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Escoliose Neuromuscular

Autor:

Marcelo Poderoso de Araujo

Médico Assistente da Disciplina de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Especialista em cirurgia de coluna pela Sociedade Brasileira de Coluna (SBC)

Última revisão: 09/05/2010

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INTRODUÇÃO

As deformidades da coluna vertebral de natureza neuromuscular, em geral, desenvolvem-se secundariamente a desequilíbrio muscular, trauma, distúrbios do nascimento, doenças de caráter degenerativo ou sindrômico. Já o ritmo da sua progressão está condicionado ao crescimento da criança.

Usualmente, essas crianças compartilham padrões semelhantes referentes à curva, ao planejamento de tratamento não cirúrgico e às indicações cirúrgicas em si. Entretanto, em decorrência das respectivas doenças de base, elas apresentam desafios peculiares às equipes médica e cirúrgica.

A abordagem cirúrgica envolve não apenas a estabilização, mas também o alinhamento da coluna e, principalmente, da pelve. Taxas de complicações têm diminuído ao longo dos últimos anos com uma melhor abordagem médica desses pacientes, incluindo equipes multidisciplinares, técnicas cirúrgicas meticulosas e um melhor entendimento de cada patologia1-3.

 

ETIOLOGIA E INCIDÊNCIA DA ESCOLIOSE NEUROMUSCULAR

As doenças neuromusculares que afetam o alinhamento da coluna vertebral são numerosas e variadas (Tabela 1). Algumas envolvem os neurônios motores superiores do encéfalo e da medula espinhal. Dentre elas, destaca-se a paralisia cerebral (PC). Com a melhora dos cuidados de saúde, a incidência de PC tem diminuído em recém-nascidos pré-termo e com doenças congênitas. Por outro lado, sua incidência tem aumentado em crianças nascidas de parto gemelar4,5. Aproximadamente 38% dos pacientes portadores de PC que são deambuladores apresentam escoliose maior que 10 graus, mas apenas 2% têm curvas > 40 graus. Já aqueles com quadriplegia espástica apresentam escoliose > 40 graus em até 75% dos casos. Na ataxia de Friedreich, ocorre escoliose em 60 a 79% dos pacientes.

A incidência de lesão medular traumática é estimada em 14,5 a 27,1 por milhão de pessoas6,7. A maturidade esquelética e a idade no momento da lesão têm uma influência definitiva sobre o desenvolvimento da escoliose pós-trauma raquimedular. Todos os pacientes lesados antes dos 10 anos de idade desenvolvem escoliose8 e 67% necessitarão de estabilização cirúrgica. Raramente tumores da coluna vertebral ou da medula são causa de escoliose. Entretanto, a deformidade pode seguir a cirurgia para retirada do tumor, seja escoliose ou cifose.

Em pacientes com mielodisplasia, o risco de escoliose maior que 30 graus depende do nível da lesão. Pacientes com nível torácico ou lombar alto desenvolvem escoliose em mais de 80% dos casos. Já aqueles com lesão lombar baixa têm chance de 23% de desenvolver escoliose.

No paciente portador de distrofia muscular Duchenne (DMD), escoliose progressiva ocorre em 95 a 100% dos casos. Seu início ocorre, em média, entre os 11 e 13 anos de idade9. À medida que a musculatura enfraquece, a escoliose piora e a função respiratória decai.

A função pulmonar dos pacientes com DMD tem que ser monitorada à medida que a escoliose progride, a fim de permitir indicação cirúrgica no tempo devido. Comprometimento muito acentuado da espirometria põe o paciente em elevado risco cirúrgico9,10. De um modo geral, a cirurgia de coluna nesses pacientes com DMD deve ser realizada enquanto deambulam ou na sua transição para a cadeira de rodas9.

 

Tabela 1: Classificação da deformidade neuromuscular da coluna (Scoliosis Research Society)

Neuropatias primárias

Patologias do neurônio motor superior

Paralisia cerebral; degeneração espinocerebelar (ataxia de Friedreich, doença de Charcot-Marie-Tooth, doença de Roussy-Lévy); siringomielia; tumor de medula; trauma de medula

Patologias do neurônio motor inferior

Poliomielite; outras mielites virais; traumático; atrofia muscular espinhal (doença de Werdnig-Hoffmann, doença de Kugelberg-Welander)

Patologias combinadas (neurônio motor superior e inferior)

Mielomeningocele

Disautonomias

Síndrome de Riley-Day

Miopatias primárias

Distrofias musculares

Distrofia muscular Duchenne (distrofia fáscio-escápulo-umeral); artrogripose; desproporção de fibras musculares; hipotonia congênita; distrofia miotônica

 

PADRÃO DE DEFORMIDADE

escoliose secundária à fraqueza da musculatura axial (curva paralítica) geralmente se apresenta com um formato em “C” longo associado e obliquidade pélvica. Em doenças como a ataxia de Friedreich, o padrão de escoliose mimetiza as formas idiopáticas.

Usualmente, pacientes deambuladores e com menor comprometimento neuromuscular têm curvas balanceadas. Já aqueles com apresentação clínica mais grave e restritos à cadeira de rodas, de um modo geral, desenvolvem curvas severas, desbalanceadas e com obliquidade pélvica.

 

TRATAMENTO DA ESCOLIOSE NEUROMUSCULAR

Os objetivos do tratamento das deformidades da coluna são universais: evitar progressão, restaurar ou manter os balanceamentos sagital e coronal e o alinhamento ao sentar. Nas deformidades paralíticas negligenciadas ou rapidamente progressivas, as curvas podem se apresentar com o gradeado costal tocando a crista ilíaca. Isso geralmente causa grande desconforto ao paciente, que muitas vezes é incapaz de referir.

Uma característica típica das deformidades em pacientes com distúrbios neuromusculares é a presença da obliquidade pélvica. Disso resulta uma significante assimetria na distribuição de peso sobre o sacro e as tuberosidades isquiáticas. Escaras refratárias nessa região não são resolvidas até que a pelve seja nivelada e a carga distribuída de maneira mais uniforme.

 

Tratamento Não Cirúrgico

Pacientes com deformidades neuromusculares devem ser monitorados com cautela. Geralmente, as visitas são semestrais. Exceção é feita ao período do estirão de crescimento, quando o ritmo de piora da deformidade tende a aumentar. Nesse intervalo, as visitas são mais próximas. A avaliação complementar deve constar de radiografias (em pé ou sentado) de frente e de lado. O uso de colete ou cadeiras adaptadas nesses pacientes pode ter sucesso, mas o caráter progressivo da deformidade geralmente tem nesses métodos apenas paliação. Ao final, a cirurgia é o único método capaz de realmente controlar a progressão da deformidade.

 

Tratamento Cirúrgico

Há muitos desafios peculiares ao tratamento cirúrgico de pacientes com deformidades paralíticas da coluna vertebral. Indivíduos com espasticidade severa, se não controlada com medicações, podem comprometer inclusive o posicionamento intraoperatório.

Esses pacientes costumam apresentar distúrbio nutricional de várias origens. Baixa ingestão, refluxo gastroesofágico e infecções de repetição com alto catabolismo são as principais causas dessa carência nutricional. Avaliação nutricional pré-operatória por um time experimentado no tratamento desses pacientes é fundamental. O comprometimento nutricional aumenta consideravelmente o risco de deiscência e infecção pós-operatória.

A avaliação pré-operatória por métodos de imagem inclui: radiografias panorâmicas da coluna vertebral e tomografia computadorizada. Imagens de ressonância nuclear magnética podem dar maiores detalhes sobre a localização e o estado de saúde da medula.

 

Técnica e Procedimentos Cirúrgicos

Cuidados gerais devem ser tomados com o paciente no período perioperatório. Cuidar da antissepsia no preparo do paciente para o procedimento, mantê-lo aquecido, evitar perda sanguínea excessiva, manipular os tecidos segundo técnica atraumática, monitorar volemia e parâmetros vitais cautelosamente são primordiais para o êxito final. As técnicas envolvidas na correção da deformidade em si têm-se baseado no uso de instrumentais específicos (parafusos pediculares, ganchos, fios de aço, hastes). Os parafusos pediculares apresentam vantagem biomecânica, apesar do seu uso aumentar o tempo cirúrgico e a perda sanguínea. Na grande maioria dos pacientes com deformidade paralítica, a artrodese deve ser extendida da região torácica alta (T2 ou T3) até a bacia, na vigência de obliquidade pélvica. A execução da cirurgia de reconstrução da coluna nesses pacientes, por si só, não guarda diferenças tão marcantes quando comparadas às técnicas empregadas em pacientes portadores de deformidades não paralíticas. O diferencial mais contundente é a doença de base e suas implicações clínicas.

Existem muitos problemas potenciais a serem considerados quando se decide operar um paciente com escoliose paralítica. Dentre as principais complicações, podem ser citados: reação anafilática, distúrbios hidroeletrolíticos e do equilíbrio ácido-base, anemia, infecção pós-operatória, deiscência da ferida cirúrgica, escaras de pressão, pseudartrose, falha e/ou soltura do implante, pneumonia aspirativa, entre outros.

A incidência dessas complicações em pacientes portadores de distúrbios neuromusculares costuma ser maior que em outras populações. O tratamento deve ser imediato, muitas vezes permitindo uma boa evolução do caso.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      Deformidade da coluna vertebral é uma sequela frequente das doenças neuromusculares e geralmente requer correção e estabilização cirúrgicas.

      Uma equipe multidisciplinar é imprescindível para a boa abordagem desses pacientes, incluindo não apenas o momento da cirurgia, mas também sua evolução a curto, médio e longo prazos.

      Por fim, novas técnicas cirúrgicas têm levado a melhores resultados, atingindo altos graus de satisfação por parte de parentes e cuidadores, além de melhoria significativa na qualidade de vida desses pacientes11.

 

BIBLIOGRAFIA

1.    Benson ER, Thomson JD, Smith BG, Banta JV. Results and morbidity in a consecutive series of patients undergoing spinal fusion for neuromuscular scoliosis. Spine. 1998;23:2308-2317.

2.    Jevsevar DS, Karlin LI. The relationship between preoperative nutritional status and complications after an operation for scoliosis in patients who have cerebral palsy. J Bone Joint Surg Am. 1993;75:880-884.

3.    Thacker M, Hui JH, Wong HK. Spinal fusion and instrumentation for paediatric neuromuscular scoliosis: retrospective review. J Orthop Surg (Hong Kong). 2002;10:144-151.

4.    Center for Disease Control and Prevention. Use of vitamins containing folic acid among women of childbearing age-United States 2004. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2004;53:847-850.

5.    Hertrampf E, Cortes F. Folic acid fortification of wheat flour: Chile. Nutr Rev. 2004;62:S44-S48.

6.    Burke DA, Linden RD. Incidence rates and populations at risk for spinal cord injury: a regional study. Spinal Cord. 2001;39:274-278.

7.    Otom AS, Doughan AM. Traumatic spinal cord injuries in Jordan: an epidemiological study. Spinal Cord. 1997;35:253-255.

8.    Dearolf WW III, Betz RR. Scoliosis in pediatric spinal cord-injuried patients. J Pediatric Orthop. 1990;10:214-218.

9.    Sussman M. Duchenne muscular dystrophy. J Am Acad Orthop Surg. 2002;10:138-151.

10. Yamashita T, Kanaya K. Correlation between progression of spinal deformity and pulmonary function in Duchenne muscular dystrophy. J Pediatr Orthop. 2001;21:113-116.

11. Jones KB, Sponseller PD. Longitudinal parental perceptiond of spinal fusion for neuromuscular spine deformity inpatients with totally involved cerebral palsy. J Pediatr Orthop. 2003;23:143-149.

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