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Síndrome do intestino irritável

Última revisão: 31/08/2011

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Caso clínico

Paciente de 36 anos de idade com quadro de 6 meses de duração com episódios de diarreia de cerca de 3 evacuações diárias amolecidas, mas não líquidas, alternado com episódios de constipação, ficando sem evacuar por alguns dias. Apresenta dor abdominal nos períodos de diarreia que melhora com a evacuação, não tem perda de peso e outros sintomas. Realizou exames que incluíram fezes e colonoscopia, os quais foram negativos.

Paciente com quadro de diarreia alternado com constipação, com dor abdominal que melhora com evacuação, sem sintomas de alarme e com investigação diagnóstica negativa, o que sugere quadro funcional. No caso, a principal hipótese diagnóstica é a síndrome do intestino irritável.

 

Síndrome do intestino irritável

Trata-se de uma síndrome com dor abdominal crônica e alteração do hábito intestinal na ausência de causa orgânica. A prevalência é de 15% na população adulta norte-americana, sendo 3 vezes maior em mulheres. Um estudo europeu encontrou prevalência de 11,5%. Apenas 15% dos afetados procura atenção médica; ainda assim, representa de 20 a 25% das consultas com gastrenterologistas.

Essa síndrome é dividida em 4 subcategorias, conforme sintoma principal: dor abdominal, diarreia, constipação e diarreia associada com a constipação. Tais subcategorias serão comentadas junto com o quadro clínico destes pacientes.

 

Fisiopatologia

A fisiopatologia ainda não é conhecida. Vários fatores são estudados, ainda sem esclarecimento completo.

 

Alterações na motilidade intestinal

São um dos principais fatores implicados. O estresse psíquico e fisiológico pode alterar a contratilidade do cólon. Também são relatadas alterações no complexo neuronal migratório em intestino. Os sintomas dolorosos parecem estar frequentemente associados com atividade motora irregular do intestino delgado.

 

Hipersensibilidade visceral

Estudos de distensão do retossigmoide com balão mostram que os pacientes com intestino irritável apresentam dor e distensão menor do que os controles. Outros estudos mostram diferentes níveis de ativação de hipotálamo e cíngulo, sugerindo distúrbio primário central.

 

Fatores psicossociais

Estresse psicológico pode alterar a função motora no intestino delgado e no cólon em estudos experimentais. Também parece ser maior a chance de paciente com sintomas psicológicos como somatização, depressão e ansiedade de ter síndrome do intestino irritável.

 

Alterações de neurotransmissores

Alterações nas concentrações de serotonina em sistema nervoso central e trato gastrintestinal também podem estar envolvidos na fisiopatologia da síndrome. A serotonina estimula fibras vagais extrínsecas e eferentes intrínsecas, resultando em respostas fisiológicas como secreção intestinal, e reflexos peristálticos como náuseas, vômitos e dor abdominal. Outros neurotransmissores que podem ter papel em distúrbios gastrintestinais funcionais incluem o gene da calcitonina, acetilcolina, substância P, VIP e óxido nítrico.

 

Infecção e inflamação

Pacientes hipocondríacos ou com eventos estressores, quando apresentam infecção entérica aguda, têm maior chance de desenvolver síndrome do intestino irritável.

 

Quadro clínico

Os pacientes com síndrome do intestino irritável podem ter predomínio de sintomas como diarreia, dor abdominal ou constipação. Alguns autores dividem estes pacientes em 4 subtipos:

 

1.     Predomínio de constipação: neste caso, mais de 25% das fezes são endurecidas, sendo amolecidas em menos de 25% dos casos.

2.     Predomínio de diarreia: neste caso, fezes amolecidas em mais de 25% dos casos, com fezes endurecidas em menos de 25% dos casos.

3.     Misto: alternância de fezes amolecidas e endurecidas, ocorrendo fezes endurecidas em mais de 25% dos casos e fezes amolecidas em mais de 25% dos casos.

4.     Incaracterístico: alguns pacientes têm predomínio de dor abdominal ou outros sintomas sem alterações de hábito intestinal importantes.

 

A dor abdominal em pacientes com síndrome do intestino irritável é, na maioria das vezes, em cólica com variação de intensidade e com periodicidade e raramente altera o sono do paciente. Sintomas como anorexia e perda de peso são raros e sugestivos de outros diagnósticos.

A diarreia, por sua vez, é referida como fezes amolecidas e com frequência um pouco maior que a habitual. Cerca de 50% dos pacientes refere perda de muco nas fezes.

A constipação ocorre em períodos entremeados de hábito normal ou com diarreia. Estes períodos de constipação podem durar dias a meses. As fezes tornam-se endurecidas com necessidade de esforço evacuatório maior.

Sintomas extraintestinais podem ocorrer e incluem dispaurenia, dismenorreia, alteração da função sexual, aumento de frequência e urgência urinárias e sintomas sugestivos de fibromialgia.

 

Critérios diagnósticos

Em pacientes com diarreia crônica, descartar quadros funcionais é de extrema importância, sendo o mais importante a síndrome do intestino irritável. Estes pacientes frequentemente apresentam dor em cólica no quadrante inferior direito do abdome. A diarreia costuma ocorrer apenas no período em que paciente está acordado, não necessitando levantar à noite com urgência intestinal. Existem dois critérios diagnósticos para síndrome do intestino irritável, respectivamente, critérios de Manning (Tabela 1) e de Roma (Tabela 2).

 

Tabela 1. Critérios de Manning para síndrome do intestino irritável

Alívio da dor com a defecação.

Evacuações mais frequentes quando inicia a dor abdominal.

Fezes mais amolecidas quando inicia a dor.

Distensão abdominal visível.

Passagem de muco pelas fezes.

Sensação de evacuação incompleta.

OBS.: A probabilidade do diagnóstico aumenta com o número de critérios. Pacientes de 40 anos de idade com todos os critérios têm 80% de probabilidade de apresentarem síndrome do intestino irritável.

 

Tabela 2. Critérios de Roma para síndrome do intestino irritável

1. Dor ou desconforto abdominal recorrente por pelo menos 3 dias da semana nos últimos 3 meses.

2. Melhora com defecação.

3. Início associado com aumento de evacuações.

4. Início associado com mudança na consistência das fezes.

OBS.: Para o diagnóstico, é necessário o critério 1, mais 2 critérios.

 

Exames complementares

Como se trata de um diagnóstico de exclusão, é necessária uma avaliação mínima com história, exame físico e exames complementares. Hemograma completo, bioquímica com função hepática e TSH são realizados em quase todos os pacientes. Outros exames dependem da forma de apresentação.

 

Forma com predomínio de diarreia

Neste caso, exame protoparasitológico de fezes e coprocultura são importantes. Os exames coprológicos com pesquisa de leucócitos fecais e lactoferrina para descartar diarreia inflamatória são importantes em casos duvidosos. Exames para rastreamento para doença celíaca com pesquisas de anticorpos IgA antiendomísio e antitransglutamidase podem ser úteis. A colonoscopia ou a retossigmoidoscopia são opções, e eventualmente testes para diarreia secretória podem ser necessários. Nestes casos, o paciente costuma ter diarreias de alto volume, que não melhoram com o jejum, o que deixa o diagnóstico de síndrome do intestino irritável improvável.

 

Forma com constipação

Radiografias de abdome para avaliar a presença de fezes fazendo o diagnóstico de constipação. Colonoscopia ou retossigmoidoscopia são indicadas. Em pacientes com menos de 50 anos de idade, a maioria dos especialistas prefere fazer retossimoidoscopia, em virtude da baixa probabilidade de neoplasia; em pacientes com mais de 50 anos, a colonoscopia é o exame preferido. Exames baritados e outros são indicados conforme a situação clínica.

Existem os chamados sinais de alarme para consideração de outros diagnósticos que incluem:

 

         sangue oculto nas fezes positivo;

         sangramento retal;

         anemia;

         anorexia;

         perda de peso;

         diarreia persistente com desidratação;

         constipação severa;

         impactação retal;

         história familiar de câncer de trato gastrintestinal, doença inflamatória ou doença celíaca.

 

Neste caso, os exames indicados para a suspeita diagnóstica correspondente estão indicados.

 

Tratamento

Um dos elementos mais importantes é a relação médico-paciente. Um estudo demonstrou que uma intervenção aumentando a atenção dada aos pacientes, mesmo sem outras intervenções terapêuticas, foi associada com melhora significativa dos sintomas. A educação do paciente é importante, devendo-se tranquilizá-lo em relação a sua doença, lembrando que a sobrevida destes pacientes é igual à da população normal e raramente um diagnóstico orgânico relacionado aos sintomas do paciente aparece durante o seguimento.

Os pacientes devem ser instruídos a realizar um diário alimentar com a identificação de alimentos que desencadeiam sintomas. Recomendações gerais em relação à alimentação incluem evitar alimentos produtores de gás, como feijão e cebolas, bananas, pães e alimentos gordurosos. Uma tentativa possível é a retirada da lactose da alimentação, com alguns pacientes apresentando melhora. Outros passos que podem ser realizados incluem retirar glúten da dieta e cortar carboidratos, principalmente produtos contendo sorbitol. A retirada de cafeína e álcool também pode ser benéfica. Em pacientes em que a constipação é o sintoma predominante, devem-se evitar alimentos constipantes e adicionar 20 a 30 g de fibras na dieta.

Atividade física teve benefício em alguns estudos e atividade regular por 40 a 60 minutos na maioria dos dias da semana deve ser encorajada.

A abordagem nos pacientes é baseada, sobretudo, nos sintomas. Assim, temos uma abordagem dependente do sintoma predominante, conforme segue.

 

Pacientes em que dor é o sintoma predominante

         Mudar dieta;

         uso de anticolinérgico e antiespasmódicos para dor, como hiosciamina;

         nitratos são outra opção para dores funcionais de trato gastrintestinal;

         antidepressivos tricíclicos em doses usuais de 25 a 75 mg de amitriptilina ou nortriptilina;

         uso de outros antidepressivos como os inibidores da recaptação da serotonina;

         uso de analgésicos incluindo anti-inflamatórios e opioides.

 

Pacientes em que a diarreia é o sintoma predominante

         Mudança de dieta;

         uso de antidiarreicos como a loperamida: dose inicial de 4 mg;

         outros antidiarreicos, como colestiramina.

 

Pacientes em que a constipação é o sintoma predominante

         Mudança de dieta;

         laxativo osmótico, como lactulose;

         outros laxativos;

         inibidores da 5HT4, como tegaserode, não são mais indicados, pois podem aumentar eventos cardiovasculares.

 

A prescrição para o paciente deste caso dependerá do sintoma apresentado. Assim, além das mudanças de dieta, em casos de dor, pode-se recomendar o uso de hiosciamina a cada 6 horas com analgésico associado, como a dipirona. Se o paciente apresenta diarreia, a loperamida pode ser usada em dose inicial de 4 mg/dia, com dose máxima de 16 mg/dia, que raramente é necessária. Se o paciente apresenta constipação, a lactulose em dose inicial de 10 a 15 mL duas vezes ao dia pode ser aumentada até 60 mL três vezes ao dia. Se sintomas depressivos associados, os antidepressivos tricíclicos são opção interessante, pois a paciente é jovem e sem contraindicações aparentes à medicação.

 

Bibliografia recomendada

1.     Drossman DA, Thompson WG. The irritable bowel syndrome: review and a graduated multicomponent treatment approach. Ann Intern Med. 1992 Jun 15;116(12 Pt 1):1009-16.

2.     American College of Gastroenterology Task Force on Irritable Bowel Syndrome, Brandt LJ, Chey WD, Foxx-Orenstein AE, Schiller LR, Schoenfeld PS, et al. An evidence-based position statement on the management of irritable bowel syndrome. Am J Gastroenterol. 2009 Jan;104 Suppl 1:S1-35.

3.     Wald A. Clinical manifestations and diagnosis of irritable bowel syndrome. UptoDate.com CD 19.3.

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