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Transmissão Materno-Fetal de Vírus Zika e Desfechos Perinatais

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 11/02/2019

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Contexto Clínico

 

As recentes epidemias na Polinésia Francesa e nas Américas confirmaram a transmissão transplacentária vertical do vírus Zika e sua associação com anomalias congênitas, particularmente lesões graves no sistema nervoso central. No entanto, o ônus exato da doença ainda não está claro, especialmente em países endêmicos. Da mesma forma que as infecções congênitas por citomegalovírus e toxoplasmose, a transmissão vertical não é sistemática e nem sempre leva a bebês com sinais aparentes de infecção.

O risco de síndrome congênita do zika vírus (CZS) foi estimado em estudo no Brasil como superior a 40% em uma coorte de mulheres que desenvolveram infecção sintomática pelo vírus Zika durante a gestação. Dados dos EUA sugerem um risco global de 5% e até 8% em casos de infecção materna no primeiro trimestre.

Este é um estudo de coorte entre mulheres grávidas no oeste da Guiana Francesa durante a recente epidemia do vírus Zika, em que foram avaliados os resultados de testes abrangentes fetais/neonatais para o vírus. O principal objetivo do estudo foi estimar o risco absoluto de infecção materno-fetal.

 

O Estudo

 

Para esta coorte, foram elegíveis mulheres grávidas em qualquer fase da gravidez com um teste de laboratório confirmando a infecção sintomática ou assintomática do vírus Zika durante o período epidêmico na Guiana Francesa Ocidental. A coorte matriculou 300 participantes e acompanhou prospectivamente seus 305 fetos/recém-nascidos.

O principal desfecho avaliado foi a taxa de transmissão materno-fetal do vírus Zika (análise de líquido amniótico, sangue fetal e neonatal, urina, líquido cefalorraquidiano e placentas); desfechos clínicos, biológicos e radiológicos (revisão cega); e resultados adversos definidos como sinais moderados potencialmente relacionados à CZS, complicações graves compatíveis com CZS ou perda fetal. Associações entre uma infecção congênita confirmada laboratorialmente pelo vírus Zika e desfechos fetais/neonatais adversos foram avaliadas.

A transmissão materno-fetal foi documentada em 26% (76/291) dos fetos/recém-nascidos com dados completos. Entre os fetos/recém-nascidos positivos para vírus Zika, 45% (34/76) não apresentaram sinais/complicações ao nascimento, 20% (15/76) tiveram sinais moderados potencialmente relacionados à CZS, 21% (16/76) tiveram complicações graves compatíveis com CZS, e 14% (11/76), mortes fetais.

Em comparação com os fetos/neonatos positivos para o vírus Zika, aqueles que foram identificados como negativos para o vírus Zika (215/291) apresentaram menor probabilidade de apresentar complicações graves (5%; 10/215) ou morte fetal (0,5%; 1/215; risco relativo [RR] 6,9; IC 95%, 3,6 a 13,3). A associação entre um teste de vírus Zika positivo e qualquer desfecho fetal/neonatal adverso também foi significativa (RR 4,4; IC 95%, 2,9 a 6,6).

 

Aplicação Prática

 

A conclusão básica do estudo foi que, apesar da transmissão materno-fetal significativa, a carga da doença parece ser menor do que inicialmente suspeita e pode não diferir de outras infecções congênitas bem conhecidas. Embora seja necessária cautela, os resultados sugerem que, nos casos de infecção materna pelo vírus Zika, aproximadamente um em cada quatro fetos se infectará congenitamente, dos quais um em cada três será afetado por complicações graves no nascimento ou morte fetal.

A fração atribuível da população estima que uma infecção congênita confirmada pelo vírus Zika contribui para 47% dos desfechos adversos e 61% dos desfechos adversos graves observados. Os dados desse estudo podem ajudar no processo de aconselhamento de casais potencialmente expostos que vivem em áreas de risco para o vírus.

Obviamente, o estudo tem suas limitações, sendo a primeira o fato de as informações sobre a sensibilidade e a especificidade do teste neonatal serem limitadas. Em contraste com o citomegalovírus, que pode ser detectado por vários meses na urina de recém-nascidos infectados congenitamente, o RNA do vírus Zika foi raramente detectado em amostras de urina (7/76; 9%).

Embora a sensibilidade da amniocentese pareça ser limitada em casos de infecção congênita pelo vírus Zika, pode ajudar a diagnosticar infecções fetais precoces, mas foi realizada em apenas 12 casos, quando a ultrassonografia pré-natal sugeriu infecção congênita. Nesse contexto, não é possível excluir falsos negativos. Também foram consideradas amostras de cordão umbilical e placentário no diagnóstico da infecção congênita pelo vírus Zika, o que pode ser questionável devido ao risco de contaminação materna dessas amostras.

Outra limitação é que o estudo se concentra nos resultados neonatais imediatos. Para estabelecer um paralelo, para o citomegalovírus congênito, até 13,5% dos recém-nascidos que não apresentam complicações ao nascer desenvolverão sequelas permanentes, como comprometimento motor, cognitivo ou de visão e perda auditiva neurossensorial. Por fim, o viés de seleção dos casos parece ter sido limitado, uma vez que as características maternas básicas foram semelhantes entre os pacientes incluídos neste estudo e toda a população obstétrica atendida em 2016.

 

 

Bibliografia

 

Pomar L et al. Maternal-fetal transmission and adverse perinatal outcomes in pregnant women infected with Zika virus: prospective cohort study in French Guiana. BMJ 2018;363:k4431.

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