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Colite neutropênica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 30/10/2012

Comentários de assinantes: 2

 

Quadro clínico

         Paciente de 41 anos de idade, sexo masculino, com diagnóstico recente de leucemia mieloide aguda, iniciou terapia de indução há 10 dias. Desenvolveu quadro de dor abdominal em fossa ilíaca direita associada a febre com temperatura de 37,9 °C e diarreia sanguinolenta.

         Paciente com história de leucemia aguda, após iniciar a indução quimioterápica, passou a apresentar quadro de dor abdominal, febre e diarreia sanguinolenta. Nestes casos, o diagnóstico diferencial de colite neutropênica deve ser considerado. No hemograma, a contagem de neutrófilos era de 100 células/mm3 e a tomografia de abdome revelou espessamento de parede colônica, sugerindo o diagnóstico de colite neutropênica.

 

Comentários

         A colite neutropênica – também denominada de colite necrotizante, síndrome ileocecal e tiflite neutropênica – é uma síndrome mal definida caracterizada por febre e dor abdominal em pacientes com neutropenia. Sua incidência é variável, sendo relatado em 6,5% dos adultos com neutropenia grave definida por neutrófilos menores que 500 células/mm3, embora outros estudos tenham resultados diferentes. Um estudo em pacientes com neutropenia grave com mais de 16 anos encontrou incidência de 3,5%. Por outro lado, a doença foi descrita classicamente em crianças, e em um estudo em crianças submetidas à autópsia, a incidência relatada foi de 46,5%.

 

Fisiopatologia

         Ainda pouco entendida, parece envolver combinação de fatores como dano da mucosa pela quimioterapia ou neutropenia importante, que permitem invasão bacteriana do trato gastrintestinal com disfunção, edema, inflamação, ulceração, necrose transmural e possivelmente perfuração em casos com evolução desfavorável.

 

Manifestações

         Os pacientes apresentam condições predisponentes como leucemia mieloide aguda, mieloma múltiplo, anemia aplásica, Aids e neutropenia cíclica ou induzida por droga imunossupressora. A presença de mucosite aumenta em cerca de 30 vezes o risco de desenvolver colite neutropênica; quando essa mucosite é extensa, o aumento de risco é da ordem de 50 vezes. Outro fator de risco importante identificado nos estudos é a realização de quimioterapia nas últimas 2 semanas, pois aumenta o risco de lesão mucosa com quebra de barreira. Existem ainda casos raros, secundários à infecção por Clostridium perfringens do tipo A, descritos em adultos imunocompetentes.

         O diagnóstico deve ser considerado em qualquer paciente com neutropenia grave com febre e dor abdominal, principalmente em quadrante inferior direito. Outros sintomas incluem náuseas (descritas em cerca de 75% dos pacientes), vômitos (67%), distensão abdominal e diarreia, que pode ser aquosa ou sanguinolenta. Podem ocorrer calafrios e bacteremia é frequente, sendo a Pseudomonas o agente mais comumente isolado, porém a E. coli, Klebsiella, S. aureus e estreptococos são também frequentes. Candidemia é descrita em até 15% destes pacientes, sendo eventualmente encontrada fungemia por outros agentes. Quando o paciente apresenta sinais de peritonismo, como descompressão brusca dolorosa, ou evolui com choque, deve-se suspeitar de perfuração intestinal. Presença de estomatite ou faringite associados, por sua vez, sugere a presença de mucosite disseminada.

         Um dos diagnósticos diferenciais é apendicite, e um dos fatores que auxilia no diagnóstico diferencial é a presença de hemorragia intestinal, que sugere o diagnóstico de colite neutropênica.

 

Exames complementares

         O diagnóstico é dado por achados de imagem, seja tomografia computadorizada (TC) ou ultrassonografia, em pacientes com risco da doença. A TC revela espessamento de parede e edema intramural, podendo ainda ter como achados acompanhantes a presença de líquido paracólico, ar livre ou pneumatose intestinal. O critério utilizado para definir espessamento da parede é espessura de, no mínimo, 4 mm; quando essa espessura ultrapassa 10 mm, fica caracterizado um quadro de maior gravidade, com mortalidade em algumas séries se aproximando de 60%. A tomografia é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico, pois apresenta uma taxa de falso-positivos de apenas 15% comparado a 23% da ultrassonografia. Outra vantagem da TC é a possibilidade de avaliar diagnósticos diferenciais como colite pseudomembranosa, apendicite, entre outros. Deve-se ressaltar que exames de imagem com enema baritado devem ser evitados devido ao risco de perfuração intestinal.

 

Manejo

         O tratamento consiste em repouso intestinal, mantendo o paciente inicialmente de jejum, hidratação endovenosa e colocação de sonda nasogástrica. Além destas medidas, deve-se prontamente iniciar antibioticoterapia de amplo espectro e, se necessário, introdução de nutrição parenteral. Deve-se ressaltar que alguns estudos questionam o benefício da sondagem nasogástrica e nutrição parenteral.

         Esquemas iniciais de antibioticoterapia incluem o uso de piperacilina/tazobactam como monoterapia ou terapia combinada com cefalosporina com ação antipseudomônica, como ceftazidima ou cefepima combinada ao uso de metronidazol. A candidemia é uma complicação descrita com certa frequência; assim, em paciente com febre mantida após 72 horas de esquema antibiótico, pode-se indicar o uso de antifúngicos.

         O uso de G/CSF e outras medicações para reverter a neutropenia é uma possibilidade, pois a correção da neutropenia auxilia a cura das lesões intestinais.

         Avaliação cirúrgica é recomendável, mas a maioria dos pacientes não necessita de intervenção, indicações cirúrgicas são sangramento intestinal incontrolável, isquemia intestinal e perfuração.

         Algumas medidas profiláticas são propostas. A substituição da adriamicina por daunorrubicina em esquemas de tratamento para leucemias é uma delas, pois a adriamicina tem um risco maior de causar mucosite e complicações. Alguns autores recomendam o uso de quinolonas profilaticamente e ainda existe a possibilidade de utilização dos queratinócitos para prevenir mucosite. Entretanto, vale lembrar que não existem evidências científicas suficientes na literatura para recomendar esta última medida.

 

Prescrição

Tabela 1. Prescrição inicial sugerida para este paciente

Prescrição

Comentário

Jejum

Fase inicial do tratamento com repouso intestinal

Solução glicosada a 5%, 1.000 mL combinada NaCl 20%, 20 ml a cada 8 horas

Solução de manutenção de hidratação e mantendo aporte calórico mínimo

Dipirona 2 mL EV a cada 6 horas se dor ou temperatura maior ou igual a 37,8 °C

Medicação para dor ou febre

Piperacilina/Tazobactam 4,5 g a cada 6 horas

Antibioticoterapia padrão para estas situações

 

         Profilaxia de trombose venosa profunda pode ser considerada conforme níveis de plaquetas.

 

Medicações

Ureidopenicilinas (piperacilina)

         A piperacilina é um derivado semissintético piperazínico da ampicilina. Apresenta maior atividade antimicrobiana do que a carbenicilina sobre as enterobactérias e Pseudomonas aeruginosa. A droga é administrada por via endovenosa, com índice de ligação às proteínas plasmáticas em torno de 20 a 40%. A penetração liquórica é insuficiente, com eliminação renal da droga. As indicações incluem infecções por Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella spp e Proteus indol positivo.

 

      dose habitual: 200 a 300 mg/kg/dia a cada 4 a 6 horas;

      gestação: classe B;

      apresentações comerciais: Tazocin frasco-ampola com 2,25 e 4,5 g;

      insuficiência renal: ajuste necessário;

      insuficiência hepática: ajuste necessário.

 

Efeitos adversos

         Náuseas, vômitos e diarreia são os efeitos colaterais mais relatados com as penicilinas. Reações de hipersensibilidade são descritas sobretudo com penicilina benzatina e cristalina. Existem relatos de anemia hemolítica com as penicilinas, além de hipopotassemia com alcalose metabólica com o uso da carbenicilina.

 

Monitoração

         Sem recomendações específicas de monitoração.

 

Interações medicamentosas

         Probebecida e sulfimpirazona podem diminuir a excreção das penicilinas.

 

Dipirona ou metamizol

         A dipirona ou metamizol é um analgésico não opioide muito utilizado no Brasil. Em vários países, como nos EUA e na Inglaterra, seu uso é proscrito devido ao risco de discrasias sanguíneas e agranulocitose, embora se tenha verificado que a incidência de agranulocitose é muito baixa (o risco foi de aproximadamente 1,1 caso para 1 milhão de usuários, após uma semana de uso).3 A restrição de sua comercialização impede que haja vários estudos com a droga, dificultando a análise de sua eficácia.

 

Modo de ação

         Derivado pirazolônico. Atribui-se sua ação analgésica à inibição da síntese de prostaglandinas e à ação direta no sistema nervoso central.

 

Indicações

         Ações analgésica e antipirética.

 

Posologia

         A dose habitual é de 500 a 1.000 mg a cada 6 horas. Alternativa para efeito analgésico mais intenso: 2 g a cada 6 horas.

 

Efeitos adversos

         Pode causar náuseas e vômitos e, ocasionalmente, reações hipotensivas isoladas e, em casos raros, queda crítica da pressão arterial. Agranulocitose e reações anafiláticas e anafilactoides são raras.

 

Contraindicações

         A dipirona é contraindicada em pacientes com hipersensibilidade aos derivados pirazolônicos e em pacientes gestantes e lactantes, portadores de porfiria aguda intermitente e deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6-PD).

 

Monitoração

         Sem indicações específicas.

 

Interações medicamentosas

         Evitar uso concomitante com barbitúricos, clorpromazina e fenilbutazona.

 

Apresentação comercial

         Anador®, Analgex®, Analgin®, Baralgin®, Conmel®, Debela®, Dipirol®, Dipirona, Doran®, Dornal®, Magnopirol®, Nalginin®, Nevalgina®, Novalgina® comprimidos de 500 mg; frasco de solução oral gotas de 500 mg/mL (1 mL = 20 gotas) e solução oral com copo-medida graduado para 2,5 mL com 50 mg/mL; ampola de solução injetável com 500 mg/mL.

 

Classificação na gravidez

         Classificação não disponível, pois a droga é proscrita pelo Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos.

 

Referências

1.      Zuckerman T, Ganzel C, Tallman MS, Rowe JM. How I treat hematologic emergencies in adults with acute leukemia. Blood 2012; 120(10): 1993-2002.

2.      Song LM, Marcon NE. Typhlitis. www.uptodate.com acessado em 13 de setembro de 2012.

Comentários

Por: Atendimento MedicinaNET em 12/12/2013 às 16:30:17

"Prezado Dr. Ildemar Cavalcante Guedes, O perfil de efeitos colaterais da dipirona realmente é muito favorável e seu potencial de causar granulocitopenia ou aplasia de medula óssea é praticamente nulo, apesar de citado pela literatura americana. Um estudo prospectivo com muitos pacientes não encontrou nenhuma relação entre dipirona e neutropenia. Se o motivo da dipirona não ser comercializada nos EUA é o fato de não ser um produto original americano, já é especulativo, mas certamente é uma possibilidade. Atenciosamente, Os Editores"

Por: Ildemar Cavalcante Guedes em 06/12/2013 às 10:34:16

"Ouvi um certa vez, durante uma explanação de que o principal motivo da proibição da dipirona nos Estados Unidos, era o fato de não ter sido sintetizada originalmente pelos americanos. Seus efeitos colaterais, na minha opinião, contrapostos aos benefícios, são insignificantes, principalmente em relação a taxa de incidência. Estou correto?"

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