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Cardiomiopatia Chagásica

Autores:

Cristiano Alexandre Ferreira

Doutorando da Unidade de Cardiopatia Geral do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Ricardo Abrão Wyse

Médico ecocardiografista do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul - IC-FUC

Vera Maria Cury Salemi

Médica Assistente da Unidade de Cardiopatia Geral do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 13/10/2008

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

      A doença de Chagas ou tripanossomíase americana é uma doença infecciosa descrita em 1907 pelo médico brasileiro Carlos Chagas. É uma doença endêmica em várias regiões da América Latina, desde a Argentina até o México, sendo vista também em áreas do sul dos Estados Unidos. Estima-se que haja em torno de 20 milhões de pessoas infectados pelo parasita causador, com incidência anual de 300 mil casos de infecção, e 50 mil mortes anuais em decorrência dessa doença.

      A miocardite chagásica é a forma mais comum de cardiomiopatia em países latino-americanos. Estimam-se em 750 mil anos de vida produtiva as perdas que a enfermidade gera anualmente, consistindo em grave problema de saúde pública para as áreas endêmicas.

 

ETIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA E PATOGÊNESE

      A doença é causada pelo Trypanossoma cruzi (em homenagem ao sanitarista brasileiro Osvaldo Cruz), um protozoário parasita humano, de animais selvagens e domésticos, encontrado apenas nas Américas.

      O T. cruzi tem como vetores de transmissão muitas espécies da subfamília Triatominae (barbeiros), que são insetos reduviídeos hematófagos, de hábitos noturnos, que se infectam ao picar e ingerir sangue de animais ou do homem, contaminados com tripanossomas. Os vetores são encontrados em ambientes domésticos e peridomésticos, fazendo seus ninhos em frestas de parede, comuns nas taperas feitas de pau-a-pique, típicas em locais endêmicos. Os insetos ingerem o parasita em sua primeira forma evolutiva, nomeada tripomastigoto. No lúmen intestinal do triatomíneo ocorre a transformação na segunda forma evolutiva: o epimastigoto, a qual vai multiplicar-se, gerando a terceira forma evolutiva: os amastigotos. Formam-se então novos tripomastigotos infectantes, os quais serão excretados nas fezes do “barbeiro”, durante a picada, havendo penetração na corrente sangüínea do hospedeiro, por meio da solução de continuidade cutânea gerada pela picada ou por meio de uma membrana mucosa. Ao penetrar nas células (preferivelmente miocárdicas, musculares lisas e células gliais do sistema nervoso central – SNC), sob a forma de amastigotos, o protozoário multiplica-se, promovendo lesão celular e estimulando a reação imuno-inflamatória.

      A transmissão pode ocorrer também por meio de transfusão de hemocomponentes, transplante de órgãos, intra-útero e por meio de acidentes com material de laboratório, além de casos de ingestão de alimentos contaminados (por exemplo, cana-de-açúcar e açaí).

 durante a picada, havendo penetraç, os quais serrma evolutiva: os da trias de pau-a-pique. perifado ou a papa de leucoctiplica      Quanto ao acometimento cardíaco, sua patogênese completa ainda não foi totalmente elucidada, mas postula-se que durante a fase indeterminada ocorra uma miocardite silenciosa, com lenta, progressiva e cumulativa destruição de fibras cardíacas e substituição por tecido fibroso. Raramente há morte súbita por arritmia ventricular nessa fase. São quatro os mecanismos propostos para a evolução do dano cardíaco:

 

1) Mecanismos neurogênicos: há piora do controle autonômico e da função de quimiorreceptores centrais e periféricos, e disfunção parassimpática. Esses distúrbios neurogênicos são grandes contribuintes para as complicações da fase crônica por desencadear arritmias malignas e morte súbita, distúrbios no controle da microcirculação coronariana e dissinergia ventricular.

 

2) Inflamação parasita-dependente: evidenciada pela constatação de que quanto maior a carga de parasitas, maior é a lesão inflamatória; com a redução da carga parasitária com o tratamento, obtemos redução do processo inflamatório; nos pacientes soropositivos autopsiados e que não apresentavam lesão cardíaca, não foi observada a presença de material genético do T. cruzi; 86% dos pacientes com presença de DNA de T. cruzi circulante apresentavam cardiomiopatia crônica.

 

3) Distúrbios microvasculares: sugere-se que sua associação ao processo inflamatório seja sinérgica para a perpetuação do dano às células miocárdicas. Postula-se que haja participação desses distúrbios na gênese dos sintomas isquêmicos, alterações eletrocardiográficas e defeitos de perfusão observados em pacientes angiograficamente normais.

 

4) Dano cardíaco imunomediado: um auto-antígeno chamado Cha é responsável pelo desenvolvimento de anticorpos anti-Cha que, em estudos em modelos animais, foi responsável por dano cardíaco. Além disso, citocinas, quimiocinas e óxido nítrico liberados por cardiomiócitos atingidos são responsáveis por atração de leucócitos para o sítio inflamatório, e sua ação pode colaborar para a lesão aos miócitos cardíacos. Os mecanismos exatos da resposta auto-imune são ainda incertos.

 

ACHADOS CLÍNICOS

            O quadro clínico da doença de Chagas apresenta três fases:

 

1) Fase aguda: o diagnóstico é realizado em apenas em 10% dos casos, pois há alta inespecificidade nos achados clínicos, e a evolução é benigna na maior parte (95%) das vezes após alguns meses, mesmo sem tratamento. A fase aguda é observada principalmente em crianças, tem um período de incubação de 7 a 10 dias, dura de dois a quatro meses e resulta em óbito em até 10% dos casos. O achado inicial é no local de inoculação, tanto no olho, com o sinal de Romaña (edema palpebral unilateral, conjuntivite e linfadenopatia local), quanto na pele, com chagoma de inoculação (lesão semelhante ao furúnculo com linfadenopatia local). A sintomatologia assemelha-se a um quadro gripal (febre, mialgias, prostração), acompanhando-se de hepatomegalia, esplenomegalia discreta e linfadenopatia generalizada. Em 90% dos casos há envolvimento cardíaco, com miocardite aguda, com envolvimento estendendo-se do endocárdio (com formação de trombos) ao epicárdio (com derrame pericárdico), que pode levar ao óbito por insuficiência ventricular, sendo rara a ocorrência de arritmias nessa fase. A freqüência e a severidade da miocardite são inversamente proporcionais à idade de ocorrência. As quatro câmaras costumam ser envolvidas, além do sistema de condução intracardíaco. Observa-se que a maior parte das lesões celulares é decorrente de lise imunológica por anticorpos liberados por células infectadas. A meningoencefalite da fase aguda é limitada às crianças pequenas, e geralmente é fatal.

 

2) Fase latente (ou fase indeterminada): pode se estender por período de 10-30 anos, durante o qual o paciente permanece assintomático, mas os testes sorológicos e às vezes o exame parasitológico confirmam a presença de infecção. A taxa de cronificação é de 2% ao ano, mas estima-se que mais de 50% dos infectados permanecem em fase latente, assintomáticos por toda a vida. Há relatos de desenvolvimento de cardiomiopatia chagásica em 38,3% de soropositivos no decorrer de 10 anos.

 

3) Fase crônica: manifesta-se geralmente pela ocorrência de acometimento cardíaco e/ou acometimento digestivo. O predomínio de cada um deles dependerá da cepa do parasita e da suscetibilidade do hospedeiro.

 

      A doença cardíaca chagásica crônica é o principal responsável pela morbimortalidade da doença de Chagas. É manifestada basicamente por três eventos:

 

1) Insuficiência cardíaca (IC) por cardiomiopatia dilatada: há acometimento biventricular, mas o ventrículo direito freqüentemente está mais comprometido do que o ventrículo esquerdo, fazendo predominar o quadro de congestão sistêmica (edema de membros inferiores, ascite, hepatomegalia, turgência jugular). A lesão anatômica cardíaca mais característica é o aneurisma ventricular apical, presente em 52% de um total de 1.078 pacientes chagásicos autopsiados em uma série publicada. Não há lesão valvar, muito embora a regurgitação tricúspide por dilatação ventricular e do anel valvar seja comum. Pode haver dor torácica atípica como sintomatologia decorrente de anormalidades da microvasculatura ou das anormalidades de vasomoção coronariana.

 

2) Arritmias cardíacas e distúrbios de condução: o achado eletrocardiográfico mais comum é a associação de bloqueio de ramo direito com bloqueio divisional ântero-superior esquerdo. Os bloqueios ao nível do nó atrioventricular (AV) devem ser observados para correta indicação de implante de marcapasso definitivo. Todas as formas de arritmias ventriculares podem ocorrer e, nos pacientes de maior risco – histórico de arritmia ventricular complexa, taquicardia ventricular inexplicada, síncope inexplicada, morte súbita abortada e FE menor que 35% – deve ser feito estudo eletrofisiológico (EEF) com vistas à eleição de candidatos ao implante de cardiodesfibrilador implantável (CDI), embora seja claro que se tratam de tecnologias pouco disponíveis em nosso país. A disfunção autonômica também gera marcadas alterações de freqüência cardíaca a diferentes testes e manobras. Morte súbita arrítmica acontece em 55%-65% dos pacientes portadores de cardiomiopatia chagásica, mesmo sendo assintomáticos. Geralmente, a morte súbita é precipitada por exercício e ocorre por arritmia ventricular ou bloqueio atrioventricular.

 

3) Eventos tromboembólicos: pulmonares ou sistêmicos, pela propensão à formação de trombos murais. Há relatos de achados de tais eventos em 44% (14% em território pulmonar) de pacientes chagásicos autopsiados em uma série. Em um estudo definiu-se como preditores independentes de ocorrência de acidente vascular cerebral (AVC) em cardiomiopatia chagásica a presença de aneurisma apical, IC, arritmia cardíaca e o sexo feminino.

 

      Outros achados que ocorrem muito raramente são envolvimento brônquico ou do trato urinário. Devemos lembrar também que pode haver reativação de Chagas em imunodeprimidos (por exemplo, síndrome da imunodeficiência adquirida).

 

EXAMES COMPLEMENTARES

 

Principais Exames na Fase Aguda

      Na fase aguda, os achados de exames podem ser inespecíficos. O hemograma mostra leucocitose à custa de linfocitose; o eletrocardiograma (ECG) pode mostrar distúrbios da condução A-V e alterações difusas de ST-T; e a radiografia de tórax pode evidenciar aumento de grau variável da área cardíaca, seja por sobrecarga ventricular, seja por derrame pericárdico. Nessa fase, por algumas semanas os testes sorológicos podem ser negativos, de tal forma que a detecção de parasitas circulantes é de grande valia para confirmação diagnóstica, visto que sua positividade ocorre em torno de 50% dos casos. Mais comumente é realizada por xenodiagnóstico, que consiste na exposição, por parte do paciente suspeito, à picada de um triatomíneo criado em laboratório, com posterior pesquisa do parasita no intestino do inseto. Além do xenodiagnóstico, os tripanossomas podem ser pesquisados por meio do exame de sangue fresco anticoagulado ou a papa de leucócitos para formas móveis, e por meio de exame de uma das seguintes preparações de esfregaço coradas pelo Giemsa: gota espessa e fina, papa de leucócitos e exame do sedimento após centrifugação (600 Hz) do sobrenadante de sangue coagulado. Por último, a pesquisa pode ser feita por inoculação de sangue do paciente em um animal de laboratório suscetível (por exemplo, rato) e observação do desenvolvimento da doença.

 

Outros Exames

 

         Sorologias: testes de IgG (imunoglobulina G) altamente sensíveis (inibição da hemoaglutinação, ELISA, imunofluorescência) são utilizados rotineiramente e têm valor presuntivo quando positivos. No entanto, em caso de positividade, é necessário realizar dois ou três desses testes, já que resultados falso-positivos são comuns, principalmente com algumas infecções ou doenças auto-imunes.

 

         PCR: pode ser feito o diagnóstico por cultura de sangue e identificação de seqüências de DNA específicas do T. cruzi por meio de PCR (teste de reação em cadeia da polimerase). Na fase crônica, tem papel complementar em associação aos testes sorológicos.

 

         Eletrocardiografia de repouso (ECG): a alteração mais comum é a associação de bloqueio completo de ramo direito com bloqueio divisional ântero-superior esquerdo e alterações difusas de repolarização ventricular. Podem ocorrer várias formas de arritmia ventricular e diferentes graus de bloqueio atrioventricular. Mesmo com ECG normal ocorre morte cardiovascular nos pacientes chagásicos.

 

         Radiografia de tórax: as alterações radiológicas mais comuns são os variados graus de cardiomegalia, mas pode ser observada congestão vascular pulmonar, geralmente leve.

 

         Eletrocardiografia dinâmica (Holter): praticamente, todos os tipos de arritmia ventricular podem ser observados, além de arritmias atriais e dos distúrbios do sistema de condução.

 

         Eco-Doppler-cardiografia: anormalidades de estrutura e função cardíacas podem ser identificadas em pacientes sintomáticos e assintomáticos. Na fase crônica, pode ser encontrada variação de função sistólica desde o normal até a severa redução, seja do ventrículo esquerdo ou do direito. Disfunção diastólica também é comum e, geralmente, precoce em relação à sistólica. O aneurisma apical de ventrículo esquerdo é encontrado em até 9% dos pacientes assintomáticos e em 64% dos que têm doença avançada. A presença de aneurisma e a disfunção sistólica moderada ou severa conferem pior prognóstico aos doentes. A ecocadiografia com dobutamina pode revelar uma reserva contrátil reduzida no paciente chagásico.

 

         Ergometria: tem valor limitado na doença cardíaca chagásica, tendo em vista as alterações basais que o ECG já pode mostrar.

 

         Angiografia com radionuclídeos: útil na quantificação da função biventricular.

 

         Cintilografia miocárdica: pode apresentar defeitos de perfusão reversíveis ou irreversíveis. Normalmente são de localização póstero-inferior e apical. Defeitos fixos de perfusão relacionam-se a áreas de fibrose miocárdica e confirmam-se por alteração de motilidade da parede afetada.

 

         Angiografia: útil para confirmar ou excluir presença de doença arterial coronária em pacientes sintomáticos com outros exames não elucidativos completamente.

 

         Ressonância nuclear magnética (RNM) cardíaca: permite avaliar o volume das câmaras cardíacas, a função sistólica biventricular e, com o método de realce tardio, detectar regiões de necrose ou fibrose.

 

         estudo eletrofisiológico (EEF): indicado para estudo de função sinusal, condução atrioventricular e em casos de arritmia ventricular, seja para determinação de prognóstico, seja para a indicação de terapia antiarrítmica. Não mostra tanta eficácia em casos de função ventricular preservada.

 

TRATAMENTO   

      Indica-se, sempre que diagnosticada, tratar a fase aguda com a terapia anti-Chagas. Há duas opções de drogas: nifurtimox e benzonidazol. Utilizam-se por longos períodos e há risco de toxicidade. Na fase aguda, a taxa de cura é de aproximadamente 70%, podendo reduzir a duração e a gravidade da doença.

      O benzonidazol é utilizado na dose de 5 a 10 mg/kg/dia por 60 dias. Seus efeitos colaterais são granulocitopenia, erupções cutâneas e neuropatia periférica. Crianças a toleram melhor, podendo-se utilizar doses maiores.

      O nifurtimox deve ser administrado em doses diárias de 8 a 10 mg/kg divididas em quatro doses após as refeições por um período de 90 a 120 dias. São efeitos adversos comuns queixas gastrointestinais, perda de peso, tremores e neuropatia periférica. Raramente observam-se alucinações, convulsões e infiltrados pulmonares.

      Na fase crônica, a terapia anti-Chagas é controversa. Embora a parasitemia e o xenodiagnóstico possam se tornar negativos em até 70% dos pacientes, o tratamento não altera a reação sorológica, a função cardíaca ou a progressão da doença.

      A amiodarona parece ser a droga antiarrítmica mais promissora, embora sem evidência de impacto sobre a sobrevida. Excisão cirúrgica de tecido fibrótico ou ablação por cateter pode ser eficaz, bem como aneurismectomia para pacientes com taquicardia ventricular (TV) refratária, principalmente se a função ventricular global estiver preservada. Pacientes com alto risco de morte súbita também se beneficiam do implante de CDI.

      A terapêutica para IC estudada até então envolve os mesmos moldes do tratamento para outras formas de IC, com uso de betabloqueadores (carvedilol), IECA e espironolactona. Seu impacto sobre morbidade foi bem definido, o que não ocorreu quanto à mortalidade ainda. 

      Fatores socioeconômicos devem guiar quanto ao uso da anticoagulação, quando há indicação para esta na prevenção de tromboembolismo.

 

PROGNÓSTICO

      Geralmente, em bebês e crianças pequenas, a fase aguda é fatal, principalmente se houver acometimento do SNC.

      Os adultos com doença cardíaca crônica geralmente falecem por IC e suas conseqüências finais. O prognóstico tem fatores independentes ligados à maior mortalidade, que são:

         freqüência cardíaca elevada;

         presença de onda Q patológica ao ECG;

         presença de bloqueio divisional ântero-superior esquerdo isolado ao ECG;

         alongamento do intervalo QT;

         presença de extra-sistolia ventricular;

         grande aumento da dimensão sistólica final ao ecocardiograma.

      Recentemente foi validado um escore de risco para pacientes externos aos quais são atribuídos pontos conforme seis variáveis pesquisadas:

         IC classe iii/iv (5 pontos);

         cardiomegalia à radiografia de tórax (5 pontos);

         disfunção sistólica de ventrículo esquerdo (3 pontos);

         TV não-sustentada ao Holter (3 pontos);

         ECG com complexos de baixa voltagem (2 pontos);

         sexo masculino (2 pontos).

      Entre 12 e 20 pontos, a mortalidade oscilou entre 84% e 85%, entre 7 e 11 pontos foi de 37% a 44%, e entre 0 e 6 pontos foi de 9% a 10%.

 

PREVENÇÃO

      Não há vacina disponível contra o parasita e a doença, porém medidas de controle do vetor têm demonstrado eficácia na diminuição da incidência de novos casos. Mesmo assim, ainda são necessários muitos avanços para que se obtenha diminuição do impacto da doença sobre a saúde pública das áreas mais afetadas.

 

TÓPICOS IMPORTANTES E RECOMENDAÇÕES

         A miocardite chagásica é a forma mais comum de cardiomiopatia em países latino-americanos, consistindo em grave problema de saúde pública para as áreas endêmicas.

         É causada pelo T. cruzi e transmitida pelo inseto “barbeiro”, que se infecta por meio do sangue de animais ou do homem contaminados com tripanossomas. A contaminação para o homem se dá pelas fezes do “barbeiro” infectado, no momento da picada.

         Os vetores são encontrados em ambientes domésticos e peridomésticos, fazendo seus ninhos em frestas de parede, comuns nas taperas feitas de pau-a-pique, típicas em locais endêmicos.

         A patogênese do acometimento cardíaco ainda não foi totalmente elucidada, envolvendo mecanismos neurogênicos, inflamação parasita-dependente, distúrbios microvasculares e dano cardíaco imunomediado. Esses mecanismos levam a uma miocardite silenciosa, com lenta, progressiva e cumulativa destruição de fibras cardíacas e substituição por tecido fibroso.

         O quadro clínico da doença de Chagas apresenta três fases.

         Na fase aguda, o achado inicial é no local de inoculação, tanto no olho quanto na pele. A sintomatologia assemelha-se a um quadro gripal (febre, mialgias, prostração), acompanhando-se de hepatomegalia, esplenomegalia discreta e linfadenopatia generalizada, além de miocardite aguda em 90% dos casos.

         Na fase latente (ou fase indeterminada), o indivíduo permanece assintomático, fase que pode durar de 10-30 anos.

         Na fase crônica há acometimento cardíaco e/ou digestivo. O predomínio de cada um deles dependerá da cepa do parasita e da suscetibilidade do hospedeiro.

         Na fase aguda, os achados de exames podem ser inespecíficos, e a sorologia é freqüentemente negativa. Nessa fase, a detecção de parasitas circulantes é de grande valia para confirmação diagnóstica, visto que sua positividade ocorre em torno de 50% dos casos.

         Na fase latente ou crônica, o principal exame diagnóstico é a sorologia. Outros exames de grande valia são principalmente ECG, Holter, ecocardiograma e EEF.

         A fase aguda deve ser tratada sempre que diagnosticada, sendo opções o nifurtimox e o benzonidazol.

         A terapêutica para IC causada pela doença de Chagas envolve os mesmos moldes do tratamento para outras formas de IC, com uso de betabloqueadores (carvedilol), IECA e espironolactona.

         A melhor forma de prevenção da doença é pelo controle do vetor.

 

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