Autor:
Rodrigo Antonio Brandão Neto
Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 25/04/2016
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Em resposta à diminuição de temperatura ocorrem respostas fisiológicas e diminuição de fluxo sanguíneo cutâneo de forma a reduzir o calor local e que preserva a temperatura normal.
O fenômeno de Raynaud é uma resposta vascular exagerada a estímulos como frio e estresse emocional, caracterizado por alterações marcantes de coloração da pele dos dedos, acredita-se que seja causado por vasoconstrição anormal de artérias digitais e de arteríolas cutâneas embora seu aparecimento possa ser multifatorial. O fenômeno é considerado primário quando sem evidência de doença associada.
É difícil de definir sua prevalência devido à ausência de um padrão de reprodutibilidade, a maior parte da literatura cita prevalência de 5-20% para mulheres e 4 a 14 % para homens, mas variações internacionais importantes ocorrem, por exemplo, um estudo na França demonstrou prevalência de 17% na população e nos Estados Unidos, por sua vez, a prevalência se aproxima de 5%. A condição é mais comum em mulheres, que representam de 60 a 90% dos casos, em pacientes jovens e em parentes de primeiro grau de pacientes que apresentam fenômeno de Raynaud. A idade média de início é de 31 anos de idade e cerca de 75% dos pacientes apresentam a manifestação inicial antes dos 40 anos de idade.
História familiar está presente em mais de um terço dos casos, com aumento de cinco vezes no risco de desenvolver o fenômeno se existe antecedente familiar positivo. A maior parte dos casos é primária e menos de 15% dos pacientes desenvolverão alguma condição que tem entre suas manifestações clínicas o fenômeno de Raynaud.
O tabagismo em homens, doenças autoimunes associadas e reposição hormonal estrogênica são fatores de risco para seu desenvolvimento.
Em sua descrição original em 1862 Maurice Raynaud descrevia uma reação de irritabilidade na inervação vascular em resposta a asfixia local, que levava ao aparecimento das manifestações que depois vieram a ser denominadas de fenômeno de Raynaud.
O sistema neurossensorial é uma função do sistema nervoso que protege os pacientes de respostas de temperatura extremas. As fibras aferentes neurossensoriais detectam o estímulo ambiental de temperaturas seja de calor ou frio e iniciam uma resposta vascular de vasoconstrição ou vasodilatação. O controle dessa reatividade vascular é realizado por um sistema complexo interativo de sinais nervosos, hormônios circulantes e medidores que são liberados pelas células e vaso sanguíneo. No caso do fenômeno de Raynaud primário ocorre uma resposta exagerada seja ao frio ou a estresse emocional com vasoconstrição anormal de artérias digitais, no fenômeno primário isso ocorre por um aumento na resposta alfa-2 adrenérgica nos vasos digitais e cutâneos. No fenômeno de Raynaud secundário a resposta exagerada pode ocorrer por uma variedade de motivos dependentes da etiologia secundária que alteram a resposta usual de vasorreatividade.
Aparece principalmente em ataques súbitos que envolvem na maioria das vezes dígitos das mãos com sensação de frio local seguido de palidez cutânea (fase branca) e posteriormente com evolução para cianose local (fase azul), alguns pacientes não têm a fase inicial de palidez cutânea, com o reaquecimento o ataque é autolimitado e dura de 15 a 20 minutos. Posteriormente podemos ter eritema com rubor exuberante secundário à reperfusão local. Usualmente o fenômeno inicia-se em um dedo e se alastra posteriormente para os outros dígitos envolvendo inicialmente principalmente o dedo indicador e o terceiro dedo, o envolvimento do polegar ou primeiro dedo é incomum e quando presente sugere etiologia secundária do fenômeno de Raynaud. Os pacientes podem apresentar outros sintomas associados como parestesias e sensação de anestesia nos dedos, além de dor local; alterações funcionais motoras em dedos ou membros não são usuais.
Os pacientes podem ainda apresentar livedo reticular, que é uma lesão com coloração violácea em padrão reticular da pele de braços e pernas após exposição ao frio, esse achado é benigno e reversível com o reaquecimento, pode não ocorrer reversão do livedo reticular em pacientes com doença vascular periférica e síndrome de anticorpo antifosfolípide.
Baseado na história clínica, não é recomendado realizar provas de provocação, como expor mão a água fria devido à inconsistência dos resultados. Alguns critérios clínicos e definições são utilizados, entre eles:
-Fenômeno de Raynaud definitivo: episódios repetitivos bifásicos em resposta ao frio.
-Provável fenômeno de Raynaud: mudanças apenas unifásicas e parestesias em relação à exposição ao frio.
-Sem fenômeno de Raynaud: alterações de circulação sem relação com a exposição ao frio.
O fenômeno, conforme já discutido, pode ser classificado em primário ou secundário, no caso:
Fenômeno de Raynaud primário: o termo utilizado pode ser também fenômeno de Raynaud idiopático ou doença de Raynaud. Usualmente, a idade de início ocorre entre 15 e 30 anos, sendo mais comum em mulheres, podendo ocorrer em múltiplos membros familiares.
Critérios para definir fenômeno de Raynaud primário:
-Ataques episódicos simétricos;
-Ausência de evidência de doença vascular periférica;
-Sem gangrena digital, telangiectasias digitais ou injúria tecidual;
-Capilaroscopia negativa;
-FAN negativo e provas inflamatórias normais (tradicionalmente VHS normal).
O fenômeno de Raynaud secundário também pode ser denominado de síndrome de Raynaud. Nesse caso, a manifestação faz parte do espectro de alguma doença específica. As mais comuns causas de Raynaud secundário incluem esclerodermia, LES e outras doenças do tecido conectivo. Doenças vasculares oclusivas como tromboangeíte obliterante, e outras, podem ainda ser induzidas por medicações, por outras causas de fenômenos hemorreológicos, como crioaglutininas, policitemia, criofibrinogenemia. Pode ainda ser induzido por vibração, trauma vascular (injúria de artéria ulnar distal) e outras criopatias (frostbite). Usualmente não é necessária a extensa avaliação desses pacientes, exceto quando paciente apresenta evidências que aumentam chance de fenômeno secundário, entre essas pistas incluímos:
-Aparecimento com idade maior do que 40 anos;
-História de um fator precipitante;
-Sexo masculino;
-Eventos severos e dolorosos com evidências de isquemia como úlceras cutâneas;
-Ataques assimétricos;
-Sinais e sintomas sugestivos de doença secundária como alterações na capilaroscopia;
-Parâmetros laboratoriais anormais sugestivos de doença vascular ou autoimune;
-Fenômeno de Raynaud com sintomas isquêmicos atingidos na região proximal de dedos principalmente se envolver punhos e mãos.
Nessas circunstâncias, um dos mais importantes exames é a capilaroscopia, que permite observar se existe a perda de capilares e se apresenta padrão sugestivo de esclerodermia, lembrando que cerca de 13% dos pacientes cuja apresentação inicial é fenômeno de Raynaud desenvolvem doença do colágeno posterior principalmente esclerodermia.
Em pacientes com capilaroscopia alterada, pesquisa de autoanticorpos como Ac anti-centrômero, Ac anti-tpo isomerase e Ac anti SCXL 70 são necessários.
Exames para investigar causas secundárias:
-Hemograma completo;
-Bioquímica geral com testes de função renal e hepática;
-Urina 1;
-Fator reumatoide;
-Complemento com C3 e C4;
-FAN e autoanticorpos.
Os pacientes usualmente não apresentam debilidade significativa secundária aos ataques, embora possa ocorrer alteração da qualidade de vida, a condição é benigna e na maioria das vezes não exigirá tratamento. Nos pacientes com alterações da qualidade de vida e com sintomas sistêmicos associados o tratamento específico deve ser considerado. No caso do fenômeno de Raynaud secundário, o tratamento usual é o da condição de base. Com as medidas de suporte é esperada melhora significativa dos sintomas e prevenção do aparecimento de úlceras digitais. As medidas não farmacológicas incluem:
-Evitar exposição ao frio;
-Educar o paciente em relação aos possíveis fatores precipitantes;
-Minimizar estresse emocional;
-Estratégias para manter corpo aquecido;
-Manter dedos quentes;
-Estratégias para terminar um ataque, como colocar mãos em água quente, entre outras;
-Evitar rápidas mudanças de temperatura;
-Evitar cigarro (principalmente em homens);
-Evitar drogas simpaticomiméticas, como descongestionantes nasais, estimulantes.
O tratamento medicamentoso pode ser benéfico em alguns pacientes, entre os quais o principal são os bloqueadores dos canais de cálcio de longa ação, que em uma revisão sistemática mostraram eficácia moderada com diminuição do número de ataques de 5 para 2,8 ataques por semana, outros trabalhos com diminuição de 30 a 35% dos ataques com seu uso. O ideal é usar formulações de longa duração como nifedipina de longa duração 10m a 20 mg ao dia ou amlodipina 10 mg ao dia como dose inicial. A dose de manutenção usual de nifedipina de liberação prolongada é de 30-180 mg ao dia e amlodipina em dose de 5 a 20 mg ao dia é uma opção. Em casos em que o tratamento não apresenta eficácia, pode se trocar o bloqueador, caso edema de membros inferiores asssociados pode-se utilizar losartan. Em um estudo foi demonstrada redução do edema periférico quando associado o bloqueador da angiotensina com o bloqueador dos canais de cálcio. Pode-se ainda combinar o uso com outros vasodilatadores como nitroglicerina via oral ou tópica ou mesmo o sildenafil. Vasodilatadores diretos como o minoxidil ou hidralazina podem ser considerados, mas não são recomendados para fenômeno de Raynaud severo, pelo menos não isoladamente. O uso de inibidores da fosfodiesterase isolados como sildenafil e tadalafil parece ter efeito pequeno;um estudo não teve benefício com tadalafil e outro efeito pequeno com o uso de sildenafil. O prazozin também foi estudado com algum sucesso para o manejo desses pacientes, assim como existem relatos de benefício com a fluoxetina.
A pentoxilina parece ter efeito adjuvante e pode ser tentada em algumas circunstâncias. A dose usual é de 400 mg três vezes ao dia, outra opção é o cilostazol que não foi adequadamente avaliado pela literatura. O fenômeno pode ser associado de dor significativa, assim o uso de analgésicos incluindo opioides pode ser necessário.
O benefício de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes é incerto, mas pode ser considerado por curtos períodos em crises severas. Em crises severas e persistentes podem ser uma boa indicação de anticoagulação, que usualmente é mantida por períodos de até 72 horas. Opções cirúrgicas, como simpatectomia, podem ser utilizadas em raros casos arresponsivos e muito sintomáticos. Existem relatos de melhora dos sintomas com acupuntura, mas sem evidência de benefícios suficiente para se realizar uma recomendação, o uso de luvas terapêuticas também pode ter benefício, mas também não pode ser recomendada rotineiramente.
1-Wigley FM. Clinical practice: Raynaud Phenomenon. New Eng J Med 2002; 347: 1001.
2-Bowling JC, Dowd PM. Raynaud´s disease. The Lancet 2003; 361: 2078.
3-Reilly A, Snyder B. Raynaud phenomenon. AJN 2005; 105: 56-65.
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