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Acalasia do Esôfago

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 20/10/2022

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A acalasia ocorre devido à progressiva degeneração de células ganglionares do plexo mioentérico esofágico, o que causa relaxamento incompleto do esfincter esofágico inferior (EEI) na ausência de obstrução mecânica, levando a perda da peristalse esofágica. A acalasia esofágica é o tipo comum de distúrbio da motilidade esofágica. Tem incidência de 1 a 1,6 caso a cada 100.000 pessoas, com prevalência de 10 casos em 100.000 pessoas. Não existe diferença na prevalência de gênero entre as idades de 30 a 60 anos, e a maioria dos diagnósticos ocorre entre as idades de 25 e 60 anos.

A causa primária da acalasia permanece indeterminada, mas, como já comentado, ela cursa com a degeneração de células ganglionares inibitórias na região do plexo mioentérico do EEI e do corpo esofágico. A acalasia pode ser associada a doenças secundárias, como a doença de Chagas, que cursa com o megacólon esofágico, e a outras doenças, como amiloidose, sarcoidose, esofagite eosinofílica, neurofibromatose e neoplasia endócrina múltipla tipo 2 b. Fatores associados incluem doenças virais, síndrome de Down, diabetes melito tipo 1, hipotireoidismo e doenças autoimunes, como síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso sistêmico (LES) e uveítes. Os casos familiares da doença são raros.

O diagnóstico de acalasia deve ser suspeitado em pacientes com disfagia para sólidos e líquidos que não se resolve apesar do uso de inibidores da bomba de prótons. Se não for tratada, a acalasia é uma doença progressiva que pode evoluir com megaesôfago e está associada a risco aumentado de carcinoma esofágico.

A acalasia grave é definida como diâmetro esofágico maior que 6 cm. Em seu estágio final, os pacientes podem evoluir com megaesôfago com mais de 10 cm de diâmetro. Aproximadamente 5 a 15% das pessoas com acalasia progridem para o estágio final, geralmente são resistentes aos tratamentos endoscópicos e aos tratamentos cirúrgicos iniciais e, por fim, necessitam de esofagectomia.

 

Diagnóstico

 

A acalasia é uma doença de início insidioso com progressão gradual, e os pacientes podem ficar anos sem diagnóstico. A disfagia para sólidos é relatada em mais de 90% dos pacientes, e cerca de 85% apresentam disfagia para líquidos, com regurgitação de alimentos não digeridos e saliva em 75 a 90% dos pacientes, o que ocorre mais frequentemente enquanto se está deitado à noite. Os pacientes podem ter sintomas de refluxo gastresofágico, como dor torácica, epigastralgia, perda de peso, tosse, rouquidão e dor de garganta. Todos esses achados podem resultar em diagnóstico incorreto de doença do refluxo gastresofágico (DRGE) e atrasar o diagnóstico e o tratamento adequados. Os pacientes podem ainda apresentar aspiração pulmonar em 5 a 10% dos casos, e a dor torácica, que pode ocorrer em aproximadamente 50% deles, tende a ocorrer em pacientes mais jovens. Pode haver também perda de peso sem outra explicação, que geralmente não é significativa.

Outros diagnósticos diferenciais incluem anéis esofágicos, estenose esofágica ou estenose por úlcera péptica, esofagite, outros distúrbios da motilidade esofágica, fundoplicatura anterior ou cirurgia bariátrica, neoplasias malignas que causam obstrução intrínseca ou compressão extrínseca.

 

Exames Diagnósticos e Testes de Função Esofágica

 

O diagnóstico de acalasia esofágica é estabelecido com uma combinação de testes de função esofágica. Inicialmente, esofagograma com bário, endoscopia digestiva alta (EDA), ou ambos, são necessários para excluir obstrução mecânica extrínseca ou intrínseca devido a malignidade e outros diagnósticos diferenciais. Os achados do esofagograma incluem afilamentos na junção esofagogástrica, divertículos epifrênicos, aperistaltismo, dilatação esofágica, produtos alimentares no esôfago, esvaziamento retardado e diminuição ou ausência de bolhas de ar gástricas.

A EDA permite a visualização direta do esôfago, excluindo obstrução mecânica, permite pesquisar a presença de outras anormalidades estruturais, como divertículos, e permite a obtenção de tecido para histologia. Cerca de metade dos pacientes com acalasia apresenta EDA normal. A endoscopia pode ter achados como dilatação e alimentos residuais e pode ter eritema e ulcerações, mas esses achados isoladamente não são suficientes para o diagnóstico de acalasia.

Se a história clínica do paciente ou os achados na EDA levantam suspeita de malignidade, pode-se considerar a realização de ultrassonografia endoscópica. Uma vez que a obstrução mecânica é excluída, os pacientes devem realizar manometria esofágica, de preferência de alta resolução, porque ela pode avaliar simultaneamente os esfincteres esofágico superior e inferior e todo o comprimento do esôfago, em comparação com os intervalos de 5 cm da manometria tradicional. A manometria pode ser acompanhada de pHmetria por 24 horas, que é utilizada para confirmar a suspeita diagnóstica. Durante a manometria, um sensor de pressão colocado através do nariz abaixo do esôfago e no estômago é usado para medir a pressão em todo o esôfago e no EEI, estudando, assim, a força de contração esofágica e a coordenação. Um diagnóstico de acalasia é confirmado pela combinação de relaxamento do EEI e aperistalse na ausência de obstrução. Com a manometria convencional, a falha de relaxamento do EEI é definida como queda média na pressão de repouso para um nadir maior que 8 mmHg acima da pressão gástrica. Aperistaltismo é definido por ausência de contrações ou presença de contrações simultâneas com amplitudes menores que 40 mmHg nos dois terços distais do esôfago. O aperistaltismo é definido pela falta de contrações em todo o esôfago. Achados adicionais que apoiam o diagnóstico de acalasia, mas não são necessários para esse diagnóstico, incluem pressão no EEI > 45 mmHg, aumento da pressão basal do corpo esofágico, contrações não coordenadas simultâneas e relaxamento incompleto do EEI com duração inferior a 6 segundos.

O ultrassom endoscópico é usado para excluir pseudoacalasia, devido a uma massa extraluminal ou infiltrativa em pacientes com forte suspeita de doenças malignas. Fatores clínicos que levantam suspeita de malignidade incluem aumento da idade, perda de peso inexplicável e início abrupto dos sintomas. Os achados endoscópicos que sugerem a malignidade incluem compressão extrínseca e obstrução de saída com aumento da resistência na junção gastresofágica.

 

Classificação

 

Existem três tipos principais de acalasia com base na manometria de alta resolução, de acordo com a Classificação de Chicago. Os três tipos têm em comum a alteração do relaxamento do EEI, quantificada por pressão de relaxamento integrada superior a 15 mmHg, e aperistaltismo e são classificados como:

- tipo 1 ou clássico: não ocorrem alterações significativas com a deglutição e pressão distal integrada < 100 mmHg;

- tipo 2: deglutição causa pressurização de todo o esôfago;

- tipo 3: deglutição resulta em contrações prematuras com obliteração do esôfago.

 

Tratamento

 

A acalasia é uma doença crônica, incurável e progressiva. Como tal, o tratamento visa a reduzir a hipertonicidade do EEI e melhorar os sintomas, acelerando o esvaziamento esofágico e evitando dilatação posterior. O tratamento para acalasia esofágica pode ser categorizado em procedimentos farmacológicos, cirúrgicos e endoscópicos, que se destinam a reduzir o tônus do EEI. A maioria dos pacientes apresenta melhora na deglutição e em outros sintomas após o tratamento, mas o peristaltismo permanece anormal, e a função esofágica nunca se recupera totalmente. Tratamentos cirúrgicos e endoscópicos iniciais para acalasia incluem dilatação pneumática, miotomia laparoscópica e miotomia endoscópica. Esses métodos têm-se mostrado igualmente eficazes, e a escolha do tratamento geralmente é baseado no tipo de acalasia, na preferência do paciente e na preferência do médico.

Para pacientes que não desejam se submeter à cirurgia, a dilatação pneumática (DP) é um método eficaz. O risco de perfuração é menor do que com miotomia, e 50 a 90% dos pacientes apresentam melhora dos sintomas. Cerca de um terço dos pacientes apresenta sintomas recorrentes que exigem repetição do procedimento em cinco anos. Fatores que aumentam a probabilidade de melhores desfechos incluem idade superior a 45 anos, sexo feminino, pressão do EEI menor que 10 mmHg após dilatação e acalasia do tipo II. Os pacientes devem ser instruídos a procurar atendimento médico imediato se apresentarem dor torácica alguns dias após realizarem dilatação pneumática. Complicações adicionais incluem esofagite, hematoma e DRGE.

A miotomia endoscópica surgiu nos últimos anos como um método endoscópico eficaz para tratar a acalasia e outras formas de distúrbio da motilidade esofágica. O procedimento é seguro e bem tolerado e está associado a menores taxas de complicações e a períodos de internação mais curtos. Antes de realizarem a miotomia, os pacientes devem receber prescrição de nistatina solução para bochecho oral por pelo menos cinco dias devido à alta incidência de esofagite por Candida. Os pacientes devem receber dieta líquida clara por três dias antes do procedimento. Cerca de seis meses após o procedimento, devem ser submetidos a avaliação com teste de pH esofágico para avaliar refluxo. As complicações associadas ao procedimento incluem perfuração da mucosa, pneumotórax, pneumomediastino, pneumoperitônio, enfisema subcutâneo e derrames pleurais.

A miotomia laparoscópica de Heller com fundoplicatura parcial é uma alternativa minimamente invasiva à miotomia tradicional, sendo o padrão ouro para o tratamento da acalasia durante as últimas três décadas. O objetivo da miotomia é abrir completamente o EEI e aliviar a disfagia. As duas principais complicações da cirurgia são perfuração da mucosa e DRGE. A fundoplicatura completa (Nissen) não é recomendada porque resulta em obstrução significativa para o esvaziamento esofágico. Abordagens transtorácicas para esofagomiotomia, incluindo a miotomia toracoscópica, foram amplamente abandonadas.

Apesar da melhora sintomática com a terapia, alguns pacientes podem continuar apresentando esvaziamento esofágico incompleto, o que resulta em progressão para o estágio final da doença. A acalasia era tradicionalmente uma indicação para esofagectomia parcial, mas dados recentes sugerem que miotomias cirúrgicas ou endoscópicas podem melhorar os sintomas na grande maioria dos pacientes. A esofagectomia parcial agora é geralmente indicada para o tratamento de estágio final da acalasia, como último recurso em pacientes que são refratários a todos os outros tratamentos.

Para pacientes considerados maus candidatos à cirurgia ou que precisam

de tratamentos temporários, as opções de tratamento aceitas incluem bloqueadores dos canais de cálcio, nitratos de ação prolongada e inibidores da

fosfodiesterase-5.

Os bloqueadores dos canais de cálcio atuam inibindo a contração do músculo EEI e a pressão de repouso. Os nitratos também são comumente usados ??e aumentam a concentração de óxido nítrico no músculo liso do EEI, aumentando os níveis de monofosfato cíclico de adenosina e resultando em relaxamento muscular. Os inibidores da fosfodiesterase-5, como o sildenafil, inibem a degradação do monofosfato cíclico de guanosina, reduzindo, assim, a contração muscular.

A terapia com toxina botulínica é geralmente indicada a pacientes que não são candidatos cirúrgicos ou apresentam sintomas refratários após miotomia ou dilatação pneumática. Não é indicada para acalasia do tipo III e está associada a diminuição de aproximadamente 50% na pressão basal do EEI. Pacientes com acalasia devem ser submetidos a monitoramento contínuo após o tratamento para avaliar a melhora dos sintomas e o esvaziamento esofágico.

Esofagogramas de bário e manometria são os métodos mais comuns de monitorização desses pacientes após o tratamento cirúrgico. A vigilância endoscópica não é recomendada rotineiramente, embora alguns especialistas recomendem monitoramento com EDA a cada três anos, começando dez anos após o diagnóstico de acalasia.

 

Bibliografia

 

1-Etchill EW, Yang SC. Achalasia of the esophagus. Current Surgical Therapy 13 th 2019.

2- Spechler SJ. American gastroenterological association medical position statement on treatment of patients with dysphagia caused by benign disorders of the distal esophagus. Gastroenterology 1999; 117:229.

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4-Kahrilas PJ, Bredenoord AJ, Carlson DA, Pandolfino JE. Advances in Management of Esophageal Motility Disorders. Clin Gastroenterol Hepatol 2018; 16:1692.

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