenvolver infecções como fasceíte necrotizante ou mionecrose em 48 a 72 horas, frequentemente sem portas de entrada na pele.

O quadro pode ser precedido por um pródromo não significativo de febre, calafrios, suores, mal-estar, artralgias, tosse, dor de garganta, rinorreia, anorexia, náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia em adultos e crianças. Uma erupção cutânea difusa eritematosa e macular é frequentemente observada em STSS e pode progredir para descamação, embora sua presença não seja necessária para o diagnóstico da doença.

Os sinais clínicos de infecção incluem dor, edema e eritema localizado, seguido de equimoses e progressão para fasceíte ou miosite em 70 a 80% dos casos. Esses pacientes devem ser avaliados por um cirurgião sempre que se acreditar na possibilidade do diagnóstico de uma infecção necrotizante do tecido mole. A tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética apresentando destruição de tecidos moles estabelecem esse diagnóstico, mas nunca devem atrasar a avaliação cirúrgica oportuna.

A maioria dos casos evolui com febre, mas a hipotermia pode ocorrer, e há alteração do estado mental em cerca de metade dos pacientes, podendo haver choque por extravasamento de líquido pericapilar e vasodilatação, com hipotensão ocorrendo rapidamente. Outras manifestações incluem endoftalmite, peri-hepatite, peritonites, miocardites, pneumonia e sepse fulminante.

Dada a forte associação entre a STSS e as infecções necrotizantes dos tecidos moles, é provável que muitos pacientes apresentem, inicialmente, a dor fora de proporção aos achados físicos em um local localizado, muitas vezes em extremidades. Descoloração violácea progressiva, crepitação da pele e necrose e formação de bolha no local são sinais ameaçadores de fasceíte necrosante subjacente e miosite.

A síndrome do compartimento pode ser uma complicação associada. A hipotensão refratária resulta rapidamente de uma combinação de vasodilatação, vazamento capilar e depressão miocárdica de cardiomiopatia tóxica. Lesão renal aguda, isquemia miocárdica e cerebral, síndrome de dificuldade respiratória aguda, rabdomiólise por destruição muscular, disfunção hepática e coagulação intravascular disseminada podem ocorrer e levar à morte dentro de horas a dias. A disfunção renal ocorre em quase todos os pacientes em intervalo de 48 a 72 horas.

 

Exames Complementares

 

Os pacientes apresentam leucocitose na maioria dos casos, que podem ser discretos, mas quase sempre com marcante desvio à esquerda; as provas inflamatórias são comumente alteradas. Devem ser colhidos função renal, eletrólitos, função hepática, transaminases, bilirrubinas, albumina, coagulograma e radiografia de tórax.

A gasometria arterial também é recomendada, apresentando frequentemente acidose metabólica. Hemoculturas são positivas em 60% dos casos; também devem ser colhidas culturas de outros sítios potencialmente afetados por infecção.

 

Diagnóstico Diferencial

 

O diagnóstico diferencial inclui STS, mionecrose associada com C. perfringens, mionecrose por micro-organismos anaeróbios e outras bactérias. Outras infecções sistêmicas, incluindo meningococemia, febre das montanhas rochosas e leptospirose também são diagnósticos diferenciais que devem ser considerados.

Os critérios diagnósticos incluem:

               Isolamento de GAS de um sítio normalmente estéril

               Pressão arterial sistólica

E mais dois dos seguintes critérios:

               Disfunção renal com aumento da creatinina maior que 2 vezes o limite do superior da normalidade

               Coagulopatia, incluindo plaquetopenia

               Disfunção hepática com aumento de duas vezes de transaminases ou de bilirrubinas

               Síndrome de desconforto respiratório agudo

               Exantema eritematoso que pode descamar

               Necrose de tecidos moles como fasceíte necrotizante, miosite ou gangrena

 

Tratamento

 

O manejo da STSS começa com a ressuscitação volêmica com líquido isotônico agressiva para restaurar o volume e a perfusão de tecido. Em pacientes com hipotensão refratária profunda e vazamento capilar associado à STSS, podem ser necessários grandes volumes de fluido cristaloide IV (10 a 20L/d). Os vasopressores são muitas vezes necessários.

Mais de metade dos pacientes com STSS desenvolverão síndrome de dificuldade respiratória aguda, muitas vezes requerendo intubação e ventilação mecânica. Deve-se considerar debridamento cirúrgico precoce e, muitas vezes, extenso, incluindo fasciotomia e até mesmo amputação se existir tecido infectado e necrótico extenso.

Os pacientes devem ser alocados em unidades de terapia intensiva. Dadas a sobreposição nas apresentações clínicas entre STSS e choque séptico e a alta mortalidade associada a ambos, a terapia antibiótica de amplo espectro empírica para cobrir GAS e outros agentes patógenos potenciais é indicada até a disponibilidade dos resultados de exames de cultura.

Entre as opções antibióticas, está o uso de piperacilina/tazobactam, 4,5g, IV, a cada 6 horas, ou um carbapenêmico (por exemplo, meropeném, 1g, IV, a cada 8 horas) em combinação com clindamicina, 900mg, IV, a cada 8 horas; entretanto, o uso de terapia antibiótica mais conservadora com cefalosporina de terceira geração poderia ser uma opção no lugar da piperacilina/tazobactam. A clindamicina pode suprimir a formação de toxinas, por isso sua indicação.

Nas áreas onde o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) é prevalente, pode-se considerar o uso de vancomicina, 15mg/kg, IV, a cada 12 horas (dose única máxima de 2,25g). Uma vez identificada a presença de GAS, pode-se considerar desescalonamento da terapia antibiótica dependendo de resultados de cultura, com penicilina G, 4 milhões de unidades IV a cada 4 horas (total de 24 milhões de unidades por dia), em combinação com clindamicina.

A duração da antibioticoterapia deve ser, pelo menos, 14 dias, mas pode ser mais longa com base na extensão da infecção e na resposta clínica do paciente. Embora estudos retrospectivos tenham demonstrado diminuição da mortalidade com imunoglobulina intravenosa, um estudo randomizado e multicêntrico não conseguiu encontrar benefício. Pode-se considerar o uso de imunoglobulina IV para tratar STSS em pacientes refratários ao tratamento.

 

 

Referências

 

1-Liang SY. Toxic Shock Syndromes in Tintinalli Emergency Medicine 2016.

2-Defining the group A streptococcal toxic shock syndrome. Rationale and consensus definition. The Working Group on Severe Streptococcal Infections. JAMA 1993; 269:390.

3-Wong CJ, Stevens DL. Serious group a streptococcal infections. Med Clin North Am 2013; 97:721.

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