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Dislipidemias tratamento medicamentoso

Autor:

Antonio G. Laurinavicius

Médico pesquisador da Unidade Clínica de Lípides do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP).

Última revisão: 01/12/2008

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INTRODUÇÃO

O tratamento medicamentoso da dislipidemia não exclui as medidas sobre o estilo de vida: atividade física, dieta, cessação do tabagismo etc. A escolha do medicamento não deve considerar unicamente o efeito hipolipemiante, mas o efeito sobre a morbimortalidade cardiovascular, que constitui o motivo pelo qual o fármaco é prescrito. No caso das dislipidemias secundárias, deve-se tratar inicialmente a causa da dislipidemia. O efeito hipolipemiante das principais classes de fármacos é apresentado na Tabela 1.

 

Tabela 1: Efeito hipolipemiante das principais classes de medicamentos

Medicamento

LDL-c

TG

HDL-c

Estatinas

- 20 a 60%

- 10 a 25%

+ 5 a 15%

Fibratos

- 5 a 20%

- 20 a 55%

+ 10 a 25%

Ácido nicotínico

- 5 a 25%

- 20 a 50%

+15 a 35%

Ezetimiba

- 20%

- 10%

-

Resinas

- 15 a 30%

+ 0 a 20%

+ 3 a 5%

Ômega-3

-

- 30 a 40%

-

 

ALGORITMOS DE TRATAMENTO


Tratamento da Hipercolesterolemia Isolada

As estatinas são os fármacos de primeira escolha para atingir os alvos de LDL-c estabelecidos conforme a estratificação de risco do paciente. Estas são seguras, bem toleradas e altamente eficazes na redução do LDL-c e do risco cardiovascular. Ezetimiba, resinas de troca iônica e Ácido nicotínico, embora efetivos na redução do LDL-c, são medicações de segunda linha. Da mesma forma, deve-se preferir aumentar progressivamente a dose da estatina até atingir a dose máxima e/ou trocar uma estatina por outra mais potente antes de associar uma medicação de segunda linha. Estas últimas devem ser reservadas para casos de intolerância às estatinas ou em associação a elas para casos de hipercolesterolemia grave e refratária. A Tabela 2 resume as principais características das classes de hipolipemiantes usados no tratamento da hipercolesterolemia. A colestiramina, por não ser absorvível, constitui a primeira eleição para menores de 10 anos, para gestantes e para mulheres em idade reprodutiva sem contracepção adequada. Fora deste âmbito, embora existam evidências de redução do risco cardiovascular, o uso da colestiramina é limitado pela alta incidência de sintomas gastrintestinais. A Ezetimiba produz uma redução significativa do LDL-c, apresenta facilidade posológica e ótima tolerabilidade. Entretanto, até o momento, não existem evidências de redução do risco cardiovascular com seu uso. O Ácido nicotínico apresenta efeito moderado na redução do LDL-c e existem evidências de redução do risco cardiovascular com seu uso. Contudo, apresenta baixa tolerabilidade.

 

Tabela 2: Comparação entre as classes de hipolipemiantes prescritos para o tratamento da hipercolesterolemia isolada

Classe

Tolerabilidade

Efeito no LDL-c

Evidências de redução do risco CV

Estatinas

++

+++

+++

Ácido nicotínico

+

+

++

Ezetimiba

+++

+

-

Resinas

+

++

++

 

Tratamento da Hipertrigliceridemia Isolada

Dieta e atividade física controlam a maioria dos casos de hipertrigliceridemia. Quando TG > 500 mg/dL, deve-se iniciar o tratamento com Fibratos para reduzir o risco de pancreatite. Para casos refratários, pode-se ainda associar ômega 3 e/ou Ácido nicotínico. Na presença de hipertrigliceridemia leve a moderada (TG < 500 mg/dL), o tratamento com Fibratos é motivo de controvérsia, dada a escassez de evidências de redução do risco cardiovascular, e deve ser reservado para pacientes de alto risco cardiovascular. Nestes casos, recomenda-se calcular o colesterol não-HDL para melhor nortear o tratamento. O colesterol não-HDL é igual ao colesterol total menos o HDL-c e representa o colesterol aterogênico total (incluindo LDL-c, VLDL-c e remanescentes de lipoproteínas ricas em triglicérides). As metas de colesterol não-HDL situam-se 30 mg/dL acima dos valores adotados para o LDL-c para cada faixa de risco. Atingir o alvo de colesterol não-HDL pode significar a associação de Ácido nicotínico ou de uma estatina ao fibrato inicialmente prescrito.

 

Tratamento da Dislipidemia Mista

A dislipidemia mista é definida como a presença de hipertrigliceridemia (TG > 150 mg/dL) associada à hipercolesterolemia (LDL-c > 160 mg/dL ou CT > 200 mg/dL quando TG > 400 mg/dL) e marca alto risco cardiovascular. O algoritmo de tratamento é resumido no Algorítmo 1. Em caso de hipertrigliceridemia leve ou moderada, o alvo terapêutico principal permanece sendo o LDL-c, e as estatinas são as medicações de primeira escolha, devendo-se preferir as de alta potência (atorvastatina, rosuvastatina) e, geralmente, em altas doses. Na presença de hipertrigliceridemia grave (TG > 500 mg/dL), as medicações de primeira escolha são os Fibratos, para reduzir o risco de pancreatite. Uma vez atingidos os alvos primários (TG < 500 mg/dL e LDL-c conforme faixa de risco do paciente), deve-se considerar o colesterol não-HDL e o HDL-c, que são alvos terapêuticos secundários. Para atingir estes alvos, pode ser necessário recorrer à associação de drogas. A associação mais frequente é estatina/fibrato, embora aumente o risco de rabdomiólise.

 

Algorítmo 1: Algoritmo de tratamento da dislipidemia mista

 

ERF = Escore de risco de Framingham; M.E.V. = modificação no estilo de vida; TG = triglicérides.

 

Tratamento do HDL-c Baixo

Não existe ainda, nas diretrizes vigentes, um algoritmo de tratamento do HDL-c. Existe unicamente a vaga recomendação de manter níveis maiores que 40 mg/dL em homens e que 50 mg/dL em mulheres. O HDL-c é atualmente um alvo terapêutico secundário e deve ser considerado somente depois de atingir as metas de LDL-c e triglicérides. O fármaco mais eficaz em aumentar o HDL-c é o Ácido nicotínico (15 a 35%), seguido pelos Fibratos (10 a 25%) e pelas estatinas (5 a 15%). Entre as estatinas, a rosuvastatina é a que proporciona o maior aumento. O tabagismo promove redução do HDL-c e a cessação deve ser proposta desde o começo. Na maioria das vezes, o HDL-c baixo é observado no contexto da síndrome metabólica, geralmente associado à hipertrigliceridemia, pois, por efeito da Cholesteryl Ester Transfer Protein (CETP), existe relação inversa entre triglicérides e HDL-c. Neste contexto, reduzir os triglicérides (e a resistência insulínica) é a estratégia mais efetiva para aumentar o HDL-c. Em outras palavras, o tratamento da hipertrigliceridemia (medidas dietéticas, atividade física, tratamento adequado do diabetes mellitus e, quando necessária, a prescrição de Fibratos) promove o aumento do HDL-c. Da mesma forma, quando associado à hipercolesterolemia, o HDL-c baixo pode ser corrigido pelas estatinas prescritas para reduzir o LDL-c. No entanto, quando o HDL-c permanece baixo mesmo após o tratamento adequado da hipercolesterolemia e da hipertrigliceridemia, pode-se considerar a associação de Ácido nicotínico em pacientes de alto risco, como no caso da prevenção secundária. Quando o HDL-c baixo é a única alteração lipídica presente, a abordagem terapêutica é mais controversa. O tratamento destes pacientes com Ácido nicotínico como droga de primeira escolha deveria ser baseado na constatação de alto risco cardiovascular (escore de Framingham > 20%; história familiar fortemente positiva para DAC precoce; prevenção secundária; detecção de importante aterosclerose subclínica). Outra estratégia proposta para estes pacientes é a prescrição de estatinas para reduzir o risco global do individuo ao baixar ulteriormente os níveis de LDL-c.

 

CLASSES TERAPÊUTICAS


Estatinas


Mecanismo de ação

Inibição da 3-hidroxi-3-metil-glutaril coenzima A redutase (HMG-CoA redutase), limitando a síntese intracelular de colesterol nos hepatócitos e levando a up-regulation na expressão de receptores de LDL na membrana celular, com conseqüente aumento na captação destas lipoproteínas pelo fígado. Os efeitos pleiotrópicos descritos na Tabela 3 contribuem para a redução do risco cardiovascular; o mecanismo de ação proposto para justificar tais efeitos é a redução na síntese de isoprenóides a partir do mevalonato, precursor tanto do colesterol como destes compostos pró-inflamatórios.

 

Tabela 3: Principais efeitos pleiotrópicos das estatinas

Efeito

Comprovação laboratorial

Efeito antiinflamatório

Redução da PCR-us, SAA, IL6, ICAM1, TNF-alfa

Efeito antitrombótico

Redução da agregação plaquetária

Melhora da função endotelial

Aumento na biodisponibilidade de NO

Redução do estresse oxidativo

Redução das LDL-ox e F2-isoprostanos

Efeito antiproliferativo

Redução da proliferação de miócitos in vitro

Estabilização da placa

Redução de metaloproteinases na placa

 

Fármacos e posologia

As estatinas são administradas por via oral, em dose única diária, preferencialmente à noite para os fármacos de curta meia-vida ou em qualquer horário para os de meia-vida maior, como a atorvastatina e a rosuvastatina. A Tabela 4 detalha as características das estatinas comercializadas no Brasil.

 

Tabela 4: estatinas na prática clínica

Medicamento

Nome comercial®

Apresentação (em mg)

Dose (em mg, 1 vez/dia)

Lipofílica?

Metabolismo

Meia-vida (em horas)

Lovastatina

Mevacor

10, 20 e 40

10 a 80

sim

CYP 450 3A4

3

Sinvastatina

Zocor

5, 10, 20, 40 e 80

10 a 80

sim

CYP 450 3A4

2

Pravastatina

Pravacol

10, 20 e 40

10 a 40

não

Glucoronização

1,8

Fluvastatina

Lescol

10, 20 e 40

10 a 80

+/-

CYP 450 2C9

1,2

atorvastatina

Lipitor

10, 20, 40 e 80

10 a 80

sim

CYP 450 3A4

14

rosuvastatina

Crestor

10 e 20

10 a 40

não

CYP 450 2C9

19

A excreção das estatinas é fundamentalmente hepática. A taxa de excreção renal das estatinas é apresentada na Tabela 5.

 

Eficácia e uso clínico

O poder hipolipemiante varia conforme a estatina e é representado na Figura 1. Ao dobrar a dose da estatina, observa-se uma redução adicional no LDL-c de somente 6%. A chamada “Regra dos 6” é apresentada na Figura 2. A redução de eventos cardiovasculares é proporcional à queda no LDL-c. Daí o aforismo “quanto mais baixo melhor” – do inglês the lower the better. Em prevenção secundária, mostrou-se uma redução de eventos coronarianos em torno de 25% e de cerebrovasculares em torno de 15%, correspondendo a uma redução de quase 20% na mortalidade cardiovascular e de 12% na mortalidade geral para cada redução de 39 mg/dL (1 mmol/L) no LDL-c. Em prevenção primária, registrou-se uma redução de eventos coronarianos em torno de 30% e de cerebrovasculares em torno de 15%, mas a redução na mortalidade cardiovascular (RRR 22,6%) não alcançou significância estatística e não se demonstrou ainda redução na mortalidade geral. As Figuras 3 e 4 reúnem os principais estudos clínicos com as estatinas. As estatinas são os fármacos de primeira escolha no tratamento da hipercolesterolemia.

 

Figura 1: Redução percentual no LDL-c com doses mínimas e máximas de cada estatina

 

Em azul: dose mínima. Em vermelho: dose máxima.

 

Figura 2: “Regra dos 6”: redução percentual adicional no LDL-c ao dobrar a dose da estatina

 

Figura 3: Principais estudos com estatinas para prevenção secundária – The lower the better

 

N Engl J Med 2005;352:1425-35.

 

Figura 4: Estudos com estatinas para prevenção primária. A: risco relativo de eventos cardiovasculares maiores em relação ao grupo controle. B: risco relativo da mortalidade cardiovascular em relação ao grupo controle

 



Arch Intern Med. 2006;166:2307-2313.

 

Segurança e tolerabilidade

As estatinas são fármacos extremamente seguros. Os principais receios são a miotoxicidade e a hepatotoxicidade; outros efeitos colaterais são mais raros e menos importantes.

 

         Miotoxicidade: mialgias (dor, cãibras, fraqueza) foram registradas em até 3% dos pacientes nos ensaios com estatinas. Na maioria dos casos, as mialgias são leves, não se observa aumento concomitante da CPK e não é necessário suspender o tratamento. Entretanto, na presença de sintomas, é sempre preciso dosar a CPK. Define miopatia a associação dos sintomas ao aumento da CPK. As diretrizes atuais orientam dosar CPK antes do início do tratamento, na primeira reavaliação (geralmente após 3 meses) e a cada aumento na dose prescrita, embora esta estratégia provavelmente seja útil unicamente nos pacientes de alto risco para miotoxicidade. A incidência de rabdomiólise (definida como CPK > 10.000 ou CPK > 10 vezes o valor de referência associada a insuficiência renal) é de aproximadamente 1,6 em 100.000. São fatores de risco para rabdomiólise: idade avançada, pequena superfície corpórea, IRC, hipotireoidismo, polifarmácia e infecções. A associação Sinvastatina 80 mg/amiodarona foi proscrita pela elevada incidência de miotoxicidade. Pelo mesmo motivo, o genfibrozil não deve ser associado a nenhuma estatina. A miotoxicidade é dose-dependente, constitui um efeito de classe e parece ser tão frequente com as estatinas hidrofílicas como com as lipofílicas. É preciso suspender o tratamento em caso de mialgias incapacitantes, de aumento de CPK acima de 10 vezes os valores de referência ou de rabdomiólise.

 

         Hepatotoxicidade: o aumento nas concentrações das transaminases é observado em aproximadamente 1% dos pacientes recebendo doses habituais de estatinas e em 2 a 3% dos pacientes recebendo altas doses. Contudo, a incidência de insuficiência hepática é de aproximadamente 1:1.000.000, similar à da população que não recebe estatina, não sendo claro se realmente existe um nexo causal. Embora o aumento nas transaminases não seja preditor de evolução para cirrose ou insuficiência hepática fulminante, as diretrizes atuais orientam, principalmente por motivos médico-legais, dosar ALT e AST antes do início do tratamento, na primeira reavaliação (geralmente após 3 meses) e a cada aumento na dose prescrita. Ao observar níveis elevados de transaminases, é necessário pesquisar outras etiologias, incluindo a esteato-hepatite, causa mais prevalente desta alteração laboratorial. Aumentos entre 1 e 3 vezes os valores de referência não indicam mudança no esquema terapêutico. Aumentos acima de 3 vezes os valores de referência em pacientes assintomáticos podem motivar redução da dose, manutenção ou suspensão da droga a critério do médico assistente. Cirrose hepática compensada, esteatose hepática e esteato-hepatite não contra-indicam as estatinas, enquanto a cirrose hepática descompensada, as hepatites agudas e as hepatites crônicas ativas são contra-indicações formais para seu uso.

 

         estatinas e rim: as estatinas não são nefrotóxicas. Existem, inclusive, evidências de que sejam nefroprotetoras. Contudo, como parte de sua excreção é renal, graus avançados de insuficiência renal requerem ajuste de dose para a maioria das estatinas, conforme mostra a Tabela 5, para evitar elevação acentuada em suas concentrações aumentando o risco de miotoxicidade.

 

         estatinas e câncer: até o momento, não existem evidências de associação. As estatinas são contra-indicadas em menores de 8 anos. Mulheres em idade fértil devem receber contracepção eficaz durante o tratamento com estatinas, pois estas são potencialmente teratogênicas.

 

Tabela 5: Ajuste posológico dos hipolipemiantes conforme função renal

Fármacos

Taxa de excreção renal

TFG 60 a 90

TGF 15 a 59

TGF < 15

Estatinas

Sinvastatina

13%

=

=

10 mg

Lovastatina

10%

=

50%

50%

Pravastatina

20%

=

=

=

Fluvastatina

6%

=

50%

50%

atorvastatina

< 2%

=

=

=

rosuvastatina

10%

=

5 a 10 mg

5 a 10 mg

Fibratos

genfibrozil

> 90%

=

=

=

Fenofibrato

> 90%

50%

25%

Evitar

Bezafibrato

> 90%

200 mg 2x

200 mg 1x

Evitar

Ciprofibrato

> 90%

=

50%

Evitar

Outros

Ácido nicotínico

35%

=

=

50%

Ezetimiba

10%

=

=

=

colestiramina

-

=

=

=

Ômega 3

< 10%

=

=

=

TFG = taxa de filtração glomerular, expressa em mL/min.

 

Ezetimiba

 

Mecanismo de ação

É uma azetedinona. Inibe a absorção intestinal de colesterol ao atuar sobre a proteína transportadora NPC1L1, presente na borda em escova dos enterócitos do intestino delgado.

 

Posologia

Comercializada isoladamente em comprimidos de 10 mg (Zetia®, Ezetrol®) ou em associação à Sinvastatina (Zetsim®, Vytorin®). Administração por via oral, em dose única diária.

 

Eficácia e uso clínico

Reduz o LDL-c em aproximadamente 20%. Os pacientes hiperabsorvedores de colesterol respondem melhor que os hipoabsorvedores. A associação Ezetimiba/estatina proporciona uma redução adicional de 20% no LDL-c ao efeito isolado da estatina. Portanto, a prescrição de Ezetimiba em associação a qualquer estatina em dose mínima equivale à prescrição daquela estatina em dose máxima. Entretanto, até o momento não existem evidências de redução da morbimortalidade cardiovascular pelo efeito isolado deste fármaco. O estudo ENHANCE não mostrou redução da espessura da íntima-média da carótida (EIMC), nem de eventos cardiovasculares. Portanto, até a disponibilidade de novas evidências, deve ser considerada medicação de segunda linha e ser reservada a casos de intolerância às estatinas ou em associação a elas para o tratamento de hipercolesterolemia refratária a doses máximas de estatina. Também pode ser considerada para evitar altas doses de estatinas em pacientes de alto risco para rabdomiólise.

 

Segurança e tolerabilidade

Apresenta ótima tolerabilidade e um excelente perfil de segurança. Apesar dos resultados do estudo SEAS, que mostrou maior incidência de câncer, atualmente o conjunto das evidências não confirma tal associação.

 

Resinas de Troca Iônica

 

Mecanismo de ação

Fixação aos ácidos biliares na luz intestinal, impedindo sua reabsorção e aumentando sua excreção fecal. Isso leva a aumento compensatório na síntese hepatocitária de ácidos biliares a partir do colesterol captado das LDL circulantes e a up-regulation na expressão dos receptores de LDL na membrana celular do hepatócito, aumentando a captação de LDLs circulantes.

 

Fármacos e posologia

A colestiramina (Questran®) é disponível em envelopes de 4 g. Colestipol e colesevelam não são atualmente comercializados no Brasil. A dose inicial de colestiramina é de 4 g/dia. Esta pode ser aumentada progressivamente até o máximo de 24 g/dia. Medicamentos concomitantes devem ser administrados 1 hora antes ou 4 horas depois da colestiramina. Para melhorar sua tolerabilidade, pode-se dissolver o fármaco em suco de fruta e ingerir junto às refeições.

 

Eficácia e uso clínico

Redução do LDL-c entre 15 e 30%; alguns pacientes podem apresentar aumento dos triglicérides pelo aumento compensatório na produção de VLDL; por isso, são contra-indicadas como monoterapia se TG > 400 mg/dL. O estudo Lipid Research Clinics mostrou redução de eventos cardiovasculares em torno de 20% com o uso da colestiramina. Entretanto, devido a sua baixa tolerabilidade, as resinas são atualmente relegadas a medicações de segunda linha no tratamento da hipercolesterolemia. Porém, dada sua segurança, representam a primeira opção para menores de 8 anos e para mulheres durante o período reprodutivo sem método anticoncepcional efetivo.

 

Segurança e tolerabilidade

Por serem fármacos não-absorvíveis, carecem de toxicidade sistêmica e são fármacos extremamente seguros. Contudo, são pouco tolerados devido aos efeitos gastrintestinais, como constipação, meteorismo, náuseas e plenitude gástrica. Idosos são particularmente suscetíveis a tais efeitos. A colestiramina pode interferir na absorção das vitaminas lipossolúveis (D, E, K e A).

 

Fibratos

 

Mecanismo de ação

São derivados do ácido fíbrico. Mecanismo de ação complexo e ainda não completamente elucidado. Seus efeitos são atribuídos à ativação dos receptores nucleares PPAR-alfa (peroxisome proliferator-activated receptor alfa), que modulam a transcrição de múltiplos genes envolvidos no metabolismo lipídico. Desta forma, os Fibratos aumentam a atividade da enzima lipase lipoprotéica, responsável pelo catabolismo das lipoproteínas ricas em triglicérides. Parte deste efeito é devido à redução na síntese hepática de apoCIII, apolipoproteína que inibe a atividade desta enzima. Os Fibratos proporcionam ainda aumento na betaoxidação hepática dos ácidos graxos livres, reduzindo assim o substrato para a síntese de triglicérides. Além disso, provocam aumento na síntese das apolipoproteínas AI e AII, fato que pode ajudar a explicar o aumento no HDL-c. Ao facilitar a degradação das VLDL em LDL, os Fibratos podem causar um discreto aumento no LDL-c.

 

Fármacos e posologia

Vide Tabela 6.

 

Tabela 6: Fibratos na prática clínica

Medicamento

Nome comercial

Apresentação

Posologia

Fenofibrato

Lipidil/®/Lipanon®

Cáps. de 200 mg/250 mg

1 vez/dia

Bezafibrato

Cedur®/Cedur Retard®

Comp. de 200 mg/400 mg

A cada 12 horas – 1 vez/dia

Ciprofibrato

LipLess®

Comp. de 100 mg

1 vez/dia

Etofibrato

Tricerol®

Cáps. de 500 mg

1 vez/dia

Clofibrato

Lipofacton®

Cáps. de 500 mg

A cada 12 horas

genfibrozil

Lopid®

Comp. de 600 mg

A cada 12 horas

 

Eficácia e uso clínico

Redução dos triglicérides em 30 a 60%. Quanto maiores os níveis basais de triglicérides, mais pronunciado é o efeito dos Fibratos. Apesar do potencial aumento no LDL-c, as LDL tornam-se maiores, mais leves e menos aterogênicas. Espera-se também um aumento no HDL-c em torno de 10%. Embora a melhora no perfil lipídico seja chamativa, as evidências de redução do risco cardiovascular continuam equívocas. Apesar dos estudos de regressão de placa (de metodologia questionável), não temos evidências consistentes de redução da mortalidade cardiovascular (Tabela 7). Pelo contrário, existem evidências de aumento na mortalidade geral (como no caso do Clofibrato no estudo WHO). Por este motivo, são medicações de segunda linha quando o objetivo não é a redução do risco de pancreatite. O fibrato cujo uso é mais suportado pelas evidências é o genfibrozil, que mostrou redução de eventos na era pré-estatinas (Helsinki Heart Study e VA-HIT). Este, porém, não pode ser usado em associação às estatinas. Atualmente, a única indicação classe I é a hipertrigliceridemia com níveis de TG > 500 mg/dL para reduzir o risco de pancreatite.

 

Tabela 7: Principais estudos com Fibratos

Estudo

Fibrato

Contexto

Principais resultados

BECAIT

Bezafibrato

Prevenção secundária

Redução da progressão angiográfica

LOCAT

genfibrozil

Prevenção secundária

Redução da progressão angiográfica

DAIS

Fenofibrato

Prevenção secundária - DM

Redução da progressão angiográfica

WHO

Clofibrato

Prevenção primária

Aumento da mortalidade geral

HHS

genfibrozil

Prevenção primária

Redução de eventos

VA-HIT

genfibrozil

Prevenção secundária

Redução de eventos

BIP

Bezafibrato

Prevenção primária

Sem efeito relevante

FIELD

Fenofibrato

Prevenção primária - DM

Sem efeito relevante

 

Segurança e tolerabilidade

São fármacos seguros e bem tolerados. Os principais efeitos colaterais descritos são intolerância gastrintestinal (5%), prurido e reações cutâneas (2%), cefaléia, diminuição da libido, perturbação do sono e leucopenia. Litíase biliar e pancreatite foram associadas sobretudo, mas não exclusivamente, ao Clofibrato, cujo uso foi praticamente abandonado. Por este motivo, recomenda-se evitar estes fármacos em portadores de doença biliar. Miopatia secundária ao uso isolado de Fibratos é muito rara, mas deve sempre ser lembrada quando estes são usados em associação às estatinas. Mais especificamente, dado o excesso no risco de rabdomiólise, o genfibrozilo não deve ser usado em associação às estatinas. Os Fibratos potencializam o efeito dos anticoagulantes orais, cujas doses devem ser ajustadas adequadamente. São metabolizados no fígado por glucoronização e apresentam excreção renal, motivo pelo qual requerem ajuste posológico em caso de insuficiência renal, conforme foi mostrado na Tabela 5. Seu uso é liberado em pacientes dialíticos. Excetuando o genfibrozil, os Fibratos podem causar um leve e reversível aumento na creatinina plasmática (em torno de 10%: 0,1 mg/dL). O real significado prognóstico deste achado é desconhecido. Embora seu uso seja desaconselhado em crianças, durante a gestação e durante o aleitamento materno (por falta de estudos corroborando segurança nestas situações), os Fibratos podem se tornar uma opção quando a hipertrigliceridemia é severa, refratária e com elevado risco de pancreatite. Neste contexto, existem relatos de administração bem-sucedida de genfibrozil (fármaco classe C durante a gestação) em baixas doses.

 

Ácido Nicotínico


Mecanismo de ação

Também chamado niacina ou vitamina B3. Apresenta múltiplos mecanismos de ação, ainda não adequadamente esclarecidos. Foi demonstrada inibição da lipase tecidual (hormônio-sensível) nos adipócitos, reduzindo o fluxo de ácidos graxos livres ao fígado e limitando, assim, a síntese de triglicérides. Outros efeitos descritos são a estimulação da síntese hepática de apoA1 (e, portanto, de HDL) e a promoção do catabolismo hepático da apoB100 (e, portanto, das LDL).

 

Posologia

A formulação atualmente empregada é a de liberação intermediária (ou programada), comercializada no Brasil como Metri® ou Acinic®. Deve-se prescrever inicialmente na dose de 500 mg/dia, aumentando progressivamente, em intervalos de 4 semanas e conforme tolerabilidade e efeito terapêutico, até 2 g/dia. Para aumentar a tolerabilidade, recomenda-se administrar à noite, antes de dormir. A co-administração de ácido acetilsalicílico pode reduzir os efeitos colaterais (como o rubor facial) mediados pela liberação de prostaglandinas.

 

Eficácia e uso clínico

Atualmente é o fármaco mais eficaz para aumentar o HDL-c (15 a 35%) e o único que reduz a Lp(a). Reduz o LDL-c em torno de 15% e os triglicérides em 20 a 50%. Além disso, muda o perfil das LDL pequenas e densas, tornando-as menos aterogênicas. Existem evidências consistentes (Tabela 8) de redução do risco cardiovascular com seu uso isolado ou em associação às estatinas, aos Fibratos e às resinas de troca iônica.

 

Tabela 8: Principais estudos com Ácido nicotínico

Estudo

Contexto

Principais resultados

CDP

Prevenção secundária

Redução de eventos cardiovasculares

HATS

Prevenção secundária

Regressão de placa e redução de eventos

FATS

Prevenção secundária

Redução da progressão da placa; redução de eventos

ARBITER II

Prevenção secundária

Redução da progressão do IMT

 

Segurança e tolerabilidade

A formulação de liberação imediata (associada à alta incidência de efeitos colaterais) e a de liberação prolongada (melhor tolerada, porém com maior incidência de hepatotoxicidade) caíram em desuso. A formulação de liberação intermediária é mais segura, mas ainda pouco tolerável. Os efeitos colaterais mais comuns são rubor facial (até 30%) e distúrbios gastrintestinais (náuseas e dispepsia). O aumento da glicemia (0,02 g/dL de aumento na HbA1c) e da uricemia é geralmente pouco relevante na prática clínica. A hepatotoxicidade é rara com a formulação de liberação intermediária, mas recomenda-se monitoração periódica das transaminases. O Ácido nicotínico deve ser evitado durante a gestação e não dispomos de evidências de segurança em crianças.

 

Ácidos Graxos Ômega 3


Mecanismo de ação

Considerados alimentos funcionais. O ácido eicosapentaenóico (EPA) e o ácido docosaexaenóico (DHA) são ácidos graxos poliinsaturados de cadeia larga presentes em peixes de águas frias, como o salmão, a sardinha, o arenque e o atum. O efeito hipolipemiante é atribuído principalmente à redução na síntese hepática de triglicérides.

 

Fármacos e posologia

Existem várias apresentações de cápsulas “de óleo de peixe”, com conteúdo muito variável de ácidos graxos. Nos Estados Unidos, são comercializados como Omacor®. No Brasil, o Proepa® é comercializado em cápsulas de 1 g. A dose de 1 g/dia é eficaz na redução de eventos cardiovasculares, porém, para obter o efeito hipolipemiante pleno, são necessários de 4 a 10 g/dia.

 

Eficácia e uso clínico

Reduzem os triglicérides em 30 a 40%. Podem aumentar discretamente o LDL-c. Apresentam também efeito antiagregante plaquetário e provavelmente antiarrítmico. O estudo GISSI Prevenzione mostrou redução de eventos em prevenção secundária com a suplementação diária de 1 g/dia de ômega 3. Podem ser utilizados como terapia adjuvante na hipertrigliceridemia ou em substituição a Fibratos em pacientes intolerantes.

 

Segurança e tolerabilidade

Ótima segurança e boa tolerabilidade.

 

BIBLIOGRAFIA

1.      IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2007; 88(Supl 1):1-18.

2.      Executive Summary of the Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Determination, Evaluation and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults. JAMA 2001; 285:2486-97.

3.      Remick J, Weintraub H, Setton R, et al. Fibrate therapy: an update. Cardiol Rev 2008; 16:129-141.

4.      McKennedy JM, Davidson MH, Jacobson TA, Guyton JR. Final conclusions and recommendations of the national lipid association statin safety assessment task force. Am J Cardiol 2006; (suppl):89c-94c.

5.      Sociedade Brasileira de Cardiologia. Como Tratar - Volume 1. Barueri: Manole, 2008.

Comentários

Por: João álvaro de Oliveira em 07/02/2012 às 16:48:02

"Ao Dr. Antônio G. Laurinavicius, meus cumprimentos pela síntese apresentada. Deixou-me, ao final,certa indagação a respeito da eficácia e uso de ômega 3, pois, foi dito ser de 1,0 g/dia a dose para redução de eventos em prevenção secundária e são necessários de 4 a 10 g/dia para obtenção de efeito hipolipemiante ou seja, de 4 a 10 comprimidos. Atenciosamente."

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