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Abordagem da doença renal crônica – Biff F Palmer Michael K Hise

Última revisão: 09/11/2012

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Abordagem da doença renal crônica – Biff F. Palmer, Michael K. Hise

 

Biff F. Palmer, MD, FACP

Professor of Internal Medicine, Department of Internal Medicine, Division of Nephrology, University of Texas Southwestern Medical School at Dallas

 

Michael K. Hise, MD

Associate Professor of Medicine, University of Maryland School of Medicine

 

 

Artigo original: Palmer BF, Hise MK. Management of chronic kidney disease. ACP Medicine. 2008;1-14. Evidence update em 26/7/2010.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Agradecimento: Figura 1 – Seward Hung.

Tradução: Soraya Imon de Oliveira

Revisão técnica: Dr. Euclides Furtado de Albuquerque Cavalcanti

 

 

         A doença renal em estágio terminal (DRET) constitui uma fonte importante de morbidade e mortalidade a longo prazo. Os esforços realizados no sentido de diminuir ou prevenir o desenvolvimento deste distúrbio são de extrema importância. Um dos problemas que os nefrologistas frequentemente encontram é o fato de os pacientes serem encaminhados em fases tardias do curso da doença, quando os tratamentos se tornam em grande parte inefetivos. Assim, é imperativo identificar os pacientes logo no início. As diretrizes da prática clínica publicadas destinam-se a alcançar este objetivo. Este capítulo revisa a abordagem dos pacientes com doença renal crônica (DRC), enfatizando particularmente os seguintes aspectos: (1) métodos que podem ser clinicamente empregados para estabelecer o estágio e monitorar com acurácia o nível de função renal; (2) identificação de comorbidades comuns da DRC; (3) patofisiologia da DRC; (4) terapias planejadas para retardar a progressão da DRC; (5) tratamento de complicações comuns da DRC (p. ex., anemia, osteodistrofia renal e distúrbios de líquidos e eletrólitos); e (6) encaminhamento no momento apropriado a um nefrologista, de modo a garantir uma transição suave para a terapia de substituição renal, quando houver indicação. Informações sobre as causas e manifestações da DRC são disponibilizadas em outras seções [ver Insuficiência renal crônica e diálise].

 

Visão geral das diretrizes da prática clínica para doença renal crônica (DRC)

         Estima-se que 20 milhões de pessoas, nos Estados Unidos, possuam DRC.1 O curso tipicamente apresentado pelos pacientes com DRC consiste na progressão para insuficiência renal e desenvolvimento de doença cardiovascular. O desenvolvimento de doença cardiovascular em pacientes com DRC está associado a taxas elevadas de morbidade e mortalidade. De fato, pacientes com DRC ainda em estágio inicial são mais propensos a morrer em decorrência de um evento cardiovascular do que a atingir um ponto em que haja indicação para terapia de substituição renal.2,3 As estratégias terapêuticas instituídas nos estágios iniciais da DRC são efetivas para retardar a progressão para insuficiência renal. Além disso, a abordagem dos fatores de risco durante os estágios mais iniciais da DRC deve ser efetiva para reduzir os eventos cardiovasculares e a mortalidade, tanto antes como após a manifestação da insuficiência renal. Apesar da disponibilidade destas estratégias, os médicos permanecem pouco atentos quanto à possibilidade de DRC, conforme evidencia a baixa frequência de avaliações da função renal dos pacientes de alto risco.4

         Até recentemente, a implementação de medidas planejadas para detectar e tratar a DRC ainda em estágio inicial foi limitada, em parte, pela falta de concordância quanto à definição da DRC e à classificação dos estágios de sua progressão. Além disso, faltava aplicar de maneira uniforme exames para detecção e avaliação destes pacientes. Em 2002, foram publicadas as diretrizes da prática clínica estabelecidas pela Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (KDOQI), em uma tentativa de solucionar a questão da carga crescente de DRC nos Estados Unidos.5 Estas diretrizes enfatizam a necessidade de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento agressivo da DRC.

 

Definição e estadiamento da doença renal crônica (DRC)

         A DRC é definida como um dano renal ou uma taxa de filtração glomerular (TFG) inferior a 60 mL/min/1,73 m2 durante um período superior a 3 meses. O dano renal é definido como anormalidades patológicas ou marcadores de danos, incluindo achados anormais nos exames de urina ou sangue, ou nas análises de imagem. Em pacientes com DRC, o estágio da doença é definido pelo nível da TFG. Este parâmetro é considerado a melhor medida da função renal geral, tanto na saúde como na doença.

         A avaliação da depuração da inulina ou do iotalamato é tida como padrão-ouro da medida da TFG. Entretanto, estes métodos são trabalhosos e caros, além de estarem indisponíveis para grande parte dos médicos. Em contraste, a TFG pode ser facilmente estimada utilizando-se fórmulas que consideram a idade, o sexo, a etnia e a concentração sérica de creatinina do paciente [Tabela 1]. As equações de Modification of Diet in Renal Disease (MDRD, Modificação da dieta na doença renal) e de Cockcroft-Gault são 2 fórmulas que fornecem estimativas úteis da TFG (eTFG) de indivíduos adultos. A equação MDRD é a mais acurada e precisa para indivíduos com TFG inferior a 90 mL/min/1,73 m2. A equação foi desenvolvida com base em amplo banco de dados, abrangendo pacientes com várias doenças e incluindo europeus-americanos e afro-americanos. As diretrizes da prática clínica KDOQI estabelecem que os médicos clínicos não devem usar a concentração sérica de creatinina como única forma de avaliar o nível de função renal. Ademais, o uso da medida da depuração de creatinina em 24 horas para avaliar a TFG não é mais acurado do que a estimativa da TFG pela equação de MDRD. Certas condições clínicas, todavia, podem implicar o uso da depuração de creatinina como forma de melhor avaliar a TFG [Tabela 2].

 

Tabela 1. Equações utilizadas para estimar a TFG

Equação MDRD abreviada

TFG (mL/min/1,73 m2) = 186 x (Cr)-1,154 x (idade)-0,203 x 0,742 (se mulher) x 1,210 (se afro-americano)

Equação de Cockcroft-Gault

Depuração da creatinina (mL/min) = [(140 - idade) x peso corporal ideal (kg)/72 x creatinina sérica] x 0,85 (se mulher)

MDRD = modification of diet in renal disease. TFG = taxa de filtração glomerular.

 

Tabela 2. Condições clínicas que podem requerer a medida da TFG com a utilização de métodos de depuração

Extremos de idade e tamanho corporal

Desnutrição severa ou obesidade

Doenças envolvendo a musculatura esquelética

Paraplegia ou quadriplegia

Dieta vegetariana

Função renal que muda rapidamente

Cálculo de que fármacos potencialmente tóxicos possam ser excretados pelo rim

TFG = taxa de filtração glomerular.

 

         A proteinúria persistente geralmente constitui um marcador de dano renal. No contexto de uma TFG normal ou aumentada, significa a existência de uma DRC em estágio 1. A proteinúria também constitui um fator preditor forte e independente de risco aumentado de morbidade e mortalidade cardiovascular, em particular nos grupos de alto risco, como diabéticos, hipertensos, idosos e pacientes com DRC. O método preferido para quantificar a proteinúria consiste na determinação da proporção de proteína ou albumina/creatinina (mg/g) em uma amostra de urina coletada em um momento qualquer. As coletas de urina realizadas em intervalos de tempo determinados são inconvenientes em termos de obtenção e podem estar associadas a erros. Por isso, amostras deste tipo são desnecessárias para quantificação da proteinúria. Além de ser utilizada para se detectar DRC, a determinação da proporção de proteína/creatinina ou de albumina/creatinina é uma forma útil de monitorar a proteinúria em pacientes com DRC comprovada. As alterações no grau de proteinúria estão diretamente associadas ao risco de perda da função renal.

 

Avaliação e tratamento

         Depois que o paciente é identificado como tendo DRC, realiza-se a implementação de plano de ação clínica baseado no estágio da doença do paciente [Tabela 3]. Embora as terapias específicas sejam variáveis de acordo com a causa subjacente da doença renal, muitos aspectos do tratamento são comuns a todos os tipos de DRC. O tratamento das comorbidades, intervenções para retardar a progressão da doença renal e ações para minimizar a doença cardiovascular devem ser iniciados durante os estágios 1 e 2. Os estágios 1 e 2 requerem atenção particular para o controle agressivo da pressão arterial. A avaliação e o tratamento da anemia, desnutrição, doença óssea, neuropatia e diminuição da qualidade de vida devem ser conduzidos em casos de pacientes com DRC em estágio 3. As preparações para instituição da terapia de substituição renal devem ser iniciadas à medida que o paciente entra no estágio 4. A insuficiência renal (estágio 5) é definida por TFG inferior a 15 mL/min/1,73 m2 ou por complicações de uma TFG diminuída severas o bastante para aumentarem o risco de mortalidade e morbidade, a menos que a iniciação da substituição renal seja conduzida. Alguns pacientes que apresentam sintomas de uremia podem necessitar de terapia de substituição renal, independentemente do fato de apresentarem TFG > 15 mL/min/1,73 m2.

 

Tabela 3. Estágios da DRC e planos de ação clínica

Estágio

Descrição

TFG (mL/min/1,73 m2)

Ação

0

Diante do risco aumentado

= 90 (com fatores de risco para DRC)

Estimar a TFG e determinar a presença ou ausência de proteinúria; instituir as etapas para redução do risco de DRC

1

Dano renal com TFG normal ou ?

= 90

Diagnóstico e tratamento, tratamento de comorbidades, progressão lenta, redução do risco de DRC

2

Dano renal com TFG levemente ?

60 a 89

Estimar a progressão

3

TFG moderadamente ?

30 a 59

Avaliar e tratar as complicações

4

TFG severamente ?

15 a 29

Preparar para instituição da terapia de substituição

5

Insuficiência renal

< 15

Substituição renal (se houver uremia)

DRC = doença renal crônica. TFG = taxa de filtração glomerular. ? = aumentada. ? = diminuída.

 

         As diretrizes do KDOQI recomendam que todas as consultas médicas de rotina incluam uma avaliação para determinar se o paciente apresenta risco aumentado de desenvolver doença renal. Estes pacientes devem ser submetidos a exames para determinar a presença ou ausência de proteinúria, e sua função renal deve ser avaliada por meio do cálculo da eTFG. A detecção precoce da DRC permite a rápida adoção de medidas destinadas a diminuir a proteinúria, retardar a progressão da doença renal e minimizar o risco de mortalidade e morbidade cardiovascular. Numerosos fatores clínicos estão associados ao risco aumentado de desenvolvimento de doença renal [Tabela 4]. Alguns destes fatores são discutidos mais detalhadamente a seguir.

 

Tabela 4. Fatores de risco para desenvolvimento de DRC que requerem exames para detecção de proteinúria e determinação de TFG estimada

Aspectos clínicos

Diabetes

Hipertensão

Doenças autoimunes

Infecção no trato urinário

Nefrolitíase

Obstrução do trato urinário

Câncer

História familiar de DRC

Diminuição da massa do rim

Exposição a nefrotoxinas

Baixo peso corporal ao nascimento

Fatores sociodemográficos

Idade avançada

Condição de minoria étnica (afro-americanos, norte-americanos nativos, hispânicos)

Exposição a perigos químicos ou ambientais

Baixa renda ou nível de instrução

DRC = doença renal crônica. TFG = taxa de filtração glomerular.

 

Comorbidades associadas à doença renal crônica (DRC)

         Nos Estados Unidos, milhões de pacientes apresentam concentração sérica de creatinina aumentada.6,7 Muitos destes pacientes apresentam, ainda, insuficiência renal em estágio avançado. Diabetes e hipertensão constituem as causas subjacentes da doença renal na maioria destes casos. Os demais podem resultar de uma variedade de doenças glomerulares primárias, doenças renais císticas, uropatia obstrutiva e doenças renais relacionadas a infecções.

         Seja qual for a causa subjacente, a DRC traz consigo a carga das comorbidades que influenciam diretamente o resultado do paciente. O risco imposto por estas comorbidades aumenta com o declínio da função renal. No Hypertension Detection and Follow-up Program, a doença cardiovascular apresentou uma forte associação com níveis séricos de creatinina da ordem de 1,7 mg/dL ou mais, sendo que este risco se mostrou independente de outros fatores.8 Entre os 10.768 participantes do programa, o risco de morte aumentou progressivamente com o aumento da concentração de creatinina. Houve um aumento de quase 5 vezes na mortalidade de 8 anos entre os pacientes da classe de maior concentração de creatinina, em comparação àqueles da classe de menor concentração. Achados similares foram relatados pelo estudo Hope (Heart Outcomes and Prevention Evaluation).9 Nesse estudo, a incidência de morte cardiovascular, infarto do miocárdio (IM) e acidente vascular cerebral (AVC) aumentou com cada quartil de concentração sérica de creatinina. Tal associação entre a função renal e a mortalidade é particularmente forte nos idosos.18

 

Acidente vascular cerebral (AVC)

         A estudo prospectivo intitulado British Regional Heart Study  examinou 7.690 homens na faixa etária de 40 a 59 anos.11 Neste estudo, o risco de AVC aumentou de maneira significativa quando a concentração de creatinina ultrapassava o 90º percentil – uma concentração sérica de creatinina igual a 116 mmol/L – enquanto a mortalidade por causas diversas e a mortalidade cardiovascular aumentaram de modo significativo quando a concentração sérica de creatinina excedia o 97,5º percentil. Em um hospital que fornecia tratamento agudo, observou-se que entre os idosos admitidos com AVC os níveis séricos de creatinina constituíam um fator preditivo de sobrevida altamente significativo.12 O estudo Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC, Risco de aterosclerose em comunidades) realizou a avaliação prospectiva de uma coorte de comunidades de indivíduos de meia-idade em 4 regiões do país.13 Ao todo, 15.792 pessoas foram inscritas, e 13.716 inscritos foram selecionados para serem submetidos à avaliação do efeito conjunto da DRC e da anemia sobre o risco de AVC. A DRC foi definida como uma depuração de creatinina < 60 mL/min; a anemia foi definida como níveis de hemoglobina < 13 g/dL em homens e < 12 g/dL em mulheres. Entre os pacientes anêmicos, a taxa de AVC para cada 1.000 indivíduos-ano foi igual a 10,53 para pacientes com DRC e equivalente a 1,52 para aqueles com depuração de creatinina = 60 mL/min. No grupo de indivíduos não anêmicos, as taxas de AVC não diferiram. Os estudos ARIC, Framingham Offspring Study e Cardiovascular Health Study foram reunidos em um pool com o objetivo de avaliar os eventos cardiovasculares recorrentes em uma população ampla e diversificada.14 A DRC foi definida como sendo uma TFG < 60 mL/min/1,73 m2. Foram avaliados 26.912 pacientes para inclusão nos 4 estudos. Uma doença cardiovascular preexistente foi definida pela obtenção de uma história de insuficiência cardíaca congestiva; história de procedimento de angioplastia ou cirurgia de revascularização miocárdica; ou história de IM, angina, AVC, ataque isquêmico transitório ou claudicação intermitente. A doença preexistente também incluiu uma história de insuficiência cardíaca congestiva e uma história de angioplastia ou cirurgia de revascularização miocárdica, quando estas informações eram coletadas pelo estudo. Dentre esses pacientes, 4.278 indivíduos atenderam aos critérios e 759 tinham DRC. A taxa de AVC no grupo de pacientes com DRC foi da ordem de 2,8 a cada 100 indivíduo-ano e, no grupo controle, igual a 1,2 para cada 100 indivíduo-anos.

 

Doença cardíaca

         A relação existente entre a função renal e o IM foi estudada em 417 pacientes.15 Estes indivíduos não tinham diabetes, e seus valores basais de creatinina variavam de 0,7 a 1,9 mg/dL. Cada aumento de 0,1 mg/dL na concentração basal de creatinina estava associado a um aumento de 36% no risco relativo de mortalidade geral subsequente e a um aumento de 47% no risco relativo de mortalidade subsequente por doença arterial coronariana (DAC). Uma associação similar entre mortalidade e níveis séricos de creatinina foi observada em outro estudo, envolvendo pacientes em pós-IM.16 Quase 75% dos indivíduos que começaram a diálise tinham hipertrofia ventricular esquerda (HVE). Além disso, esses pacientes exibiram uma relação inversa entre a função renal e a incidência de HVE antes do início da diálise.17 Também existe uma elevada prevalência de insuficiência cardíaca congestiva. A incidência de DAC é de aproximadamente 40% entre os pacientes que se submetem à diálise, e também parece haver uma incidência aumentada de doença vascular periférica entre pacientes com função renal anormal. O Antihyperten­sive and Lipid Lowering Treatment to Prevent Heart Attack Trial (ALLHAT) avaliou pacientes hipertensos que apresentavam 1 ou mais fatores de risco para desenvolvimento de DAC. Estes pacientes foram classificados de acordo com a TFG.18 O objetivo foi comparar vários agentes anti-hipertensivos de 1ª linha quanto à capacidade de prevenir a doença cardiovascular. Um total de 33.357 indivíduos foi inscrito junto a 623 centros localizados nos Estados Unidos, Canadá, Porto Rico e Ilhas Virgens (norte-americanas). O resultado principal foi um evento de DAC fatal ou um IM não fatal. Pacientes cuja TFG era < 60 mL/min/1,73 m2 apresentaram propensão 2 vezes maior de sofrer um evento de DAC e propensão 6 maior de passar por um evento cardiovascular (definido pelo estudo como morte por DAC, IM não fatal, AVC, insuficiência cardíaca ou doença arterial periférica), conforme estavam para desenvolver DRET. Os pacientes cuja TFG era < 60 mL/min/1,73 m2 apresentaram risco 38% maior de passar por um evento de DAC, além de risco 35% maior de sofrer um evento cardiovascular, em comparação aos pacientes cuja TFG era = 90 mL/min/1,73 m2. Na análise dos 4 estudos (ARIC, Framingham Heart Study, Framingham Offspring Study e Cardiovascular Health Study), a taxa de eventos de IM ou de DAC fatal foi de 5,4 em cada 100 indivíduos-anos entre os pacientes com DRC e de 2,6 em cada 100 indivíduos-anos entre os pacientes sem DRC.14 A existência de DRC duplicou o risco de um evento cardiovascular.

 

Fatores de risco para progressão da doença renal

         A maioria dos pacientes com DRC estabelecida continua a apresentar função renal diminuída com o passar do tempo.7 Esta seção revisa os diversos fatores que comprovadamente contribuem para a perda da função renal. Além disso, são discutidas as terapias capazes de retardar a progressão da DRC.

 

Diabetes melito

         As hipóteses acerca dos mecanismos da doença diabética continuam evoluindo a um ritmo acelerado.19 Descobriu-se que a via do poliol exerce papel importante na patogênese das complicações diabéticas atuando por meio de uma complexa série de reações que resulta na intensificação do estresse oxidativo. A glicosilação não enzimática resulta na modificação dos reguladores da transcrição genética. Este processo também pode levar à modificação de proteínas da matriz extracelular e de proteínas circulantes. A hiperglicemia aumenta a síntese de diacilglicerol, que estimula a enzima proteína quinase C. Níveis aumentados desta enzima foram demonstrados nos túbulos e glomérulos de pacientes diabéticos.20,21 A enzima diminui a síntese de óxido nítrico, que é um vasodilatador endotelial, e aumenta a síntese de endotelina-1, um agente vasoconstritor. A proteína quinase C também intensifica a produção de fator transformador do crescimento-beta (TGF-beta – em inglês, transforming growth factor-beta) e de inibidor do ativador de plasminogênio-1 (PAI-1 – em inglês, plasminogen activator inhibitor-1). Tais alterações promovem modificações vasculares e estimulação da formação de colágeno. Novos estudos têm esclarecido as alterações específicas envolvendo o podócito. Estes dados sugerem que esta célula constitui o sítio inicial de lesão renal diabética.22 O diabetes resulta na elevação das pressões glomerulares que, em estudos de micropunção e também no cenário clínico, têm se mostrado extremamente importantes na doença renal diabética.23,24 Tomados em conjunto, os dados indicam que na hiperglicemia ocorre uma série de alterações complexas que comprometem a viabilidade de diversos tecidos. Compreender estas alterações permitirá identificar potenciais sítios para intervenções terapêuticas.

 

Diabetes melito de tipo 1

         O estudo mais importante sobre o tratamento do diabetes melito de tipo 1 é o Diabetes Control and Complications Trial (DCCT, Estudo sobre controle e complicações do diabetes).25 Este estudo examinou 1.441 pacientes com diabetes de tipo 1. Deste total, 726 pacientes não apresentavam retinopatia no estado basal e 715 pacientes tinham retinopatia branda. Após um período médio de seguimento de quase 6,5 anos, a terapia intensiva com insulina diminuiu a ocorrência de microalbuminúria em 39% e de macroalbuminúria (> 300 mg/24 h) em 54% junto aos grupos combinados. A melhora da nefropatia foi refletida por um retardo na progressão da retinopatia e da neuropatia. Achados talvez ainda mais empolgantes foram fornecidos pelo seguimento pós-estudo dos pacientes. Um total de 1.375 voluntários participou da avaliação de longo prazo. Na avaliação com 8 anos, os valores de hemoglobina A1c (HbA1c) nos 2 grupos de pacientes eram quase iguais: 8% nos pacientes previamente submetidos ao tratamento intensivo com insulina e 8,2% nos pacientes que previamente receberam tratamento convencional (p = 0,002). Entretanto, no grupo submetido ao tratamento agressivo com insulina, a taxa de recidiva da microalbuminúria durante o estudo de seguimento foi 59% menor do que no grupo submetido à terapia convencional. Os resultados persistiram após os ajustes para diversos fatores de confusão. O risco de desenvolvimento de albuminúria também diminuiu significativamente. Houve melhora da hipertensão no grupo tratado de maneira agressiva, ainda que não tenham sido detectadas diferenças significativas quando o estudo de seguimento foi iniciado. A TFG foi igualmente mais bem preservada.26

 

Diabetes melito de tipo 2

         A incidência do diabetes melito de tipo 2 continua subindo em ritmo acelerado, particularmente entre os membros de grupos minoritários, entre os quais os afroamericanos e americanos nativos. Entre os pacientes com nefropatia e diabetes de tipo 2, tem-se observado um agrupamento familiar. O polimorfismo do gene codificador da enzima conversora de angiotensina (ECA) pode influenciar a velocidade da progressão da doença renal. Além disso, vários genes foram ligados à doença renal em populações específicas.27 Embora as lesões renais no diabetes de tipo 2 sejam similares às lesões observadas no diabetes de tipo 1, uma grande proporção dos pacientes com diabetes de tipo 2 apresenta lesões inespecíficas, incluindo alterações isquêmicas.24,28 O controle da hiperglicemia em pacientes com diabetes de tipo 2 é um aspecto controverso. Alguns estudos falharam em demonstrar a existência de uma associação entre um controle satisfatório dos níveis de glicose e a manutenção da massa de néfrons funcionais. Contudo, Hsu et al. demonstraram que os níveis de HbA1c atuavam como fatores preditores independentes de um declínio da função renal.29

         O estudo intitulado Action in Diabetes and Vascular Disease: Preterax and Diamicron-MR Controlled Evaluation (ADVANCE, Ação no diabetes e na doença vascular: avaliação controlada com preterax e diamicron -[liberação modificada]), que avaliou a diminuição da pressão arterial e o tratamento intensivo dos níveis de glicose (com uma meta de A1c < 6,5% ou 6% vs. a meta padrão de A1c < 7%), relatou uma diminuição relativa de 20% (4% vs. 5%) da ocorrência de novos eventos ou de piora da nefropatia. Entretanto, esta melhora deu-se à custa do aumento da incidência de uma hipoglicemia severa.30 O estudo Steno-2 (Steno Diabetes Center, na Dinamarca), que envolveu pacientes com diabetes de tipo 2 e microalbuminúria persistente, demonstrou o benefício proporcionado pela diminuição do risco multifatorial que, por sua vez, consistiu na regulação intensiva dos níveis de glicose e no uso de bloqueadores do sistema da renina/angiotensina, aspirina e agentes redutores de lipídios. Um paciente do grupo submetido à terapia intensiva apresentou progressão para DRET, em comparação aos 6 pacientes do grupo tratado com terapia convencional que apresentaram progressão (p = 0,04).31     

 

Tratamento do diabetes melito em pacientes com doença renal crônica (DRC)

         Tratamento do diabetes de tipo 1. Assim como todos os pacientes com diabetes de tipo 1, aqueles com diabetes de tipo 1 e DRC alcançam resultados melhores quando são intensivamente monitorados com terapia de insulina, exercícios e uma dieta cuidadosamente estruturada, além de serem acompanhados por uma equipe multidisciplinar que inclua um oftalmologista e um podólogo [ver Diabetes melito de tipo 1]. Conforme a insuficiência renal evolui, é preciso ter o cuidado de evitar a desnutrição. A anorexia faz parte da síndrome urêmica. A insuficiência renal prolonga a meia-vida da insulina e requer atenção especial quanto à dosagem. Além disso, pacientes com DRC e diabetes de tipo 1 frequentemente apresentam doença de longa duração e, assim, podem exibir poucos sinais de alerta de hipoglicemia. A gastroparesia com absorção errática de alimentos aumenta ainda mais o risco de hipoglicemia. O transplante tem sido cada vez mais favorecido como método de tratamento de pacientes com diabetes de tipo 1, sobretudo daqueles com doença renal em estágio avançado, devido ao uso do transplante simultâneo de rim e pâncreas.

 

         Tratamento do diabetes de tipo 2. O tratamento de pacientes com diabetes de tipo 2 que também sofrem de insuficiência renal deve começar com uma dieta cuidadosamente planejada e um programa de exercícios. A perda de peso exerce papel importante na melhora da resistência à insulina e também deve ser tentada. No início do curso da doença, quando o paciente possui algumas reservas de insulina pancreática, os agentes hipoglicêmicos orais podem ser considerados. O uso destes agentes, contudo, torna-se complicado em casos de pacientes com doença renal. A metformina e outras biguanidas podem provocar acidose láctica e não devem ser usadas por pacientes com disfunção renal, ainda que de grau leve. A pioglitazona pode ser utilizada nestes casos. Recomenda-se evitar as sulfonilureias mais antigas, como a clorpropamida, devido à reduzida excreção renal destes compostos. A glipizida é inativada pelo fígado e pode representar uma opção melhor. A acarbose, que diminui a absorção de carboidratos, deve ser evitada. Infelizmente, a maioria dos pacientes com DRC que tem diabetes de tipo 2 eventualmente necessita de terapia à base de insulina. Muitos destes indivíduos ganham peso com a terapia. Outras complicações incluem a hipoglicemia e a hiperinsulinemia. Esta última é preocupante por estar associada a complicações cardiovasculares. Os pacientes cujos níveis de glicose não podem ser controlados e mantidos dentro de uma faixa aceitável devem ser encaminhados a médicos clínicos especializados.

 

Hipertensão

Hipertensão em pacientes diabéticos

         A hipertensão de longa duração resulta em alterações nas paredes de vasos arteriais grandes e pequenos. Tais alterações consistem na hipertrofia da musculatura lisa e na diminuição dos diâmetros funcionais. O fluxo sanguíneo renal declina progressivamente e é seguido de alterações mal-adaptativas nas arteríolas que preservam a TFG de néfron único. A vasodilatação arteriolar aferente, acompanhada de alterações arteriolares eferentes similares e, contudo, relativamente menores, intensifica as pressões de filtração ao nível transcapilar.32 Embora estejam associadas à melhora da TFG a curto prazo, estas alterações eventualmente podem ser detrimentais e acarretar o desenvolvimento progressivo de esclerose glomerular. Quando esta hipótese foi testada diretamente, um estudo colaborativo demonstrou que um inibidor de ECA, o captopril, era efetivo para minimizar o desenvolvimento da nefropatia em pacientes com diabetes de tipo 1 e retardar a progressão da disfunção renal estabelecida, além de apresentar efeitos redutores da pressão arterial.24 Um benefício similar foi obtido com o uso de bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) por pacientes com diabetes de tipo 2 e nefropatia já estabelecida.33,34 O estudo UKPDS (United Kingdom Prospective Diabetes Study) demonstrou que reduções moderadas da pressão arterial eram efetivas para a diminuição das anormalidades renais. Neste estudo, não houve diferenças evidentes em termos de efetividade entre um betabloqueador (atenolol) e o captopril. Entretanto, os valores-alvo de pressão arterial podem ter sido altos demais para substanciar os efeitos benéficos do inibidor de ECA.35,36 No estudo intitulado Reduction of Endpoints in NIDDM with Angiotensin II Antagonist Losartan (RENAAL, Redução de desfechos no diabetes melito não insulino-dependente com o antagonista de angiotensina II losartana), 1.513 participantes foram seguidos durante um período médio de 3,4 anos. Este estudo demonstrou que um programa anti-hipertensivo contendo losartana diminuiu significativamente o risco de duplicação dos níveis séricos de creatinina, DRET e morte, em comparação ao placebo. Uma nova análise desses dados foi realizada especificamente para avaliar os efeito da pressão arterial sistólica e da pressão de pulsação sobre o tempo para a ocorrência de DRET ou da morte do paciente. O estudo constatou que cada elevação de 10 mmHg na pressão arterial sistólica basal correspondia a um aumento de 6,7% no risco de desenvolvimento de DRET ou de morte. Uma elevação semelhante da pressão arterial diastólica diminuiu este risco em 10,9%.37 A pressão de pulso constituiu um fator de risco significativo que foi dramaticamente melhorado pela losartana.

         O estudo Heart Outcomes and Prevention Evaluation (HOPE, Avaliação da prevenção e dos resultados cardíacos) acompanhou 3.577 indivíduos com diabetes durante um período médio de 4,5 anos. Este grupo incluiu 1.139 pacientes com microalbuminúria e 333 pacientes com insuficiência renal (isto é, níveis séricos de creatinina < 2,3 mg/dL). Durante o período de seguimento, os valores de creatinina sérica permaneceram estáveis nos indivíduos sem proteinúria manifesta, bem como naqueles com insuficiência renal, microalbuminúria ou ambas as condições. É preciso notar que os pacientes foram tratados de maneira agressiva, com agentes redutores de lipídio e anti-hipertensivos. Além disso, o estudo incluiu poucos fumantes.38

 

Hipertensão em pacientes não diabéticos

         O controle da pressão arterial é igualmente importante em pacientes não diabéticos com DRC. No Seventh Report of the Joint National Committee on Detection, Evaluation, and Treat­ment of High Blood Pressure (JNC VII), foi recomendada uma meta de pressão arterial < 130/85 mmHg.39 Deve-se prever que a maioria dos pacientes com DRC necessitará de múltiplos medicamentos para alcançar estes níveis de controle.

         O estudo MDRD ajudou a definir os níveis-alvo de pressão arterial para indivíduos com doença renal. Os resultados sugerem que, em pacientes com menos de 1 g de proteína em uma amostra de urina coletada em 24 horas, a pressão arterial-alvo deve ser = 130/80 mmHg.40 No caso de pacientes com mais de 1 g de proteína, seria buscado um valor-alvo de pressão arterial da ordem de 125/75 mmHg. Um grupo de consenso patrocinado pela National Kidney Foundation sugeriu que o valor-alvo de pressão arterial para adultos hipertensos e diabéticos deveria ser 130/80 mmHg.41 Na maioria dos casos, estas metas de pressão arterial mais baixas podem ser alcançadas sem aumentar significativamente a produção de efeitos colaterais [ver Hipertensão]. Os achados do African American Study of Kidney Disease and Hypertension (AASK) fornecem evidências de que outros fatores além da pressão arterial exercem papéis importantes no declínio funcional observado na DRC. Pressão arterial baixa (p. ex., uma pressão média de 128/78 mmHg, em comparação ao valor de 141/85 mmHg) não promoveu melhora em termos de proteção dos participantes do estudo. Um inibidor de ECA, por sua vez, mostrou-se superior a um bloqueador de canais de cálcio (di-hidropiridina) em termos de retardo da progressão da doença renal hipertensiva.42

 

Proteinúria

         Numerosos estudos avaliaram a perda urinária de proteínas, seja definida como proteinúria ou como microalbuminúria, e sua relação com o risco cardiovascular. Em um estudo envolvendo idosos, constatou-se que a excreção urinária de albumina estava associada à doença cardiovascular.10 Neste estudo, os fatores prognósticos foram o sexo masculino, a concentração sérica de creatinina e a hipertensão. Em outro estudo, do qual participaram 11.343 alemães, a ocorrência de microalbuminúria serviu para identificar pacientes hipertensos que apresentavam risco cardiovascular.43 Em pacientes diabéticos, a microalbuminúria constitui um fator de risco bem conhecido de progressão para DRET. Um estudo realizado pela Royal Infirmary, em Edinburgo, Reino Unido, avaliou o curso clínico de 190 pacientes com diabetes de tipo 1 que haviam sofrido da doença por no mínimo 30 anos. O estudo realizou o seguimento dos pacientes durante pelo menos 5 anos. A microalbuminúria estava ausente em 66% dos pacientes no estado basal, e 11% destes indivíduos morreram no decorrer do período de seguimento. A microalbuminúria estava presente no estado basal em 22% do total de pacientes, dos quais 26% morreram durante o período do estudo.44 No estudo intitulado Ramipril Efficacy in Nephropathy (REIN, Eficácia do ramipril na nefropatia), ambas as proteinúrias – inicial e residual – apresentaram associação com a piora da TFG no decorrer do período do estudo.45 Tais dados fornecem evidências substanciais da influência da albuminúria sobre a mortalidade geral.42 Notavelmente, a microalbuminúria também atua como fator preditor da doença renal em pacientes sem diabetes.46 A associação entre proteinúria e um declínio da função renal é particularmente forte nos pacientes que apresentam mais de 1 g de proteína na urina de 24 horas. O mecanismo por trás da associação existente entre proteinúria e declínio da função renal parece estar, em parte, relacionado ao fato de que os níveis elevados de proteína na urina estimulam o desenvolvimento de inflamação e fibrose intersticial.47 Por esses motivos, a terapia farmacológica que minimiza a perda urinária de proteínas parece ser uma escolha prudente.48 Como a angiotensina II estimula a expressão do gene codificador de TGF-beta-1 e a produção de colágeno de tipo IV, o tratamento com agentes que bloqueiam os efeitos da angiotensina provavelmente é efetivo. Uma meta adequada seria reduzir a proteinúria para menos de 0,5 g/dia. Algumas estratégias efetivas para alcançar esta meta podem ser a administração de BRA em doses superiores àquelas utilizadas no tratamento da hipertensão49 ou o tratamento combinado com um inibidor de ECA e um BRA.50,51

 

Tabagismo

         O tabagismo é um fator de risco bem conhecido para o desenvolvimento de doença cardiovascular. A Organização Mundial de Saúde estima que anualmente ocorram cerca de 3 milhões de mortes em todo o mundo relacionadas ao uso do tabaco. No futuro, é provável que este número de mortes aumente de maneira substancial. O tabagismo constitui um fator de risco independente para o desenvolvimento de microalbuminúria tanto em pacientes hipertensos como em indivíduos sem hipertensão.52 A relação existente entre o hábito de fumar e a progressão da doença renal ainda não foi totalmente avaliada. Entretanto, o risco de progressão da nefropatia diabética é conhecido há mais de 20 anos. Um estudo europeu de caso-controle multicêntrico, envolvendo 582 pacientes com nefropatia por IgA ou doença renal policística, demonstrou a existência de um risco aumentado de progressão para DRET diante de níveis maiores de tabagismo (medido em número de maços-ano). Este risco foi amenizado pelo uso de inibidores de ECA.53 Bleyer et al. analisaram dados do Cardiovascular Health Study Cohort. Em 4.142 pacientes não diabéticos com idade mínima de 65 anos, o número de cigarros fumados por dia apresentou correlação com um aumento da concentração de creatinina de pelo menos 0,3 mg/dL. Em geral, estes pacientes apresentaram uma incidência relativamente baixa de deterioração renal progressiva.54 Os mecanismos de lesão renal relacionados ao tabagismo são complexos. As possíveis alterações responsáveis incluem alterações hemodinâmicas intrarrenais, atividade simpática alterada, dano tubular direto, alterações hormonais intrarrenais e estresse oxidativo. Os médicos devem conhecer os dados específicos existentes sobre o risco geral imposto pelo tabagismo à saúde. Os riscos renais associados ao tabagismo não devem ser subestimados, e o tabagismo não deve conduzir à adoção de uma abordagem agressiva por parte do prestador de assistência médica [ver Fundamentos da clínica: Diminuindo o risco de lesão e doença].

 

Ingesta proteica

         A ingesta proteica tem sido considerada há muito tempo um potencial fator de risco para a progressão da doença renal. A restrição proteica, todavia, continua sendo um tópico controverso do tratamento da DRC. O interesse na restrição proteica em casos de pacientes com doença renal tem sido fomentado por estudos envolvendo experimentação animal, conduzidos ao longo de várias décadas, que demonstram que as dietas ricas em proteína provocam o desenvolvimento de anormalidades histológicas nos rins e proteinúria, além de estarem associadas a elevadas taxas de morte. Foi demonstrado que estes efeitos são reduzidos ou eliminados com a restrição proteica ou calórica. O fato de ainda haver controvérsias sugere que os efeitos da restrição proteica provavelmente são pequenos e difíceis de alcançar. Uma metanálise de 890 pacientes não diabéticos relatada em 46 estudos sugeriu que a restrição proteica era benéfica em termos de redução da DRET.55 Houve diminuição de 46% no número de pacientes que necessitavam de terapia de substituição. Outra metanálise, envolvendo 1.413 pacientes, demonstrou a ocorrência de uma diminuição dos casos de DRET ou da mortalidade tanto entre os pacientes diabéticos como nos pacientes não diabéticos designados para receber uma dieta com baixo teor proteico.56 Uma 3ª metanálise, envolvendo 1.919 pacientes randomizados e 2.248 pacientes não randomizados, constatou que a diminuição do conteúdo proteico da dieta produziu apenas um efeito fraco sobre o desenvolvimento de DRET, com os pacientes diabéticos tendendo a ser os mais beneficiados, bem como com mais benefícios associados a um período de seguimento maior.57

         O estudo mais ambicioso da hipótese da dieta pobre em proteínas foi o estudo MDRD, em que 585 pacientes com TFG da ordem de 25 a 55 mL/min foram randomizados para receber 1,3 g ou 0,58 g de proteína/kg/dia. Um 2º grupo, composto por pacientes com TFG da ordem de 13 a 24 mL/min, foi randomizado para receber 0,58 g ou 0,29 g de proteína/kg/dia.58 As dietas dos pacientes deste último grupo foram suplementadas com uma mistura de aminoácidos-cetoácidos que nivelava a ingesta proteica. Foram utilizadas depurações nucleares com iodo-125-iotalamato, e o período de seguimento foi discretamente superior a 2 anos. Durante os primeiros 4 meses do estudo, a função renal piorou mais rapidamente no grupo da dieta pobre em proteína. Após o período inicial de 4 meses, a taxa de declínio da TFG tornou-se menor. O declínio da função renal observado ao final do estudo não diferiu entre os 2 grupos de pacientes. De modo similar, não houve diferenças nítidas em termos de função renal no grupo que recebeu a dieta com teor proteico bastante reduzido, embora tenha sido observada uma tendência à obtenção de resultados melhores no grupo que recebeu a menor concentração de proteína. Um seguimento de 6 anos do estudo MDRD concluiu que o efeito da restrição proteica dietética sobre a progressão da doença renal não diabética ainda é incerto.59

         Um estudo multicêntrico realizado na Europa contou com a participação de 456 indivíduos adultos com doença renal, que receberam uma dieta pobre em proteínas (0,6 g/kg/dia) ou uma dieta com conteúdo proteico normal (1 g/kg/dia).60 O desfecho do estudo consistia na duplicação dos níveis basais de creatinina ou na necessidade de diálise. A diferença observada entre os grupos em termos de sobrevida renal cumulativa teve uma significância limítrofe (p < 0,06). A complacência foi satisfatória no grupo que recebeu a maior quantidade de proteína, mas foi fraca no grupo da dieta com baixo teor proteico. A restrição proteica é particularmente preocupante no caso das crianças, devido à complicação adicional do crescimento. Durante um estudo que teve duração de 3 anos, uma dieta pobre em proteínas não afetou o resultado renal apresentado por pacientes na faixa etária de 2 a 18 anos.61 

         Vários pontos devem ser considerados quando se pensa na possível instituição de uma dieta terapêutica para pacientes com DRC. Em primeiro lugar, é preciso garantir uma ingesta calórica adequada de aproximadamente 35 kcal/kg/dia. Em segundo, os médicos responsáveis por estes pacientes devem conhecer as técnicas empregadas no monitoramento da nutrição geral, incluindo a tomada de medidas antropométricas e o uso dos níveis séricos de transferrina e albumina. A ingesta proteica pode ser estimada por meio de medidas do conteúdo de nitrogênio ureico na urina de 24 horas combinadas a uma estimativa das perdas de nitrogênio não ureico. Em terceiro lugar, os médicos deve entender que os sintomas urêmicos respondem às dietas com baixo teor proteico. Estas dietas geralmente estão vinculadas a uma reduzida ingesta de sódio, potássio, fosfato e ácidos. Com isso, a osteodistrofia renal, a hipertensão e a acidose metabólica são todas melhoradas. Em quarto lugar, as dietas pobres em proteína podem ser utilizadas sem causar desnutrição. Entretanto, os pacientes devem ser atentamente monitorados. Uma dieta com baixo teor proteico (0,6 a 0,7 g/kg/dia) pode ser utilizada com segurança como terapia auxiliar em casos de indivíduos com DRC, para melhorar os sintomas e amenizar as complicações da uremia. Em certos casos, particularmente no caso de pacientes com diabetes, estas dietas podem retardar a velocidade da progressão da doença renal.

 

Hiperlipidemia

         Um número substancial de pacientes com síndrome nefrótica sem comprometimento da função renal desenvolve anormalidades lipídicas, inclusive os pacientes com diabetes e proteinúria intensa. A etiologia da condição parece estar relacionada a um aumento da síntese hepática de lipídios. Em um elegante estudo, Appel et al. demonstraram a existência de uma correlação inversa entre os níveis plasmáticos de colesterol total e os níveis séricos de albumina.62 Há também uma relação inversa entre os níveis de colesterol e a pressão oncótica do plasma. Contudo, não foi constatada a existência de nenhuma correlação entre os níveis de colesterol e a viscosidade do plasma. A incidência de hiperlipidemia também é maior entre os pacientes com DRC. Kasiske estimou que cerca de 30% dos pacientes com DRC e proteinúria na faixa não nefrogênica apresentam valores de colesterol total acima de 240 mg/dL. Estima-se que os níveis de triglicerídeos e lipoproteína sejam maiores que 200 mg/dL e 30 mg/dL, respectivamente, em cerca de 60% dos pacientes. Os níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL) tendem a ser baixos, sendo que apenas cerca de 10% dos indivíduos apresentam valores elevados de lipoproteína de baixa densidade (LDL).63 Um aspecto que deve ser considerado é a relação existente entre as anormalidades lipídicas e a deterioração da função renal. Em um estudo conduzido por Bleyer et al., nenhuma associação foi observada entre os níveis de colesterol e um aumento de 0,3 mg/dL nos níveis de creatinina, com as medições realizadas a intervalos mínimos de 3 anos.54 No entanto, diversos estudos (incluindo estudos envolvendo pacientes diabéticos) demonstraram a existência de uma relação entre as anormalidades lipídicas e a progressão da DRC. Devido à elevada incidência da doença cardiovascular, todos os pacientes com DRC devem passar por um rastreamento. As diretrizes para o tratamento foram revisadas pelo NCEP (National Cholesterol Education Program), em 2001.64 A dieta deve ser a 1ª linha de terapia, contudo a adição de fármacos redutores de lipídios quase sempre se faz necessária. Os inibidores de HMG-CoA (3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A) redutase mais modernos diminuem tanto os níveis de LDL como de triglicerídeos. Os análogos do ácido fíbrico são efetivos não só para redução dos níveis de triglicerídeos como também para elevação dos níveis de HDL. Entretanto, a miosite e a rabdomiólise limitam o uso destes agentes. A dose de análogos do ácido fíbrico deve ser devidamente ajustada de acordo com o grau de função renal.

 

Tratamento das complicações da doença renal crônica (DRC)

Desequilíbrio de sódio e água

            Conforme a massa renal se torna progressivamente reduzida, a excreção fracionada de sais e água aumenta nos néfrons remanescentes. A diurese de solutos que ocorre nos néfrons remanescentes resulta em níveis relativamente fixos de excreção de sais e água. Desta forma, em pacientes com DRC, a excreção renal de sais e água está limitada a uma faixa que é um pouco mais estreita do que nos indivíduos saudáveis.

         A ingesta ideal de sais difere para cada paciente, individualmente. Uma vez prescrito um determinado nível, a ingesta de sais terá de ser constantemente monitorada, porque os requisitos variam conforme a função renal é alterada. A meta deve ser uma ingesta de sais que leve o paciente a permanecer no estado normotensivo e a manter um peso corporal constante, apenas com alguns traços de edema. Uma dieta que restrinja a quantidade de sais para 6 a 8 g/dia é útil como ponto de partida [Tabela 5]. Se o peso corporal do paciente começar a diminuir no decorrer de alguns dias e o paciente se tornar mais azotêmico, significa que é necessário aumentar a ingesta de sais. Além disso, na doença intercorrente, pode-se fornecer uma suplementação de sais em forma de cubos de caldo de carne, se houver desenvolvimento de um déficit do volume de líquido extracelular. Em contraste, diante de um ganho de peso, com o passar do tempo, acompanhado de aumento do edema e de piora da hipertensão, indica-se aumentar a restrição de sais. Quando a TFG estimada cair para menos de 20 mL/min, até mesmo uma restrição de sais pode exceder a capacidade excretora dos rins, e torna-se necessário instituir a terapia diurética para prevenir a expansão progressiva do volume de líquido extracelular.

 

Tabela 5. Dieta típica destinada aos pacientes com insuficiência renal

0,8 proteína/kg de peso corporal

6 a 8 g cloreto de sódio

70 mEq de potássio

800 a 1.000 mg de fosfato

1.000 a 1.500 mg cálcio elementar

1.000 a 1.500 mL de água livre em excesso do débito urinário

 

         A capacidade de concentrar ou diluir ao máximo a urina sofre comprometimento progressivo à medida que a função renal declina. Como resultado, pacientes com DRC correm risco de desenvolver um equilíbrio hídrico positivo e a resultante hiponatremia, bem como um equilíbrio hídrico negativo e a consequente hipernatremia. Em geral, a ingesta de líquidos deve ser igual ao débito urinário mais um acréscimo de 1.000 a 1.500 mL/dia para dar conta das perdas insensíveis. O tratamento da hiponatremia depende do equilíbrio de líquidos extracelulares existente. Para os pacientes com sobrecarga de volume, recomenda-se aumentar a restrição de água. No caso dos pacientes hipovolêmicos, o tratamento adequado é composto pela restrição de água com a administração judiciosa de sais e suspensão da terapia diurética.

 

Desequilíbrio de potássio

         O equilíbrio de potássio geralmente se mantém dentro dos limites normais até que TFG caia para menos de 10 mL/min. Este equilíbrio é alcançado por meio de uma taxa de excreção de potássio por néfron remanescente aumentada e por meio de um aumento da excreção de potássio extrarrenal, efetuada principalmente via cólon. O desenvolvimento de hipercalemia a níveis mais elevados de função renal sugere a existência de doença tubulointersticial ou de distúrbios envolvendo o eixo da renina/angiotensina/aldosterona. Além disso, existem vários medicamentos comumente utilizados que podem predispor ao desenvolvimento de hipercalemia no paciente com DRC [Figura 1].

 

Figura 1. Cascata da renina/angiotensina/aldosterona. Este diagrama ilustra a cascata da renina/angiotensina/aldosterona. A aldosterona estimula a reabsorção de sódio junto ao ducto coletor, o qual, por sua vez, gera um potencial negativo no lúmen. A eletronegatividade luminal atua como força direcionadora da excreção de potássio. Os fármacos que interferem neste processo estão representados de acordo com o mecanismo de ação. O uso destes agentes no contexto da insuficiência renal crônica pode predispor ao desenvolvimento de hipercalemia.

AINH = fármacos anti-inflamatórios não hormonais. BRA = bloqueadores do receptor de angiotensina. ECA = enzima conversora de angiotensina. K = potássio. Na = sódio.

 

         A abordagem inicial do tratamento da hipercalemia consiste na instituição de uma dieta com baixo teor de potássio (50 a 70 mEq/dia). Se a condição persistir, a administração de um diurético de alça constitui uma 2ª abordagem razoável, especialmente quando o paciente apresenta um edema demonstrável ou é hipertenso.65 Os diuréticos de alça intensificam a distribuição de sódio distal e, assim, são úteis para aumentar a secreção de potássio a partir do túbulo distal. Se o paciente estiver acidótico, a administração de bicarbonato de sódio é uma forma efetiva de diminuir a concentração sérica de potássio. A administração deste sal de sódio aumenta a distribuição de sódio distal e, portanto, a secreção de potássio a partir do túbulo distal. Além disso, a correção do estado acidótico subjacente promove o deslocamento do potássio para dentro das células. Alguns pacientes continuam sendo hipercalêmicos, mesmo com esta terapia. Nestes casos, pode ser necessário administrar uma resina ligadora de potássio, como o sulfonato de poliestireno de sódio (kayexalato), diariamente ou em dias alternados. Este agente deve ser fornecido com um catártico intestinal, como o sorbitol, para prevenir a constipação. Na verdade, a constipação pode piorar a hipercalemia, porque a secreção de potássio pelo cólon é substancial em pacientes com insuficiência renal em estágio avançado. Os catárticos contendo magnésio devem ser evitados, devido ao risco de indução de hipermagnesemia no contexto da insuficiência renal.

 

Acidose metabólica

         Sob condições normais, o rim é responsável pela regeneração do bicarbonato consumido como resultado do tamponamento da produção líquida de ácidos diária. Conforme a insuficiência renal progride, é comum os pacientes se tornarem acidóticos. A princípio, a acidose é do tipo sem anion gap aumentado. No entanto, à medida que a insuficiência renal atinge um estágio bastante avançado, sobrevém uma acidose com aumento do anion gap. Quando não tratada, a acidose acarreta reabsorção óssea. Além disso, a condição pode contribuir para o catabolismo proteico e resultar em mal-estar e dispneia.66 A quantificação e o monitoramento dos níveis séricos de bicarbonato deve fazer parte da análise rotineira de eletrólitos, em casos de pacientes com DRC. Na DRC em estágio 3, os níveis de bicarbonato do paciente devem ser medidos ao menos a cada 12 meses. Na DRC em estágio 4 ou 5, tais medidas devem ser obtidas a cada 3 meses. Todos os esforços possíveis devem ser empreendidos no sentido de manter a concentração de bicarbonato acima de 22 mEq/L, a fim de evitar os efeitos colaterais sobre a histologia óssea e o catabolismo proteico.

         A terapia alcalina pode ser administrada na forma de comprimidos de bicarbonato de sódio. Cada comprimido de 650 mg contribui com 8 mEq de bicarbonato. Uma dose inicial útil consiste em 1 comprimido, 3 vezes/dia. Como alternativa, pode-se fornecer uma solução de citrato de sódio. Esta solução contribui com 1 mEq de bicarbonato/ mL de solução. Álcalis contendo citrato não devem ser administrados a pacientes sob tratamento com ligadores de potássio contendo alumínio, pois já se comprovou que o citrato aumenta a absorção gastrintestinal (GI) do alumínio. A terapia alcalina contém uma carga substancial de sódio. Por isso, o paciente precisa ser monitorado com atenção quanto ao desenvolvimento de sobrecarga de volume.

 

Desequilíbrio de cálcio e fósforo

         Os distúrbios do metabolismo de cálcio e fosfato regularmente acompanham a DRC e contribuem para muitas das manifestações da uremia. Conforme a TFG declina, os níveis séricos de fosfato começam a aumentar e produzem uma diminuição recíproca na concentração sérica de cálcio. Em resposta, há liberação de paratormônio (PTH), com consequente aumento da excreção de fosfato em cada um dos néfrons remanescentes. E assim, os níveis de cálcio e fósforo voltam ao normal. À medida que a função renal continua declinando, os níveis de cálcio e fósforo permanecem junto à faixa normal, porém à custa de níveis de PTH cada vez maiores. Os pacientes com DRC em estágio 3 costumam apresentar níveis de PTH elevados e já podem demonstrar evidências de osteíte fibrosa cística ao exame de biópsia óssea. Por fim, a perda de massa renal é tão grande que a hiperfosfatúria por néfron se torna insuficiente para evitar a retenção de fosfato, e, deste modo, a hiperfosfatemia passa a ser sustentada.

         Conforme a massa renal declina, os níveis circulantes de 1,25-di-hidroxivitamina D [1,25-(OH2)D] também começam a cair. A 25-hidroxivitamina D [25-(OH)D] sofre 1-alfa-hidroxilação no rim e forma 1,25-(OH2)D. A falta de 1,25-(OH2)D contribui para o desenvolvimento de hipocalcemia, porque este hormônio normalmente serve para aumentar a absorção de cálcio a partir do trato GI e intensifica a habilidade do PTH de mobilizar cálcio a partir dos ossos. A absorção diminuída de cálcio a partir do intestino soma-se ao baixo conteúdo de cálcio da dieta dos pacientes com DRC. Baixos níveis de vitamina D ativa também contribuem para o desenvolvimento de hiperparatireoidismo secundário, pois este hormônio normalmente exerce um efeito inibitório direto sobre a liberação de PTH pela glândula paratireoide. Finalmente, durante o curso da insuficiência renal em estágio avançado, o ponto de ajuste em que o cálcio suprime a liberação de PTH torna-se mais alto, acarretando elevações adicionais nos níveis de PTH.

         Atualmente, já existem disponíveis as diretrizes da prática clínica referentes ao tratamento dos distúrbios do cálcio e do fósforo em pacientes com DRC.67 A principal meta do tratamento dos pacientes com DRC consiste em manter os níveis séricos de fósforo dentro dos limites normais [Figura 2]. Os níveis séricos de fósforo devem ser mantidos entre 2,7 e 4,6 mg/dL em pacientes com DRC em estágios 3 ou 4. Em pacientes com doença em estágio 5, os níveis séricos de fósforo devem ser mantidos entre 3,5 e 5,5 mg/dL. Para alcançar estes níveis, o paciente deve, a princípio, passar a receber uma dieta com restrição de fosfato (800 a 1.000 mg/dia), e os níveis séricos de fósforo devem ser monitorados mensalmente.67 As fontes dietéticas particularmente ricas em fosfato devem ser restritas. Tais fontes incluem ovos, laticínios (p. ex., creme de leite, leite e queijos) e alimentos à base de carne. Embora poucos pacientes possam ser capazes de manter os níveis séricos de fosfato dentro dos limites normais apenas com uma dieta restrita, a maioria dos pacientes com DRC em estágio avançado requer tratamento com agente ligador de fosfato para aumentar a excreção fecal de fosfato.

 

 

Figura 2. Tratamento das anormalidades de cálcio e fósforo na doença renal crônica (DRC). O diagrama esquematiza as etapas do tratamento das anormalidades de cálcio e fósforo que acompanham a DRC.

PTH = paratormônio.

 

         Os ligadores de fosfato orais são disponibilizados como fármacos com ou sem cálcio.68 Em pacientes com DRC em estágios 3 ou 4, os ligadores de fosfato contendo cálcio geralmente são efetivos no controle dos níveis séricos de fósforo. Em pacientes com doença em estágio 5, o controle dos níveis séricos de fósforo pode requerer uma combinação de ligadores com e sem cálcio.

         A decisão sobre qual classe de ligador usar deve ser tomada com base nos níveis iniciais de fosfato e no valor do produto [cálcio] x [fósforo]. Todos os esforços possíveis devem ser empreendidos no sentido de manter este produto abaixo de 55. Para pacientes com níveis séricos de fósforo acima de 7 mg/dL ou um produto cálcio-fósforo > 63, a escolha apropriada é um agente ligador sem cálcio. O uso contínuo de ligadores contendo cálcio por pacientes com um elevado produto cálcio-fósforo resulta no desenvolvimento de calcificação metabólica. Por isso, estes ligadores devem ser evitados por estes pacientes.

         O sevelamer  é um ligador de fosfato isento de cálcio e alumínio, que vem sendo cada vez mais utilizado no tratamento de pacientes com DRET. Foi demonstrado que este agente controla os níveis séricos de fósforo e diminui os níveis de PTH sem induzir hipercalcemia;69 ele também abaixa os níveis séricos de colesterol. Entretanto, o sevelamer tende a causar acidose metabólica. Este agente consiste em uma resina de trocas que libera cloreto em troca de fosfato. A subsequente formação de ácido clorídrico gera uma carga ácida que pode acarretar a queda da concentração sérica de bicarbonato para níveis abaixo daqueles recomendados pelas diretrizes da KDOQI.

         O carbonato de lantânio  é outro ligador isento de cálcio e alumínio que teve o uso aprovado para o tratamento da hiperfosfatemia em pacientes com DRET.70 A experiência clínica inicial demonstrou que este fármaco é efetivo e bem tolerado. A biodisponibilidade oral do lantânio é bastante baixa, e o fármaco é amplamente excretado nas fezes sem ser absorvido. Entretanto, existe preocupação quanto à segurança a longo prazo do uso deste agente, uma vez que nos modelos experimentais de DRC induzidos em animais se observou uma significativa deposição tecidual do lantânio no fígado, nos pulmões e nos rins. Até agora, não há relatos de toxicidade a longo prazo em seres humanos.

         Devido às preocupações com a toxicidade, os ligadores contendo alumínio foram em grande parte abandonados. Os compostos contendo alumínio, como o hidróxido de alumínio e o carbonato de alumínio, podem ser utilizados como terapia de curta duração (1 mês). Consequentemente, devem ser substituídos por lantânio ou sevelamer. Tão logo os níveis séricos de fosfato caiam para menos de 7 mg/dL e o produto de cálcio-fósforo se torne menor que 63, os ligadores contendo cálcio podem ser utilizados.

         Os ligadores de fosfato contendo cálcio são disponibilizados como sais de carbonato de cálcio, acetato e citrato. Evidências recentes sugerem que o acetato de cálcio é o ligador de fosfato mais potente desta classe. Para maior efetividade, todos os ligadores de fosfato devem ser fornecidos com as refeições. A efetividade pode ser ainda mais intensificada se a dose de ligador for variada de modo proporcional ao conteúdo de fosfato de cada refeição.

         Conforme discutido anteriormente, pacientes com insuficiência renal em estágio avançado tendem a desenvolver um equilíbrio de cálcio negativo, devido à reduzida absorção GI de cálcio e ao menor conteúdo de cálcio da dieta. Para permanecer no estado de equilíbrio de cálcio, a maioria dos pacientes com DRC requer 1.000 a 1.500 mg/dia de cálcio elementar. É difícil alcançar este nível apenas com a dieta, pois muitos alimentos ricos em cálcio são também ricos em fósforo e, portanto, restringidos. Para solucionar este problema, é preciso administrar suplementos de cálcio. O cálcio suplementar pode ser fornecido como carbonato de cálcio ou acetato de cálcio. Quando usado com esta indicação, o cálcio deve ser tomado entre as refeições. Mais uma vez, para prevenir a deposição de fosfato de cálcio nos tecidos, o cálcio não deve ser fornecido antes de os níveis séricos de fosfato estarem normalizados.

         Embora os ligadores contendo cálcio sejam uma forma efetiva de controlar o fósforo, seu uso pode não ser isento de riscos. O excesso de cálcio induzido pela prescrição de altas doses de ligadores de fosfato contendo cálcio foi associado à ocorrência de calcificações das artérias aorta, carótida e coronária. Os ligadores de fosfato contendo cálcio foram implicados na aceleração do desenvolvimento de doença vascular que acompanha a DRC em estágio avançado.71 O uso amplamente disseminado desses fármacos também pode contribuir para o desenvolvimento de calcifilaxia. Devido a esses aspectos preocupantes, a dose total de cálcio elementar fornecida pelos ligadores de fosfato à base de cálcio não deve exceder 1.500 mg/dia, enquanto a ingesta total de cálcio elementar, incluindo o cálcio derivado de fontes alimentares, não deve ultrapassar 2.000 mg/dia. A disponibilidade de lantânio e sevelamer proporciona um meio de controlar o fosfato sem aumentar a carga de cálcio recebida pelo paciente. A mistura ideal de ligadores com e sem cálcio para limitação da doença vascular continua sendo um aspecto polêmico.

         A DRC está associada ao desenvolvimento de hiperparatireoidismo secundário. O monitoramento dos níveis plasmáticos de PTH intacto pode ajudar a prevenir o desenvolvimento desta condição. Para pacientes com DRC em estágio 3, o nível plasmático-alvo de PTH intacto é 35 a 70 pg/mL. Para pacientes com doença em estágio 4, os níveis-alvo são de 70 a 110 pg/mL. No caso dos pacientes com valores acima de faixa-alvo, é necessário determinar os níveis de 25-(OH)D durante a 1ª consulta. Se os níveis séricos estiverem normais, o teste deve ser repetido anualmente. Se os níveis séricos de 25-(OH)D estiverem abaixo de 30 ng/mL, deve-se iniciar uma suplementação de vitamina D2 (ergocalciferol). Uma vez repostos os níveis de vitamina D, o paciente deve continuar recebendo um multivitamínico que contenha vitamina D.

         Os níveis séricos de 25-(OH)D são considerados a medida das reservas corporais de vitamina D. Em pacientes com TFG na faixa de 20 a 60 mL/min, é comum os níveis de 25-(OH)D estarem abaixo de 30 ng/mL. Acredita-se que a prevenção e o tratamento da deficiência de vitamina D em pacientes com DRC em estágios 3 e 4 diminuem a frequência e o grau de severidade do hiperparatireoidismo secundário.

         Os níveis séricos de cálcio e fósforo precisam ser monitorados a cada 3 meses após o início da terapia com ergocalciferol. Se os níveis séricos totais de cálcio corrigidos excederem 10,2 mg/dL, deve-se suspender a terapia à base de vitamina D. Caso os níveis séricos de fósforo ultrapassem 4,6 mg/dL, torna-se necessário iniciar um curso ou aumentar a dose de ligadores de fosfato. Níveis séricos de fósforo persistentemente elevados justificam a pronta interrupção do uso de vitamina D.

         Para pacientes com DRC em estágios 3 e 4, níveis séricos de 25-(OH)D acima de 30 ng/mL e níveis plasmáticos de PTH acima da faixa-alvo, indica-se uma terapia com a forma ativa da vitamina D (ou seja, calcitriol, alfacalcidol ou doxercalciferol). Existem preocupações antigas com a possibilidade de a administração da forma ativa da vitamina D acelerar a perda da função renal ao causar hipercalcemia, hiperfosfatemia e hipercalciúria. Até agora, os relatos geralmente mostram a inexistência de alteração na função renal associada à terapia com vitamina D, desde que a hipercalcemia prolongada seja evitada. Como resultado, torna-se necessário monitorar atentamente tanto os níveis séricos de cálcio como a concentração de fosfato, uma vez que a vitamina D intensifica a absorção GI destes eletrólitos. O tratamento deve ser iniciado somente quando os níveis séricos totais de cálcio corrigidos estiverem abaixo de 9,5 mg/dL e os níveis séricos de fósforo forem menores que 4,6 mg/dL. Os níveis séricos de cálcio e fósforo devem ser monitorados mensalmente durante os primeiros 3 meses após a instituição da terapia e, depois, a cada 3 meses. O uso de esterol de vitamina D ativo deve interrompido diante de valores de cálcio acima de 9,5 mg/dL ou de níveis séricos de fósforo maiores que 4,6 mg/dL.

         Os níveis plasmáticos de PTH também precisam ser monitorados durante a terapia, quando a forma ativa da vitamina D estiver sendo utilizada. Os valores-alvo de PTH para pacientes com DRC são mais altos do que o normal, porque existem evidências de que níveis maiores são necessários para a ocorrência de um remodelamento ósseo normal, provavelmente como resultado da resistência do órgão-alvo ao PTH em pacientes com uremia. A supressão do PTH a valores normais não urêmicos é indesejável, pois estes níveis de PTH estão associados a uma maior prevalência de doença óssea adinâmica. Após a iniciação da terapia com vitamina D, os níveis plasmáticos de PTH devem ser medidos a cada 3 meses. A vitamina D deve ser retirada quando os valores de PTH estiverem abaixo da faixa-alvo.

         Uma vez que o paciente atinja o estágio 5 da DRC, os níveis de PTH quase sempre se encontram elevados. Níveis plasmáticos de PTH intacto da ordem de 300 pg/mL devem levar à pronta instituição da terapia com vitamina D ativa, com a meta de reduzir dos níveis de PTH para a faixa-alvo de 150 a 300 pg/dL. Assim como nos estágios mais iniciais da DRC, é necessário monitorar atentamente os níveis séricos de cálcio e fósforo. Para estes pacientes, o tratamento com ergocalciferol não é indicado, porque existe uma massa renal inadequada para converter 25-(OH)D na forma ativa do esterol de vitamina D. O cinacalcet  é um agente calcimimético que se liga ao receptor cálcio-sensível existente na glândula paratireoide e promove a redução da liberação de PTH. Assim como na terapia com vitamina D ativa, o cinacalcet diminui efetivamente os níveis circulantes de PTH. No entanto, este fármaco não promove o aumento da absorção GI de cálcio e fósforo associados à terapia com vitamina D. Um pequeno percentual dos pacientes pode apresentar hipocalcemia. No caso de pacientes com DRET, uma terapia de combinação com cinacalcet e vitamina D ativa é vantajosa, porém a mistura ideal ainda está para ser determinada.

 

Anemia

         Muitos pacientes com DRC desenvolvem uma anemia normocítica e normocrômica que tende a piorar em paralelo com a azotemia em evolução. O desenvolvimento de anemia pode ocorrer no estágio 3 da DRC (eTFG, 30 a 60 mL/min). A anemia é essencialmente causada por uma diminuição da biossíntese da eritropoetina nos rins. A eritropoetina humana recombinante atualmente constitui o tratamento mais definitivo para a anemia da DRC. Além de libertar o paciente das repetidas exposições a patógenos transmissíveis pelo sangue, sobrecarga de ferro e sensibilização, foi demonstrado que o uso de eritropoetina melhora a função cardiovascular e cognitiva, bem como a qualidade de vida geral dos pacientes com DRC. Embora as transfusões sejam claramente indicadas para o tratamento de hemorragias agudas e instabilidade cardiovascular, esta forma de terapia já não deve ser considerada um procedimento de rotina no tratamento da anemia de pacientes submetidos a diálise peritoneal ou hemodiálise.

         Atualmente, são disponibilizadas diretrizes da prática clínica para o tratamento da anemia de pacientes com DRC.5 Antes da iniciação da terapia à base de eritropoetina, o paciente deve ser submetido a uma avaliação para exclusão de causas de anemia diferentes da DRC. A avaliação deve incluir ao menos os níveis de hemoglobina, índices de hemácias, parâmetros de ferro e testes de detecção de sangue oculto nas fezes. O monitoramento dos níveis de ferro deve incluir exames para ferro sérico, capacidade de ligação de ferro total, percentual de saturação da transferrina e ferritina sérica. Se a avaliação confirmar a DRC como provável causa da anemia, então a terapia com eritropoetina pode ser iniciada. A quantificação dos níveis de eritropoetina geralmente não é indicada.

         A concentração ideal de hemoglobina que proporcionaria o benefício máximo e ao mesmo tempo minimizaria os eventos adversos constitui um aspecto controverso. Dois estudos recentes, além de uma metanálise,72 demonstraram um aumento do número de eventos cardiovasculares associado à administração de agentes estimuladores de eritropoetina para alcançar níveis-alvo de hemoglobina mais altos. No estudo intitulado Correction of Hemoglobin and Outcomes in Renal Insufficiency (CHOIR, Correção da hemoglobina e resultados na insuficiência renal), que envolveu 1.432 pacientes com DRC, a incidência de eventos cardiovasculares foi maior quando uma eritropoetina-alfa humana recombinante foi administrada para alcançar níveis-alvo de hemoglobina de 13,5 g/dL, do que quando este agente foi usado para alcançar níveis de hemoglobina de 11,3 g/dL.73 Resultados semelhantes foram obtidos no estudo Cardiovascular Risk Reduction by Early Anemia Treatment with Epoetin-Beta (CREATE, Redução de risco via tratamento precoce da anemia com epoetina-beta).74 Neste estudo, observou-se uma tendência a um número maior de eventos cardiovasculares adversos entre os pacientes cujos níveis de hemoglobina haviam subido para a faixa normal (13 a 15 g/dL), em comparação àqueles cujos valores de hemoglobina permaneceram subnormais (10,5 a 11,5 g/dL).

         Estes dados levaram o Food and Drug Administration (FDA) a estabelecer uma tarja preta de alerta contra o uso de agentes estimuladores de eritropoetina para elevação dos valores de hemoglobina acima de 12 g/dL. Segundo uma metanálise recente, todavia, até mesmo este valor pode ser alto demais.74a O estudo, publicado no Annals of Internal Medicine, em 2010, constatou que a adoção de níveis-alvo de hemoglobina mais baixos resultou na diminuição dos riscos de AVC, hipertensão e trombose de acesso vascular. À luz desta evidência, parece prudente usar a menor dose possível ao se iniciar a terapia com agentes estimuladores de eritropoetina e aumentar gradualmente a concentração de hemoglobina até que o nível mínimo necessário para evitar a transfusões seja atingido. A menor dose possível deve ser utilizada para aumentar gradualmente a concentração de hemoglobina e evitar a necessidade de transfusão. Ao se iniciar a terapia, a hemoglobina deve ser monitorada com frequência até seus níveis se tornarem estáveis, a fim de evitar atingir níveis acima de 12 g/dL.

         A falha em responder à terapia com eritropoetina resulta mais comumente da existência de uma deficiência de ferro. Uma saturação da transferrina inferior a 25% ou níveis séricos de ferritina abaixo de 100 ng/mL indicam que as reservas de ferro são inadequadas. Esta condição requer a suplementação com ferro, que geralmente é fornecida como sulfato ferroso (325 mg, 2 a 3 vezes/dia). O ferro oral é mais bem absorvido ao ser ingerido sem alimentos nem medicações. A administração de ferro por via endovenosa costuma ser reservada para pacientes que estejam se submetendo à hemodiálise ou à diálise peritoneal. O paciente ocasional, apresentando DRC em estágio inicial e necessitando de suplementação de ferro por via endovenosa, pode receber 500 a 1.000 mg de ferro dextrano administrado por via endovenosa sob a forma de uma única infusão. Uma dose de teste inicial igual a 25 mg deve preceder a infusão de 1.000 mg. Durante o curso da terapia, a saturação da transferrina e os níveis séricos de ferritina devem ser monitorados com frequência para garantir que o paciente não desenvolva deficiência de ferro. Outras causas de uma resposta subótima são a existência de uma doença inflamatória subjacente, intoxicação pelo alumínio e ocorrência de fibrose de medula atribuível ao hiperparatireoidismo de longa duração.

 

Disfunção plaquetária

         Os pacientes com DRC em estágio avançado tipicamente desenvolvem um defeito qualitativo de função plaquetária. Em casos de pacientes que apresentam risco de desenvolvimento de complicações de sangramento, foram demonstradas 3 formas de terapia efetiva para redução do tempo de sangramento prolongado associado à uremia. A primeira consiste na administração de desmopressina por via endovenosa, a uma dose de 0,3 mg/kg em 50 mL de salina normal, infundida ao longo de 30 minutos. Como alternativa, crioprecipitados (10 bolsas) podem ser infundidos por via endovenosa ao longo de 30 minutos. Estrogênios conjugados administrados a uma dose de 0,6 mg/kg/dia, por via endovenosa, durante 5 dias seguidos, também se mostraram efetivos.

 

O caso de encaminhamento precoce para um nefrologista

         A terapia ideal para o paciente com DRC envolve uma abordagem terapêutica multifacetada, que inclua o monitoramento intensivo da função renal e a instituição de medidas agressivas destinadas a retardar a progressão da perda de função renal. As intervenções utilizadas para reduzir as comorbidades que acompanham a DRC devem ser iniciadas precocemente. As complicações metabólicas e hematológicas da uremia devem ser evitadas. No entanto, se já estiverem presentes, devem ser tratadas de maneira judiciosa. Pacientes com DRC em estágio avançado devem ser devidamente preparados, de modo a poderem ser encaminhados para o recebimento da terapia de substituição renal de forma suave e no momento certo.

         É interessante observar que vários relatos indicam que a terapia pré-DRET, nos Estados Unidos, é subótima em um número considerável de casos.75-78 Evidências sugerem que esta terapia pré-DRET subótima pode ser um fator importante na elevada morbidade e mortalidade observadas entre os pacientes submetidos à diálise. Exemplificando, muitos pacientes são significativamente anêmicos, ainda que não tenham sido tratados com eritropoetina antes da iniciação da diálise. A anemia severa contribui para o desenvolvimento de HVE, que, por sua vez, constitui um importante fator preditor de morbidade e mortalidade cardíaca entre pacientes submetidos à diálise. A hipoalbuminemia também constitui um achado comum no momento em que a diálise é iniciada. A hipoalbuminemia também é um forte preditor de morbidade e mortalidade subsequentes entre pacientes de diálise. Embora a causa de hipoalbuminemia seja multifatorial neste contexto, é provável que a falta de uma abordagem por parte de um nutricionista no início do curso da doença seja um fator contribuidor.

         Há também evidências de que muitos pacientes não são devidamente preparados para a iniciação da diálise. A preparação ideal para o início da diálise envolve a instrução do paciente e de seus familiares acerca das várias formas de terapia de substituição renal. Para aqueles que optam pela hemodiálise, é necessário instalar um dispositivo de acesso vascular com vários meses de antecedência em relação à iniciação, para que este possa ser utilizado no primeiro tratamento. Devido à necessidade de se dedicar tempo ao treinamento para realização da diálise peritoneal, os pacientes encaminhados tardiamente são mais propensos a serem iniciados na hemodiálise, e isto limita efetivamente as escolhas do paciente. A falta de um dispositivo de acesso permanente no momento da iniciação torna necessário instalar um cateter temporário e, assim, aumenta a probabilidade de o paciente receber um enxerto arteriovenoso no lugar de uma fístula arteriovenosa. Por fim, há um número crescente de evidências de que a iniciação precoce da diálise está associada a um melhor resultado do paciente.

         Dadas as complexidades envolvidas no tratamento, o paciente com DRC deve ser encaminhado a um especialista para consulta e cossupervisão, caso não possa ser avaliado e tratado adequadamente pelo prestador de assistência primária. Um nefrologista deve participar da terapia de pacientes cujas eTFGs sejam menores que 30 mL/min/1,73 m2.79 As iniciativas educacionais destinadas a aumentar a conscientização em relação à DRC conduzirão a um tratamento mais aprimorado e melhorarão os resultados alcançados pelos pacientes com esta doença.

 

         Os autores não possuem relações comerciais com os fabricantes dos produtos ou prestadores de serviços mencionados neste capítulo.

 

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