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Tosse

Autores:

Carmen Sílvia Valente Barbas

Professora Livre Docente da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Eduardo da Rosa Borges

Especialista em Pneumologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Pós-graduando da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 08/02/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

A tosse é um dos sintomas mais frequentes das doenças do trato respiratório, sendo responsável por 30 milhões de consultas médicas/ano nos Estados Unidos. tosse aguda, ou seja, com duração menor que 3 semanas, pode ser um sintoma leve ou muitas vezes desabilitante, fazendo com que os indivíduos portadores deste sintoma procurem auxílio médico especializado. Geralmente tem duração de 1 a 3 dias e costuma estar associada às infecções agudas das vias aéreas superiores como resfriado comum, rinossinusites e faringites e das vias aéreas inferiores como as laringites, traqueites e bronquites. Outras causas de tosse aguda incluem descompensação de doenças crônicas, como DPOC e ICC, ou outras doenças agudas como tromboembolismo pulmonar e pneumonia.

Este tipo de tosse geralmente é responsiva a anti-inflamatórios e antitussígenos e, quando refratárias, devem ser investigadas mais detalhadamente. As principais causas e o tratamento específico de cada uma delas estão relacionados na Tabela 1.

 

Tabela 1: Principais causas e tratamentos de tosse aguda

Causa

Tratamento

resfriado comum

Anti-histamínicos de 1ª geração e pseudoefedrina OU naproxeno OU ipratrópio nasal

Rinite alérgica

Evitar alérgenos + loratadina ou desloratadina

Sinusite bacteriana aguda

Anti-histamínico + pseudoefedrina VO + oximetazolina nasal + antibioticoterapia (Haemophilus influenza e S. pneumoniae)

Exacerbação de DPOC

Antibioticoterapia (Haemophilus e S. pneumoniae) + corticoterapia VO por até 2 semanas + ipratrópio inalatório + beta-2-agonista de longa duração se necessário e cessar tabagismo

Insuficiência cardíaca

Compensação da cardiopatia e diurético

 

As tosses que necessitam maior atenção médica são aquelas com duração acima de 3 semanas, as quais são denominadas tosse subaguda (3 a 8 semanas) ou crônica (maior que 8 semanas). Por motivos didáticos, chamaremos todas as tosses com duração maior que 3 semanas de tosse crônica, sendo o objetivo deste texto um melhor entendimento desta patologia. A maioria dos pacientes que procura atenção médica por tosse, o faz com receio de tratar-se de alguma doença grave ou pela morbidade associada, como distúrbio de sono, síncope ou incontinência urinária, principalmente em mulheres, e interferência na vida social e profissional. A Tabela 2 resume as principais complicações da tosse crônica.

 

Tabela 2: Principais complicações da tosse

Hipotensão arterial

Síncope

Ruptura de veias conjuntiva e nasal

Bradi ou taquiarritmias

Cefaleia

Radiculopatia cervical aguda

Dissecção de artéria vertebral

Hérnia inguinal ou incisional

Incontinência urinária

Fratura de costela

Ruptura de músculo retoabdominal

Pneumomediastino

Pneumotórax

Pneumoperitônio

Herniação pulmonar

Exacerbação de asma

Rouquidão

Piora na qualidade de vida

 

A tosse tem sua origem num complexo arco reflexo (Figura 1), sensível a estímulos físicos, químicos e mecânicos. A concentração destes receptores é maior no trato respiratório alto, mas estão presentes também no trato respiratório inferior, pleura, pericárdio, esôfago, estômago e diafragma. Desta maneira, a tosse pode ter sua origem de diversas maneiras:

 

Reflexo da Tosse

Figura 1: Receptor Nervo Efetor

1.    Origem respiratória

  Bronquite crônica.

  asma.

  Bronquite eosinofílica.

  Bronquiectasias, fibrose cística.

  Doença intersticial pulmonar.

  Irritação crônica das vias aéreas por fumaças, poeiras e gases inalatórios.

  Presença de corpo estranho na árvore traqueobrônquica.

  Neoplasia pulmonar.

  Infecção do parênquima pulmonar (bactérias, fungos, tuberculose).

 

2.    Origem mediastinal

  Compressão externa da traqueia por linfonodomegalias mediastinais (tuberculose, linfoma).

  Tumores, massas e cistos mediastinais.

 

3.    Origem cardíaca

  Insuficiência ventricular esquerda.

  Estenose mitral grave com aumento importante do átrio esquerdo.

 

4.    Origem otorrinolaringológica

  Sinusite aguda e/ou crônica.

  Síndrome do gotejamento pós-nasal causada geralmente por Rinite alérgica ou vasomotora.

 

5.    Origem do trato gastrintestinal

  Reflexo gastroesofágico.

  Disfunção da motilidade esofágica, estreitamento esofágico por tumor.

  Fístula esôfago-bronquial.

 

6.    Origem no sistema nervoso central

  Síndromes neurológicas que afetam a deglutição causando aspiração de repetição como acidente vascular cerebral, esclerose múltipla, doença do neurônio motor e doença de Parkinson.

 

7.    Origem medicamentosa

  Uso de inibidores de enzima da angiotensina.

  Medicações inalatórias que irritam as vias aéreas.

 

8.    De outra origem

  Idiopática

  Psicogênica

  Cerume no ouvido (estimulação do nervo vago).

 

Na prática clínica, de 75 a 90% dos pacientes com tosse crônica têm sua etiologia esclarecida e, apesar da imensa gama de diagnósticos possíveis como causa da tosse, 90% das tosses com radiografia de tórax normal são causadas por: asma ou bronquite eosinofílica, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) ou Síndrome do gotejamento pós-nasal causada por Rinite alérgica, vasomotora ou sinusite crônica.

 

ACHADOS CLÍNICOS

História Clínica

A história clínica é de fundamental importância para caracterizar o tipo de tosse, sugerindo uma etiologia mais provável. Segundo a Associação Americana de Medicina de Família, até 70% dos casos de tosse crônica podem ter o seu diagnóstico sugerido apenas com história e exame físico.

 

A tosse apresenta piora noturna ou com decúbito dorsal horizontal?

Esta piora noturna sugere patologias com DRGE, gotejamento pós-nasal ou Insuficiência cardíaca congestiva, pois este decúbito favorece a exacerbação destas doenças.

 

O paciente apresenta sinais e sintomas de gotejamento pós-nasal?

Estes sintomas apresentam uma sensibilidade de 100% para os pacientes cuja tosse é causada pela Síndrome do gotejamento pós-nasal. Porém, como apresenta baixa especificidade, este achado não pode excluir outras causas associadas ou isoladas como a origem da tosse.

 

A tosse aparece ou piora quando o paciente se expõe a algum alérgeno, por exemplo, poeira, mofo ou pelos de cachorro?

Este tipo de exposição tende a piora as tosses causadas por Rinite alérgica e asma.

 

O paciente apresenta sintomas dispépticos associados?

Estes sintomas são sugestivos de tosse causada por DRGE, porém, até 43% dos pacientes com tosse secundária a DRGE não apresentam sintomas dispépticos associados.

 

O paciente está fazendo uso de alguma medicação?

Várias medicações podem ser causadoras de tosse, sendo as mais conhecidas os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) pelo acúmulo de bradicininas, os betabloqueadores por broncoespasmo e o ácido acetilsalicílico (AAS) também por broncoespamo induzido. Nestes casos, a suspensão do medicamento é obrigatória e deve solucionar o problema.

 

O paciente apresenta febre, emagrecimento e expectoração amarelada?

Estes sinais de síndrome infecciosa devem sempre ser valorizados. Como causa de tosse crônica, a pneumonia não é um achado tão frequente, porém, nestes casos, temos o dever de descartar outros patógenos como agentes infecciosos do parênquima pulmonar, principalmente a tuberculose, além da sinusite.

 

O paciente é tabagista?

Neste caso, a tosse pode ser o primeiro sintoma da instalação da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou, nos casos em que o diagnóstico de DPOC já existia, a mudança das características da tosse podem sugerir infecção secundária ou desenvolvimento de neoplasia.

 

O paciente apresenta sintomas consumptivos?

Um dos maiores receios dos pacientes que procuram o médico com queixa de tosse crônica é a possibilidade de neoplasia. Apesar de até 83% dos pacientes com carcinoma broncogênico apresentarem tosse como um dos sintomas, a ocorrência desta isoladamente nos casos de neoplasia é raríssima. Portanto, os sinais de alerta associados à tosse, como emagrecimento, tabagismo e hemoptise, são fundamentais para a suspeita de neoplasia de pulmão.

 

O paciente está sujeito a alguma exposição profissional?

A exposição a produtos químicos inalados pode ser responsável por um quadro de asma relacionada ao trabalho. Outras exposições a partículas inaladas, por exemplo a sílica, podem causar doenças pulmonares que cursam com tosse, como a silicose.

 

Exame Físico

O exame físico é importante para detecção de possíveis doenças neurodegenerativas, principalmente as formas com acometimento bulbar que podem ocasionar déficits de deglutição com micro e/ou até macroaspiração pulmonar e tosse crônica. No exame físico, ainda podem ser detectados sopros cardíacos e/ou sinais de Insuficiência cardíaca congestiva, como galope e presença de 3ª e 4ª bulhas cardíacas. A presença de expiração prolongada e sibilos também podem ser importante para o diagnóstico de asma e ainda a presença de estridor laríngio ou dificuldade respiratória alta para as disfunções de vias aéreas superiores. O achado de linfonodomegalia endurecida, principalmente supraclavicular, deve guiar a pesquisa para causas neoplásicas. O exame da orofaringe pode evidenciar secreção retrofaríngia e levantar a suspeita de Síndrome do gotejamento pós-nasal. Febre e hemoptise obrigam a investigação de tuberculose.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Radiografia de Tórax

É importante para detecção de infiltrados pulmonares que podem caracterizar um quadro de pneumonia infecciosa, tuberculose, neoplasia e,ou um quadro de doença intersticial quando associada ao espessamento do septo interlobular. A presença de área cardíaca aumentada pode sugerir um quadro de Insuficiência cardíaca congestiva. O aumento do átrio esquerdo pode sugerir uma disfunção valvar mitral. O aumento do ventrículo direito e/ou retificação do arco médio pulmonar e/ou ainda do calibre das artérias pulmonares sugerem um quadro de hipertensão pulmonar e/ou tromboembolismo pulmonar crônico.

 

Tomografia Computadorizada de Tórax

É importante na detecção de tumores pulmonares ou até mesmo centrais localizados nas vias aéreas. Caracteriza detalhadamente os infiltrados intersticiais pulmonares e detecta possível hérnia de hiato propiciando o quadro de refluxo gastroesofágico. A tomografia de tórax também é importante para caracterização das dilatações brônquicas e/ou bronquiectasias, muitas vezes não bem caracterizadas nas radiografias de tórax.

 

Prova de Função Pulmonar

É importante na caracterização dos processos pulmonares obstrutivos (asma e DPOC) e dos processos restritivos (quadros intersticiais pulmonares). No encontro de prova de função pulmonar normal e na presença de suspeita clínica de quadro de asma, pode ser realizado o teste de broncoprovocação com histamina/metacolina para confirmação do diagnóstico de asma. Ainda pode ser feita a medida de pico de fluxo expiratório 2 a 3 vezes/dia para detecção de labilidade das vias aéreas (variação do pico de fluxo expiratório maior que 20% e/ou ainda detecção de asma associada ao ambiente de trabalho e/ou asma ocupacional (causada pelo contato de tinta, pó de madeira). Na suspeita de processos intersticiais pulmonares, pode-se realizar a prova de função pulmonar completa com as medidas dos volumes pulmonares e da capacidade de difusão para melhor quantificação da gravidade do acometimento pulmonar.

 

Coleta de Escarro Induzido

O escarro induzido pode ser obtido após inalação de sódio hipertônico, quando o escarro é avaliado para presença e quantificação de eosinófilos que podem caracterizar quadros de asma e bronquite eosinofílica. Pelo exame de escarro também podemos fechar o diagnóstico de tuberculose.

 

Avaliação Otorrinolaringológica

O exame especializado com realização de rinolaringoscopia e otoscopia é importante para confirmação diagnóstica das rinossinusites e faringites/laringites e detecção de cerume no canal auditivo e/ou ainda a presença de otites. Se necessário, o exame otorrinolaringológico pode ser complementado com uma tomografia de seios da face, que confirmaá o diagnóstico de sinusites, além de poder caracterizar a presença de pólipos e níveis líquidos responsáveis pela cronificação dos quadros de sinusite.

 

Broncoscopia

A broncoscopia deve ser sempre realizada se os exames anteriores não esclarecerem a causa da tosse para visualização das vias aéreas e possível diagnóstico de polipose de traqueia, presença de corpos estranhos, adenomas brônquicos e até carcinomas endobrônquicos, principalmente se a tosse estiver acompanhada de escarro hemoptoico. Durante a broncoscopia, pode ser realizado o lavado broncoalveolar para citologia quantitativa com diferencial de células e verificação de aumento do número de linfócitos (processos intersticiais) e/ou aumento de neutrófilos (processos infecciosos), além de aumento de eosinófilos (bronquite e até mesmo pneumonites eosinofílicas). O lavado broncoalveolar deve ser encaminhado para pesquisa e cultura de agentes infecciosos (vírus, bactérias, micobacterias e fungos, principalmente na presença de infiltrados pulmonares para realização do diagnóstico etiológico).

 

pHmetria

A monitoração por 24 horas do pH esófico deve ser realizada na suspeita clínica de refluxo gastroesofágico. Este exame confirma a presença do refluxo e quantifica o número de vezes que este ocorre nas 24 horas da monitoração. A pHmetria com duplo canal permite diagnosticar refluxo esofágico e laríngio, geralmente mais relacionado a tosse crônica.

 

Imunoglobulina E específica

Nos casos suspeitos de asma ou Rinite alérgica, a investigação de fatores alérgenos responsáveis pelo desencadeamento das crises se faz necessário. Assim, a pesquisa por meio de radioimunoensaio (RAST) de IgE específica para alguns alérgenos, como poeira, fungo, ácaro, pelo de cão e epitélio de gato, pode identificar o fator agressor e, evitando a exposição, melhorar os sintomas.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Nesta seção, faremos um breve relato das principais causas de tosse crônica. As causas mais raras estão resumidas na Tabela 3.

 

Tabela 3: Causas raras de tosse crônica

Fibrose intersticial pulmonar

ICC

Microaspiração pulmonar

Corpo estranho

asma ocupacional

Pólipo nasal

Psicogênica

Microaspiração pulmonar

Amiloidose

Broncolitíase

Doenças inflamatórias intestinais

Histiocitose de células de Langerhans

Linfangioleiomiomatose

Altitude

Arterite de células gigantes

Proteinose alveolar

Artrite reumatoide

Esclerodermia

Síndrome de Sjogren

Lúpus eritematoso sistêmico

Síndrome de Tourette

Traqueobronquiomegalia

Traqueomalácia

Granulomatose de Wegener e outras vasculites

 

Síndrome do Gotejamento Pós-nasal ou Síndrome de Tosse das Vias Aéreas Superiores

Uma das principais causas de tosse crônica, o gotejamento pós-nasal tem relação com rinite (alérgica, vasomotora ou perene não-alérgica), nasofaringite aguda e sinusite aguda ou crônica. Os sintomas mais frequentes incluem rinorreia abundante, secreção retrofaríngia e irritação constante na garganta. No exame físico, o achado de palidez de mucosa faríngia e secreção na naso ou retrofaringe são indicativos desta síndrome. No entanto, esta síndrome pode ser oligossintomática, desta maneira, a ausência de sintomas não só não exclui o diagnóstico como, na ausência de outras causas evidentes para a tosse, o tratamento empírico para esta síndrome deve ser instituído. Os exames radiológicos são pouco específicos e devem ser reservados somente aos pacientes que não responderam ao tratamento empírico.

 

Asma

É a maior causa de tosse em crianças e a segunda maior causa em adultos. Geralmente é acompanhada de dispneia e sibilos, porém a tosse pode ser a única manifestação da doença. Em alguns casos, a tosse é o sintoma inicial e, com o passar do tempo, o paciente desenvolve os outros sintomas. Pacientes com história prévia de atopia ou história familiar de asma são mais sujeitos a este diagnóstico. O aparecimento da tosse após uma infecção de vias aéreas superiores ou após exposição a alguns irritantes (frio, poeira, mofo, por exemplo) sugerem o diagnóstico. A presença de obstrução reversível na prova de função pulmonar é diagnóstica de asma, porém, uma espirometria normal não exclui o diagnóstico. Nestes casos, se a suspeita clínica é forte, podemos utilizar o teste de broncoprovocação que, quando negativo, exclui o diagnóstico de asma. Mesmo se confirmado o diagnóstico, não necessariamente ele é o responsável pela tosse. Alguns estudos mostram que a espirometria pré e pós-broncodilatador e o teste de broncoprovocação apresentaram resultados falso-positivos em 33 e 22% respectivamente, na elucidação da causa da tosse. Assim, a melhor maneira para se excluir a asma como causa da tosse é fazer um curso de terapia empírica e observar o resultado. O aparecimento da tosse após o início de betabloqueadores também sugere este diagnóstico e a droga deve ser suspensa.

Pacientes atópicos, com tosse crônica, escarro com eosinofilia e com ausência de hiper-reatividade de vias aéreas preenchem critério diagnóstico para bronquite eosinofílica.

 

Doença do Refluxo Gastroesofágico

Uma das 3 maiores causas de tosse crônica atingindo até 30 a 40% dos casos segundo alguns relatos. Muitos pacientes têm queixas dispépticas específicas como azia, queimação retroesternal ou gosto amargo na boca, mas até 40% dos pacientes com tosse secundária a refluxo não apresenta este tipo de queixa. Nesta patologia, o problema principal é no esfincter inferior do esôfago e a posição em decúbito horizontal facilita a ocorrência do refluxo. Estes casos apresentam também maior incidência de dismotilidade esofágica A endoscopia digestiva alta com evidência de esofagite ou a esôfago-estômago-duodenografia mostrando refluxo confirmam o diagnóstico de DRGE, mas não da causa da tosse. O ideal seria a realização de pHmetria que confirmasse a relação entre refluxo suprafisiológico e o momento da tosse. Como este exame é pouco disponível e bastante desconfortável, novamente o tratamento empírico deve ser tentado antes de uma investigação mais invasiva.

 

Refluxo Laringofaríngio

Esta patologia, caracterizada por refluxo do conteúdo gástrico para a laringe e a hipofaringe, está mais relacionada a incompetência do esfincter superior do esôfago (diferentemente da DRGE) e ocorre principalmente com o paciente em pé após algum esforço físico (como manobra de Valsalva). Somente 35% dos pacientes têm queixas dispépticas e os sintomas mais frequentes são: rouquidão e disfonia, tosse crônica, disfagia, leve irritação faríngea, sem produção de secreção importante.

 

Infecção do Trato Respiratório ou Tosse Pós-infecciosa

Após uma infecção de vias aéreas superiores, viral ou de outra etiologia, a tosse pode persistir como sintoma único por mais de 8 semanas, entrando então no diferencial de tosse crônica. Este tipo de situação ocorre principalmente em relação à infecção por Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae e Bordetella pertussis. A fisiopatologia nestes casos pode estar relacionada a presença de gotejamento pós-nasal, aumento da sensibilidade da enervação das vias aéreas relacionada à tosse ou à inflamação da via aéreas com eventual hiper-responsividade.

 

Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina (IECA)

tosse seca é uma complicação que ocorre em até 15% dos pacientes usando IECA, e provavelmente está relacionada ao acúmulo de bradicininas, o que explicaria a não-ocorrência de tosse com os antagonistas de receptores ATII. Geralmente o início da tosse ocorre após uma semana do início do IECA, mas pode ocorrer até 6 meses após. É mais comum em mulheres e a retirada do medicamento resolve o sintoma em até 4 dias. Não há uma incidência maior em pacientes asmáticos e não está relacionada à obstrução ao fluxo aéreo.

 

Bronquite Crônica

É definida como a presença de tosse e expectoração na maior parte dos dias por ao menos 3 meses em 2 anos consecutivos. A grande maioria dos pacientes é tabagista ou tem alguma exposição profissional a poeira ou fumaça. Grande parte destes pacientes não procura auxílio médico, pois acredita que a tosse é causada pelo cigarro. Assim, apesar da grande incidência de tabagismo e de bronquite, na maioria dos estudos esta patologia responde por apenas 5% dos casos de tosse crônica. Normalmente estes pacientes somente procuram o médico quando há mudança na característica da secreção, provavelmente por processo infeccioso ou neoplásico.

 

Bronquiectasias

São lesões causadas por inflamação das vias aéreas que levam à dilatação dos brônquios e bronquíolos e formação de cistos que acabam prejudicando o clearance mucociliar, levando a um acúmulo de secreção e infecções de repetição. A tosse, nestes casos, pode ser seca ou produtiva nos períodos em que não há infecção associada porém, durante a descompensação infecciosa, ela se torna francamente purulenta. O exame físico pode ser normal ou apresentar alterações localizadas. A radiografia de tórax pode ser útil para localizar as bronquiectasias mas o padrão-ouro para o diagnóstico é a tomografia de tórax. Em pacientes jovens com bronquiectasias difusas, devemos descartar a possibilidade de fibrose cística ou alguma imunodeficiência.

 

Neoplasia de Pulmão

Carcinoma broncogênico é um dos diagnósticos mais temidos por quem apresenta tosse crônica, porém representa apenas 2% dos casos. Geralmente os tumores com origem nas grandes vias aéreas são os relacionados à tosse pela grande presença de receptores nestes locais. A presença de outros sintomas como dispneia, astenia, emagrecimento e sibilância geralmente ocorre. Metástase pulmonares de outras neoplasias também podem cursar com tosse. Os pacientes que requerem maior cuidado na avaliação para esta patologia são os tabagistas que apresentam mudança nas características da tosse e hemoptise.

 

TRATAMENTO

O tratamento da tosse crônica pode ser dividido em duas partes: o tratamento específico, resumido na Tabela 4, direcionado à causa da tosse e que pode ser necessário por período prolongado (normalmente 3 meses) para estabilização do sintoma e evitar a recorrência deste; e o tratamento inespecífico ou sintomático, que visa apenas à redução da tosse sem necessariamente tratar a causa.

 

Tabela 4: Tratamento específico de tosse crônica

Causa

Tratamento

Síndrome do gotejamento pós-nasal

Anti-histamínico de 1 geração (preferencial) ou nova geração associado a pseudoefedrina VO OU ipratrópio nasal OU corticoide nasal OU anti-histamínico nasal. Manter por ao menos 3 semanas

Sinusite bacteriana

Igual ao tratamento da Síndrome do gotejamento pós-nasal + antibioticoterapia direcionada a Haemophilus e S. pneumoniae por 10 dias

asma

Corticoide VO por até 15 dias (p. ex.: prednisona de 20 a 40 mg) + corticoide inalatório (miflasona OU beclometasona OU fluticasona OU ciclesonida) + beta 2 agonista de longa duração (salmeterol OU formoterol) por no mínimo 3 meses

doença do refluxo gastroesofágico

Educação alimentar e mudança do estilo de vida (evitar bebidas alcoólicas e gaseificadas, evitar alimentos gordurosos, chocolate, cafeína, tabagismo; evitar refeições até 2 a 3 horas antes de deitar; elevar a cabeceira da cama ou usar travesseiros antirrefluxo) + inibidor de bomba de prótons (p. ex.: omeprazol 40 mg/dia) ou bloqueador H2 (p. ex.: ranitidina 300 mg/dia) + pró-cinético se necessário (p. ex.: bromoprida 10 mg VO antes das refeições)

Síndrome pós-infecciosa

Anti-histamínico de 1ª geração (preferencial) ou nova geração associado a pseudoefedrina VO OU ipratrópio nasal OU corticoide nasal OU anti-histamínico nasal. Manter por ao menos 3 semanas. Se comprovada hiper-reatividade brônquica, tratar como asma

IECA

Suspensão da droga

Bronquite eosinofílica

Corticoide inalatório por 14 dias

Bronquite crônica

Brometo de ipratrópio inalatório OU tiotrópio inalatório OU beta-2 de longa duração inalatório + cessar tabagismo

Refluxo laríngio

Bloqueador H2 OU inibidor da bomba de prótons + procinético

Neoplasia pulmonar

Cirurgia e/ou quimioterapia e/ou radioterapia

 

É importante lembrar que, uma vez instituído um tratamento específico, se o paciente apresentar melhora parcial, este tratamento deve ser mantido e associado a algum outro, visto que as principais causas de tosse crônica podem ocorrer concomitantemente.

O tratamento sintomático deve ser empregado com cautela, sendo aconselhável o descarte de patologias infecciosas, principalmente de parênquima pulmonar, como causa da tosse. A sedação da tosse nestes casos impediria um dos mecanismos de defesa do organismo contra o germe infectante.

Inicialmente, devemos utilizar xaropes e medicamentos antitussígenos que não sejam à base de opioides, como a dropropizina, cloperastina e dextrometorfam. Não havendo melhora da tosse, podemos abrir mão do uso de opioides, principalmente a codeína, que é bastante efetiva nestes casos.

Como boa parte das tosses crônicas cursam com inflamação das vias aéreas, mesmo nos casos em que se descarta asma, o uso de corticoides inalatórios pode ser tentado, assim como o brometo de ipratrópio inalatório.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

  As tosses podem ser classificadas, pelo tempo de duração, em: agudas (até 3 semanas), subagudas (3 a 8 semanas) e crônicas (> 8 semanas).

  As tosses agudas são geralmente causadas por infecções das vias aéreas superiores, principalmente virais.

  Os portadores de tosse crônica geralmente procuram o médico por: medo de doenças graves, alteração do estilo de vida decorrente da tosse ou por complicações relacionadas à tosse, como incontinência urinária.

  As principais causas de tosse subaguda e/ou crônica são: asma, DRGE, síndrome pós-nasal, síndrome pós-infecciosa e bronquite eosinofílica.

  O tratamento sintomático com sedativos da tosse deve ser usado com cautela, principalmente nos casos de infecção.

  Como a causa da tosse pode ser multifatorial, o tratamento específico inicialmente instituído deve ser mantido em caso de melhora parcial e associado a outro.

 

ALGORITMO

Algoritmo 1: Avaliação de tosse crônica.

tosse > 3 semanas

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Adaptado, com autorização do livro – Clínica Médica: dos Sinais e Sintomas ao Diagnóstico e Tratamento – Editora Manole 2007

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Comentários

Por: Raphael Moura Pereira de Brito em 05/10/2012 às 15:01:29

"Tive um caso ontem de tosse crônica e esse texto direcionou bem minha anamnese, bem didático mesmo."

Por: Marco Tulio Silva Veloso em 29/04/2012 às 08:58:30

"Parabéns pelo texto. Simples, didático e elucidativo."

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