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Litíase Renal

Autores:

Elvino Barros

Médico nefrologista. Professor associado da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutor em
Nefrologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Francisco José Veríssimo Veronese

Médico nefrologista do Serviço de Nefrologia do HCPA. Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da Faculdade Medicina da UFRGS.

Última revisão: 30/07/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 35 anos, branco, que exerce a profissão de professor, procura auxílio médico de um nefrologista para saber a causa dos cálculos renais eliminados com frequência. Relata ter eliminado dois novos cálculos renais no último ano e estima a eliminação de, pelo menos, um cálculo por ano nos últimos cinco anos. O paciente afirma não apresentar sintomas de infecção urinária. Tem uma alimentação rica em proteína de origem animal, em especial carne vermelha (consome churrasco todos os fins de semana e eventualmente durante a semana). O paciente não sabe especificamente a quantidade de líquidos que ingere por dia, mas refere que não tem o hábito de tomar líquidos, exceto durante as refeições. Ele consome queijo e um copo de leite diariamente.

No exame físico, são verificados pressão arterial de 160/95 mmHg, peso de 94 kg, altura de 1,72 m e índice de massa corporal (IMC) de 31,8kg/m2 (obesidade grau I). Não há alterações em relação aos demais aspectos.

 

Definição

Os cálculos urinários são concreções formadas por agregação de cristais e matriz orgânica no trato urinário. Em geral, a formação ocorre inicialmente nas papilas renais, mas pode originar-se em qualquer parte do sistema urinário.1,2

 

Epidemiologia

A prevalência da doença calculosa renal é elevada, variando de 2 a 15% em todo o mundo. Nos Estados Unidos, é de 7 e 12% da população,3,4  na Europa, de 2 a 8%. Essa patologia ocorre mais comumente em homens (2:1) com idade entre 20 e 40 anos, mas pode também afetar indivíduos de qualquer idade, e os cálculos associados à infecção do trato urinário são mais frequentes em mulheres. Existe marcada diferença racial, sendo quatro vezes mais comum em pessoas brancas. A relação familiar dessa doença é nítida, comprometendo entre 40 a 60% dos familiares de primeiro grau.4

A recorrência da litíase renal é frequente. Cerca de 50% dos pacientes apresentam um segundo episódio após dez anos do primeiro se não forem submetidos a nenhum tipo de tratamento.1-4

 

Patogênese

A formação dos cálculos urinários é o resultado de um processo complexo e multifatorial, evidenciando fatores constitucionais, ambientais e genéticos.5-9

Recentemente, tem sido reconhecido e aceito um importante mecanismo fisiopatológico na formação dos cálculos renais por meio da formação de placas de Ran-dall.10-13 Essas placas são constituídas de apatita (fosfato de cálcio), formadas nas adjacências das alças finas de Henle, abaixo do epitélio das papilas renais6-8. As placas de Randall, em algum momento, podem erodir, lesar e atravessar o epitélio papilar, formando nichos que reúnem cristais da urina supersaturada que banha as papilas renais.8,9 Nesses sítios, agregam-se sais de oxalato de cálcio, ácido úrico, fosfato de cálcio, entre outros, iniciando a formação e o crescimento de cálculos. 8,9

Estudos radiológicos e endoscópicos identificaram as placas de Randall em muitos pacientes com cálculos de oxalato de cálcio, mas não em todos. Também pacientes com cálculos de ácido úrico não apresentam as placas. Dessa forma, outras teorias mais recentes procuram explicar a formação dos cálculos através de moléculas de adesão de superfície celular, tais como fosfatidilserina, ácido siálico, ácido hialurônico, osteopontina e glicoproteína do receptor CD44, envolvida na adesão celular. Na presença dessas moléculas, ocorre adesão dos cristais na membrana luminal das papilas renais, que sofrem endocitose e são degradadas ou transportadas para o interstício, talvez originando as placas de Randall.1,6,8

Outros mecanismos fisiopatogênicos, associados ou não aos anteriormente citados, são de forma clássica apontados como causas de formação de cálculos, tais como: alterações bioquímicas da urina (distúrbios metabólicos), infecção urinária, anormalidades anatômicas e idiopática.

As alterações anatômicas podem estar associadas à formação de cálculos no trato urinário, principalmente se ocorrem estase e infecção urinária. Por exemplo, pacientes com hiperplasia de próstata apresentam predisposição à formação de cálculos vesicais. Em geral, esses cálculos são múltiplos ou de grande tamanho. Na Figura 85.1, são verificados cálculos retirados da bexiga de um paciente com hiperplasia de próstata e infecções urinárias de repetição. Pode-se observar que os cálculos têm formato arredondado.2-4

 

 

Figura 85.1

Cálculos retirados da bexiga de um paciente com hiperplasia de próstata e obstrução uretral. Nota-se que os cálculos são arredondados pelo movimento circular da bexiga e perda das espículas de cristais.

 

Uma condição fundamental para a formação de cálculos renais é a supersaturação urinária com componentes insolúveis ou pouco solúveis em situações de hiperexcreção e/ou desidratação. Sendo a urina supersaturada para determinados íons, o que impede a formação de cálculos é a existência de substâncias inibidoras da cristalização. Esses inibidores também agem na superfície dos cristais já formados, bloqueando as zonas de crescimento ativo e a agregação de outros cristais.1-4

 

É possível interromper o crescimento do cristal por meio da ligação dessas substâncias inibidoras. Os principais inibidores da cristalização urinária são citrato, magnésio, glicosaminoglicanos e pirofosfato.

 

Outros elementos que podem estar envolvidos na patogênese da litíase renal são o uroepitélio, que apresenta propriedades de adesão e retenção de cristais, os fragmentos celulares ou mesmo as bactérias. Esses elementos podem exercer a função de nucleadores não específicos no ambiente de urina supersaturada por outros íons. Esse processo é denominado nucleação heterogênea.9

 

Outros fatores envolvidos na litogênese do trato urinário são pH urinário, volume urinário e dieta.

O pH urinário apresenta um significativo papel na fisiopatologia da litíase renal, especialmente na litíase do ácido úrico, na formação de cálculos coraliformes associados à infecção urinária e na precipitação de cristais de fosfato de cálcio em pacientes com litíase calcária em que o pH seja maior do que 7. O uso terapêutico de álcalis, como citrato de potássio ou magnésio, em casos de hipercalciúria, litíase do ácido úrico, cistinúria ou acidose tubular renal tipo I, resultam em pHs nesse nível, precipitando cristais de fosfato de cálcio.3

Considera-se como fator de risco para desenvolvimento de litogênese um volume urinário menor do que 1.000 mL por dia, pois aumenta a saturação urinária de solutos como cálcio, oxalato, ácido úrico e fosfato.

 

A dieta dos pacientes apresenta considerável participação na formação de cálculos renais. Existe uma relação direta entre a ingestão proteica e a excreção de cálcio urinário. A elevação do cálcio induzida pelo excesso de proteína animal (vermelha ou branca) decorre de um estado crônico de acidose metabólica leve, devido ao conteúdo de radicais sulfatados existentes principalmente na carne vermelha. Esse excesso de ácido reduz diretamente a reabsorção tubular renal de cálcio e aumenta a reabsorção óssea. Essa maior quantidade de cálcio para a circulação, juntamente ao aumento da carga filtrada de cálcio e a sua complexação com íons não reabsorvíveis, contribuem para o desenvolvimento de hipercalciúria.3,14,15 Uma sobrecarga  proteica também favorece a formação de cálculos, devido ao aumento da excreção urinária de ácido úrico. O uso de álcool (especialmente cerveja) também resulta em aumento da uricosúria, e os derivados da cola (p. ex., Coca-cola®) elevam a calciúria por conterem sódio e açúcar.

 

Sendo assim, a acidificação urinária decorrente dessa sobrecarga diminui a excreção de citrato por meio de uma maior reabsorção tubular proximal e da utilização do citrato na gliconeogênese desencadeada pela acidose intracelular.

O aumento da ingestão de sódio na dieta também está associado à elevação do cálcio urinário. Ambos os íons são reabsorvidos no túbulo proximal e na alça de Henle, sendo que, na expansão aguda de volume, pode ocorrer concomitantemente aumento da calciúria e da natriúria. Pacientes com litíase cálcica recorrente e hipercalciúria são mais sensíveis à ação hipercalciúrica do sódio.14,15

 

Etiologia

Em países industrializados, cerca de 85% dos cálculos do trato urinário superior contêm cálcio complexado com oxalato ou fosfato. Na etiologia da nefrolitíase, destaca-se a alta taxa de prevalência de alterações metabólicas relacionadas a essa condição, principalmente ahipercalciúria.1-4

 

Promotores da cristalização

Os cálculos urinários são causados por cálcio, oxalato, ácido úrico e cistina.

 

Hipercalciúria

A hipercalciúria é a anormalidade metabólica mais prevalente nos pacientes com litíase renal. A hipercalciúria idiopática que ocorre quando há normocalcemia é a mais frequente, podendo ser observada em até 40% dos pacientes com litíase cálcica. O envolvimento ósseo, com aumento da reabsorção e redução da densidade mineral óssea (DMO), osteopenia e maior incidência de fraturas é verificado em uma proporção de pacientes jovens hipercalciúricos. A redução da DMO na coluna lombar, no fêmur proximal e no rádio ocorre em 40%, 31% e 65% dos pacientes com litíase calcária, tanto em hipercalciúricos quanto normocalciúricos.1,8

A hipercalciúria pode se apresentar também de forma secundária a diversas condições, como sarcoidose, acidose tubular renal, hiperparatireoidismo, hipertireoidismo, tumores malignos, imobilização, doença óssea rapidamente progressiva, doença de Paget, intoxicação por vitamina D, uso de glicocorticoides, doença de Cushing e uso de drogas, como furosemida.

 

Hiperoxalúria

Aproximadamente dois terços dos cálculos apresentam oxalato de cálcio. Apesar disso, na maioria dos indivíduos litiásicos há excreção urinária de oxalato em níveis normais ou pouco elevados. O oxalato urinário é um fator crítico na formação de cálculos de oxalato de cálcio, pois sua concentração é muito menor do que a de cálcio, mas muito mais litogênica. Uma baixa redução dos níveis de oxalúria evidencia mais efetividade para a diminuição do índice de formação de cálculos do que a redução dos valores de calciúria. A absorção intestinal de oxalato é maior em casos de doença inflamatória intestinal, como Crohn e colite ulcerativa, ressecção de intestino delgado, após bypass gástrico e cirurgia bariátrica, condições que caracterizam hipercalciúria secundária. No entanto, a maioria dos casos de oxalúria é endógena, produto final do glioxalato, e altos níveis de oxalúria são observados nas formas primárias, geneticamente determinadas, de hiperoxalúria tipo I e tipo II.2-4

 

Hiperuricosúria

Os cálculos de ácido úrico puro são menos comuns, ocorrendo em 5 a 15% dos pacientes litiásicos. Esse tipo de cálculo é mais frequente em pacientes com gota primária, afetando cerca de 30% dos gotosos. Nesses pacientes, o pH urinário exerce um papel fundamental, pois eles apresentam produção urinária diminuída de amônia com consequente redução do pH urinário. Mais recentemente, tem sido relatado que a litíase úrica associa-se à síndrome metabólica e à resistência à insulina, ocorrendo em pacientes obesos, dislipidêmicos, com intolerância à glicose ou diabéticos tipo 2. A resistência insulínica está associada a amoniagênese renal reduzida, níveis de pH urinário excessivamente baixos e normouricosúria, favorecendo a formação de cálculos de ácido úrico e mistos de urato e oxalato de cálcio.8

 

Cistinúria

A cistinúria é uma doença hereditária autossômica recessiva, caracterizada por uma inabilidade no manuseio renal dos aminoácidos dibásicos (cistina, ornitina, lisina e arginina). A cistina é pouco solúvel na urina e, quando excede a concentração de 200 mg em 24 horas, pode causar a formação de cálculos. Em geral, pacientes com cistinúria grave apresentam níveis urinários de cistina maiores do que 1.000 mg/24 h.1

 

Inibidores da cristalização

Os principais inibidores da formação de cristais de fosfato e de oxalato de cálcio são citrato, glicosaminoglicanos, glicopeptídeos, pirofosfato, magnésio, zinco e ácido ribonucleico.

 

Aproximadamente 50% da atividade inibitória total para cálculos de fosfato de cálcio é atribuída ao citrato, 20% ao magnésio, 10% ao pirofosfato e somente 20% aos demais inibidores.3,16

 

Hipocitratúria

O citrato é o ácido orgânico mais abundante na urina. Origina-se de duas fontes: metabolismo celular, no qual é um componente do ciclo de Krebs, e ingestão alimentar. Uma dieta normal inclui cerca de 4 g de citrato por dia. As suas fontes principais são leite e derivados e frutas cítricas, como laranja, limão e lima.

A hipocitratúria, como um distúrbio isolado ou em associação com outras anormalidades metabólicas, ocorre em 20 a 50% dos pacientes litiásicos. Níves de citratúria menores do que 320 mg/24 h são considerados anormais. Há hipocitratúria com acidose metabólica sistêmica em casos de acidose tubular renal distal tipo I ou com depleção crônica de potássio.3

 

Anormalidades do pH urinário

Infecção urinária

O termo litíase por infecção urinária é aplicado aos casos em que se identificam cálculos de estruvita, um sal triplo composto por fosfato, amônio e magnésio hexa-hidratado, associado ou não a carbonato de apatita, com infecção urinária por bactérias produtoras de urease. Essa enzima hidrolisa a ureia em amônia e dióxido de carbono. A amônia combina-se com hidrogênio, formando amônio, o que contribui para elevar o pH urinário e precipitar cristais de estruvita. Esses cristais originam um cálculo de crescimento rápido, de baixa densidade cálcica, geralmente de grandes proporções, que ocupa as cavidades pielocaliciais e, algumas vezes, toda a pelve renal, se não tratado antes. A litíase coraliforme causa uropatia obstrutiva e insuficiência renal crônica terminal (Figura 85.2).

 

 

Figura 85.2

Cálculo coraliforme de uma paciente com infecção urinária de repetição. Foi submetida à nefrectomia unilateral.

 

Acreditava-se que apenas bactérias produtoras de urease ocasionam a formação desse tipo de cálculo, sendo as bactérias da espécie Proteus, Staphylococcus, PseudomonasKlebsiella as mais prevalentes. No entanto, tem se observado que mesmo bactérias não produtoras de urease, tal como a Escherichia coli, podem criar condições litogênicas por centralizarem o processo de cristalização. Isso sugere uma função direta da bactéria na formação de cristais de fosfato de cálcio, independentemente da atividade da urease.

 

Acidose tubular renal

A acidose tubular renal ocorre em 1 a 2% dos pacientes portadores de litíase renal. Na grande maioria dos casos, a afecção é esporádica, mas existem relatos na literatura de famílias nas quais a doença é herdada de forma autossômica dominante, com penetrância incompleta e expressividade variável.

A litíase renal é um achado frequente em pacientes com acidose tubular renal do tipo 1, ou distal, na qual ocorre deficiente secreção de íons hidrogênio em túbulos distais, resultando em urina alcalina e precipitação de hidroxiapatita. A calculose renal, nefrocalcinose e osteomalacia são achados comuns, podendo também ocorrer distúrbios de concentração urinária decorrentes de hipocaliemia e/ou nefrocalcinose.

 

O diagnóstico de acidose tubular renal (ATR) distal pode ser realizado por meio da dosagem do pH urinário após 12 horas de jejum (segunda micção).

Nessas condições, se o pH urinário for maior do que 5,5, associado à acidose metabólica sistêmica (redução do bicarbonato sérico), o diagnóstico de ATR distal completa é confirmado.

 

Outros novos fatores de risco de nefrolitíase

A colonização do intestino pelo anaeróbio Oxalabacter formigenes tem sido associada à redução do risco de litíase urinária, pois essa bactéria não apenas degrada o oxalato como também interage com o ânion transportador oxalato/cloreto (CFEX, SLC26A6) existente nas células epiteliais do intestino, aumentando a secreção de oxalato e diminuindo a sua absorção.3

A cirurgia de bypass gástrico (Roux-en-Y) para tratamento de obesidade tem sido associada à formação de cálculos renais. O mecanismo responsável por essa associação é a hiperoxalúria entérica que ocorre devido à combinação de perda de cálcio fecal ligado a ácidos graxos com a alteração da microflora intestinal, sendo que ambos os fatores facilitam a absorção de oxalato da dieta.17

Além das doenças monogênicas, como hiperoxalúria primária, cistinúria e acidose tubular renal distal, outras investigações tem sido realizadas para o entendimento da associação entre história familiar de nefrolitíase e risco de calculose renal. Um polimorfismo da enzima alanina: glioxalato aminotransferase vitamina B6 dependente, responsável pela conversão hepática de glioxalato à glicina, reduzindo a formação de oxalato, pode estar associado a defeito dessa enzima, de forma a aumentar a produção do precursor glioxalato e, consequentemente, de oxalato.18

 

Sinais e Sintomas

Os principais sinais e sintomas apresentados por pacientes com a passagem de cálculo pelo trato urinário são os seguintes:

 

Dor de forte intensidade

Irradiação da dor para fossa ilíaca do mesmo lado

Sudorese

Palidez

Náuseas e vômitos

Hematúria

Obstrução urinária

 

Quando o cálculo renal está próximo da junção ureteropélvica, podem ocorrer sintomas que sugerem a ocorrência de infecção urinária, como disúria, urgência para urinar e polaciúria.

 

Quadro clínico

Os pacientes podem ser assintomáticos, e a existência de cálculos pode ser descoberta acidentalmente durante investigação de outros problemas clínicos. A principal manifestação clínica do paciente com cólica renal é a dor.

 

A cólica renal é a manifestação de espasmo e contração ureteral causados devido à passagem de cálculo ou coágulo, associados a obstrução e aumento da pressão retrógrada até as cavidades pielocalicinais. A obstrução urodinâmica produz secreção de prostaglandinas vasodilatadoras e outras citocinas, que aumentam o fluxo plasmático renal e a filtração glomerular na fase inicial do quadro, produzindo dor. Entretanto, na prática clínica, observam-se comumente quadros dolorosos mesmo quando não há obstrução. A dor começa abruptamente, em geral na região lombar, e aumenta de forma progressiva em intensidade, sendo necessária, com alguma frequência, a utilização de analgésicos potentes, como morfina ou derivados. A cólica renal pode ocorrer concomitantemente a náuseas, vômitos, agitação e, de maneira eventual, íleo paralítico, como consequência da intensidade da dor.

 

Quando o cálculo está migrando e localiza-se no terço médio ou inferior do ureter, em geral a dor irradia-se para a fossa ilíaca e para o testículo, no homem, ou para os grandes lábios, na mulher, ipsilateralmente. O cálculo, quando migra no ureter terminal junto à bexiga, pode produzir sintomas semelhantes aos manifestados em casos de infecção urinária, ou seja, disúria, polaciúria, ardência e urgência miccionais. A migração do cálculo pelo ureter geralmente está associada às hematúrias microscópica, não glomerular, ou macroscópica (Figura 85.3).

 

A obstrução urinária ocorre comumente durante a passagem do cálculo pelo ureter. Essa obstrução, em geral, é parcial e temporária, não causando lesão renal estrutural. Cálculos menores do que 5 mm são, na maioria das vezes, eliminados espontaneamente; entre 5 e 7 mm, cerca de 50% deles são eliminados, e os maiores do que 7 mm são excretados com pouca frequência sem manejo urológico.3,14,15,19

 

Quando a obstrução é completa e duradoura, deve ser realizada manipulação endourológica, litotripsia extracorpórea ou, mais raramente, ureterolitotomia para evitar dano renal permanente. No entanto, se a obstrução por cálculo ureteral ocorrer concomitantemente à infecção urinária, deve-se realizar desobstrução em caráter de urgência, sempre com cobertura antimicrobiana antes do procedimento para evitar o desenvolvimento de sepse.

 

 

Figura 85.3

Cálculo no segmento médio do rim direito obstruindo o ureter. Presença de cateter duplo "J".

 

A perda de função renal não ocorre em casos de obstrução aguda unilateral, mas pode ser uma complicação resultante de obstrução crônica, pielonefrite de repetição e pionefrose, cicatriz cirúrgica e nefrectomia parcial ou total. Muitas vezes, observa-se elevação da creatinina em quadros obstrutivos unilaterais, por mecanismo hemodinâmico resultante do estímulo de prostaglandinas e tromboxano, vasoconstritores que reduzem o fluxo sanguíneo renal bilateralmente. Em exame de imagem, isso corresponde à exclusão renal na urografia excretora.3

 

Diagnóstico

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial de cólica renal deve incluir pielonefrite aguda, cólica biliar, pancreatite aguda, apendicite aguda, úlcera péptica penetrada ou perfurada, cisto de ovário roto, diverticulite aguda, gravidez ectópica e dor lombar aguda secundária a problemas musculoesqueléticos.

 

Avaliação do paciente com litíase renal

A avaliação metabólica de pacientes com litíase renal está indicada somente quando existir certeza do diagnóstico de urolitíase, como em casos de história de eliminação espontânea de cálculo renal, cálculo no trato urinário identificado por raio X simples de abdome, ultrassonografia ou tomografia computadorizada e retirada cirúrgica ou endoscópica de cálculo.

 

Avaliação laboratorial

Os objetivos da avaliação metabólica são identificar fatores de risco e/ou causas primárias ou secundárias de litíase, definir prognóstico e orientar as intervenções terapêuticas. No primeiro episódio de um cálculo único, não está indicada a realização de avaliação laboratorial detalhada, mas de bioquímica restrita (exames de sangue). Nas seguintes situações, a avaliação metabólica deve ser extensa e completa: cálculos múltiplos e recorrentes, cálculos bilaterais, cálculos de ácido úrico, cálculos coraliformes, nefrocalcinose, rim único, perda de função renal por cálculo, em crianças, mesmo naquelas com episódio único de cálculo, e em candidatos à doação de rim com cálculo silencioso. É importante que o paciente faça os exames mantendo a dieta habitual, e deve- se questioná-lo sobre essa dieta para a correta interpretação dos testes laboratoriais. Os exames são realizados no sangue, em amostra isolada de urina e em urina de 24 horas. O resultados dos exames iniciais podem determinar a necessidade de testes mais específicos.3,17,18,20-22

 

Amostra isolada de urina

Coletar uma amostra de urina isolada após 12 horas de jejum (segunda micção), pela manhã, para a realização dos seguintes exames: exame de urina (urina tipo I), urocultura, pH urinário no potenciômetro e teste qualitativo para cistinúria.

 

Urina de 24 horas

Coletar duas amostras de urinas de 24 horas, em dias não consecutivos, sob dieta habitual, para análise de cálcio, ácido úrico, creatinina, sódio, citrato, oxalato, magnésio e fosfato, e medida do volume urinário.Utiliza-se a creatininúria para avaliar se a coleta de urina foi completa. Em homens, os valores de creatinina urinária variam de 16 a 25 mg/kg de peso, em 24 horas, e, nas mulheres, de 12 a 22 mg/kg de peso em 24 horas.

 

Sangue

Coletar sangue para a realização dos seguintes exames: cálcio, ácido úrico, fósforo, creatinina, potássio, bicarbonato, paratormônio molécula intacta (PTHi) e glicose.

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Exames de imagem

Raio X n Aproximadamente 85 a 90% dos cálculos são radiopacos, devido a incidência dos cálculos de cálcio, cálculos mistos de ácido úrico e oxalato de cálcio e cálculos de estruvita e de cistina. Os cálculos puros de ácido úrico são radiotransparentes, bem como os de estruvita na fase inicial. O raio X pode determinar a forma, o número e, com alguma precisão, a localização dos cálculos no trato urinário. Entretanto, a sensibilidade desse procedimento é baixa e depende da realização de limpeza adequada do intestino, o que raramente é feito em situações de urgência (Figura 85.4).

 

Ultrassonografia n A ultrassonografia possibilita avaliar dilatação da pelve e das cavidades pielocalicinais, assim como a hidronefrose. Esse exame evidencia tanto os cálculos radiotransparentes quanto os radiopacos.

 

Tomografia computadorizada sem contraste n Esse tipo de tomografia é utilizada na avaliação de cálculos impactados no ureter, sendo considerado o exame mais acurado para essa localização de cálculo (Figura 85.5).3

 

Critérios para o diagnóstico metabólico

Algumas condições associadas à nefrolitíase exigem a realização de testes especiais para o diagnóstico definitivo de determinadas alterações metabólicas.3,18,23,24 Na Tabela 85.1, pode-se verificar os principais testes realizados nos pacientes com litíase renal. Os critérios utilizados para o diagnóstico das alterações metabólicas estão descritos na Tabela 85.2.

 

 

Figura 85.4

Raio X simples de abdome mostrando células radiotransparentes de oxalato de cálcio no ureter esquerdo.

 

Tratamento

Crise aguda

Inicialmente o manejo da cólica renal aguda inclui analgesia e avaliação do tamanho do cálculo.

Para pacientes com dor leve ou moderada, podem ser utilizados analgésicos e/ou anti-inflamatórios, como a dipirona e o diclofenaco intramuscular ou o cetoprofeno intravenoso. Nos casos de dor intensa, pode se administrar morfina intravenosa ou outro derivado de opiáceo (tramadol).

Antieméticos, como metoclopramida ou ondansetron, em geral são necessários pelo efeito emetizante da cólica renal e do uso de opiáceos.

 

 

Figura 85.5

Tomografia computadorizada mostrando: (A) Obstrução do rim direito. (B) Cálculo no ureter.

 

 

 

 

Litíase urinária recorrente

O tratamento do cálculo no rim ou no trato urinário envolve, muitas vezes, manejo clínico e cirúrgico associados. Em geral, obstrução grave ou prolongada, infecção, sangramento excessivo e/ou dor intratável são indicações para procedimentos endoscópicos ou cirúrgicos de urgência. O uso da litotripsia extracorpórea, um dos métodos de tratamento mais comumente utilizados atualmente, é eletivo, mas o manejo urológico deve ser individualizado conforme a intensidade e a duração da dor, a obstrução, o tamanho e a posição do(s) cálculo(s) e a preferência do paciente.

As medidas gerais que devem ser realizadas por todos os pacientes portadores de nefrolitíase recorrente são as seguintes:3,17,18,23,24

 

Aumento da ingestão de líquidos (2 a3 L/dia), sendo 50% na forma de água e sucos cítricos, sem açúcar. Chá e café devem ser ingeridos com leite para ligação do oxalato livre. Deve-se evitar refrigerantes à base de cola.

Restrição de sal (3 a 4 g/dia).

Diminuição da ingestão de proteínas de origem animal (carne vermelha ou branca, restritas a 140 a 160 g carne/dia).

Adequação da ingestão de cálcio (800 a 1.000 mg/ dia).

Atividade física regular (no mínimo, três vezes por semana).

Adequação de fatores ambientais, como calor excessivo e baixa umidade do ar.

 

No seguimento de uma grande coorte contemporânea durante quatro anos e em outros estudos posteriores,29,30 foi observado que uma dieta contendo mais de 1.000 mg de cálcio por dia diminui o risco de nefrolitíase sintomática em relação à dieta restrita em cálcio (400 mg/dia). Igualmente, uma dieta com redução de proteína animal (40 a 50 g de proteína), redução de sal (3 a 4 g/dia) e rica em fibras e produtos de origem vegetal reduz a uricosúria e a calciúria, principalmente no subgrupo de pacientes com hipercalciúria idiopática e hipercalciúria associada à hiperuricosúria.

Caso as medidas anteriormente citadas não sejam efetivas, indica-se o tratamento farmacológico específico para o distúrbio identificado,1,3,17,18,20-24 conforme discriminado na Tabela 85.3. A Tabela 85.4 apresenta as drogas e as respectivas doses comumente utilizadas no tratamento de pacientes com nefrolitíase com suas preparações comerciais disponíveis.

 

 

 

 

Caso Clínico Comentado

O paciente apresenta diversos fatores de risco para o desenvolvimento de litíase renal, como os dietéticos e metabólicos citados. Essa é a razão da recorrência dos cálculos frequentes nos pacientes que não realizam uma avaliação metabólica diagnóstica e se mantêm sem nenhum tipo de tratamento profilático. Mais de 50% dos pacientes com cálculo renal apresentarão recorrência nos próximos 10 anos se não fizerem investigação e tratamento.7

No caso desse paciente, três fatores são evidentes: o volume urinário reduzido, a elevada ingestão de proteína animal e as condições associadas à resistência à insulina. Esses fatores de risco aumentam a formação e a recorrência de cálculos urinários. Um dos aspectos da fisiopatologia da formação dos cálculos é a supersaturação urinária que está diretamente relacionada ao volume de urina eliminado. A dieta hiperproteica também está associada ao risco de litíase por aumento da excreção de ácido úrico, cálcio e diminuição do pH urinário.

A resistência à insulina está associada à redução da amoniagênese e à redução da excreção de amônio urinário, resultando em pH urinário ácido e precipitação de ácido úrico e cálculos mistos de urato e oxalato de cálcio.8 Portanto, esse paciente deve realizar uma investigação metabólica extensa e tratar as alterações laboratoriais encontradas.

A dieta é um significativo fator de risco nos pacientes com litíase renal. O volume de líquidos que deve ser ingerido é de aproximadamente 3 L por dia para a produção de, pelo menos, 2 L de urina em 24 horas. Essa diluição altera a físico-química da urina, reduz a supersaturação urinária, a nucleação homogênea e heterogênea, podendo diminuir a formação de cálculos em 40 a 50% em cinco anos.9

Dietas hiperproteicas estão associadas a uma maior chance de formação de cálculos renais, pois aumentam a excreção de cálcio e de ácido úrico urinários. Além disso, reduzem o pH urinário, permitindo a cristalização de ácido úrico. No núcleo formado por ácido úrico, agregam-se outros cristais, como oxalato e/ou fosfato de cálcio, por meio do mecanismo de epitaxia, produzindo cálculos mistos de urato e sais de cálcio. Esse mecanismo é particularmente importante em pacientes que ingerem grande quantidade de proteína de origem animal (carne vermelha e branca, embutidos) com alto conteúdo de radicais sulfatados, causando um estado de acidose metabólica crônica de grau leve.1,3 O caso desse paciente ilustra bem essa situação, que é muito frequente no Brasil.

 

Referências

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