Autores:
Alina Coutinho Rodrigues Feitosa
Especialista em Endocrinologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Doutora em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP
Gilson Soares Feitosa Filho
Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (INCOR-HC-FMUSP)
Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP
Daniel Soares Freire
Endocrinologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;
Médico Colaborador do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 19/01/2009
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As dislipoproteinemias são alterações quantitativas das lipoproteínas plasmáticas que podem ser caracterizadas por aumento e/ou redução das partículas.
Inúmeras classificações para as dislipoproteinemias são utilizadas. Contudo, de forma didática, uma maneira mais simples de se abordar o assunto é pela distribuição do perfil lipídico do indivíduo:
por elevação do LDL-colesterol;
por elevação do HDL-colesterol.
2. Hipocolesterolemia:
por redução do LDL-colesterol;
por redução do HDL-colesterol.
Essas alterações podem vir em diversas combinações e podem ser primárias (genéticas e familiares) ou secundárias a outras patologias.
Por meio de estudos populacionais e curvas de distribuição percentual na população, hiperlipidemia foi arbitrariamente definida como o percentil acima de 90 a 95% da curva, o que corresponde a 240 mg/dL de colesterol total e acima de 200 mg/dL de triglicérides. Por outro lado, hipocolesterolemia é estabelecida com níveis de colesterol total inferiores a 130 mg/dL.
Os níveis de HDL-colesterol estabelecidos como normais são acima de 40 mg/dL para homens e 50 mg/dL para mulheres.
Para o diagnóstico e a adequada terapêutica, é preciso uma boa história clínica com ênfase na história familiar e prévia de dislipoproteinemia e coronariopatia, além de inquérito alimentar e exame físico completo.
Na história clínica, é importante perguntar:
como foi colhida a amostra de sangue para o perfil lipídico: jejum ou pós-prandial?
história prévia pessoal de alteração lipídica e história pessoal de coronariopatia precoce;
história familiar de alteração lipídica (qual a dislipoproteinemia, quantos familiares afetados);
história de doença arterial coronariana precoce e alterações de pele que sugiram após alterações lipídicas primárias;
uso de medicações que interferem com o perfil lipídico;
pesquisa clínica de doenças secundárias que cursam com dislipoproteinemia (hipotireoidismo, insuficiência renal crônica, hepatopatia, síndrome de Cushing);
alcoolismo;
terapia de reposição hormonal e uso de contraceptivos orais.
Os tipos mais comuns de dislipoproteinemias são a Hipercolesterolemia isolada ou em associação com Hipertrigliceridemia e a Hipertrigliceridemia com o HDL baixo. Esta última é comumente encontrada em associação com a síndrome de resistência insulínica ou síndrome metabólica, com ou sem concomitância de diabetes mellitus.
A Tabela 1 contém o diagnóstico diferencial de hiperlipidemia, baseado no aumento das frações lipídicas.
Tabela 1: Tipos de dislipoproteinemia
|
Anormalidade lipídica | ||
Aumento do colesterol |
Aumento do colesterol e triglicérides |
Aumento dos triglicérides | |
Doença primária |
Hipercolesterolemia familiar Defeito familiar de apoB100 Hipercolesterolemia poligênica |
Hiperlipidemia familiar combinada Hiperlipidemia do tipo III ou disbetalipoproteinemia |
Hipertrigliceridemia familiar Deficiência de apoCII Hipertrigliceridemia esporádica |
Doença secundária |
Hipotireoidismo Síndrome nefrótica |
Hipotireoidismo Síndrome nefrótica Diabetes mellitus |
Diabetes mellitus Hiperlipidemia alcoólica Terapia com estrógeno oral |
Embora não mais tão frequentemente usada, a consagrada classificação de Fredrikson é importante para entender os padrões das dislipoproteinemias familiares. Também é importante saber que a avaliação visual do plasma à beira do leito pode sugerir o diagnóstico em algumas situações onde a sua aparência é característica (Tabela 2) .
Tabela 2: Tipos de padrões de lipoproteínas baseados na eletroforese
Tipo |
Lipoproteínas plasmáticas predominantemente elevadas |
Lipídeo plasmático predominantemente elevado |
Aparência do plasma após refrigeração |
Exemplo |
I |
Quilomícrons |
Triglicérides |
Sobrenadante cremoso |
Deficiência de LPL |
IIa |
LDL |
Colesterol |
Claro |
Hiperlipidemia familial |
IIb |
LDL e VLDL |
Colesterol e triglicérides |
Geralmente claro |
Hiperlipidemia familial combinada |
III |
Remanescentes |
Colesterol e triglicérides |
Turvo |
Disbetalipoproteinemia |
IV |
VLDL |
Triglicérides |
Turvo |
Hipertrigliceridemia familial |
V |
Quilomícrons e VLDL |
Triglicérides e colesterol |
Sobrenadante cremoso e resto turvo |
Deficiência de apo-CII |
Na Tabela 3, estão caracterizadas as principais dislipoproteinemias genéticas resultantes de mutações de um só gene:
Tabela 3: Dislipoproteinemia genética
Doença |
Gene mutante |
Herança |
Frequência estimada na população |
Padrão de lipoproteínas |
Tipos de xantomas |
Pancreatites |
Doença vascular prematura |
Deficiência familial de LPL |
LPL |
Autossômica recessiva |
1/106 |
I, V |
Eruptivos |
+ |
- |
Deificiência familial de apoCII |
apoCII |
Autossômica recessiva |
1/106 |
I, V |
Eruptivos (raro) |
+ |
- |
Hipercolesterolemia familial |
Receptor de LDL |
Autossômica dominante |
1/500 (heterozigoto); 1/106 (homozigoto) |
IIa |
Tendíneos; xantelasma; arco córneo lipídico |
- |
+ |
Defeito familial de apoB100 |
Apo-B |
Autossômica dominante |
1/1.000 |
IIa |
Tendíneo |
- |
+ |
Hiperlipoproteinemia familial tipo III |
Apo-E |
Autossômica recessiva |
1/10.000 |
III |
Palmar; tuberoso |
- |
+ |
Hiperlipidemia familial combinada |
Desconhecida |
Autossômica dominante |
1/100 |
IIa, IIb, IV (raramente V) |
- |
- |
- |
Hipertrigliceridemia familial |
Desconhecida |
Autossômica dominante |
Incerta |
IV (raramente V) |
- |
- |
+ (?) |
LPL = lipoproteína-lipase.
Tabela 4: Doenças genéticas do metabolismo das partículas de HDL.
Doença |
Gene mutante |
Herança |
Frequência na população |
HDL típico (mg/dL) |
Manifestações clínicas típicas | |
|
|
|
|
|
Opacidade corneanas |
Doença vascular precoce |
Hipoalfalipoproteinemia familial |
Desconhecido |
Autossômica dominante |
1/400 |
20 a 30 |
- |
+ |
Deficiênica familial de apo-AI e apo-CIII |
Apo-AI ou apo-AI/apo-CIII |
Autossômica recessiva |
Rara |
5 |
+ |
+ |
Apo-AI milano |
Apo-AI |
Autossômica dominante |
Rara |
10 |
- |
- |
Deficiência de LCAT |
LCAT |
Autossômica recessiva |
Rara |
10 |
+ |
+ |
Fish-eye disease |
LCAT |
Autossômica recessiva |
Rara |
10 |
+ |
- |
Doença de Tangier |
ABCA1 |
Autossômica recessiva |
Rara |
5 |
+ |
+ |
Deficiênica de CETP |
CETP |
Autossômica recessiva |
Rara |
> 100 |
- |
- |
LCAT= lecithin:cholesterol acyltransferase.
Doenças endócrinas e não-endócrinas podem estar associadas a dislipoproteinemias. As descritas a seguir são as mais frequentemente encontradas na população.
Diabetes mellitus: Hipertrigliceridemia ou Hipertrigliceridemia com Hipercolesterolemia. Existe aumento da produção de VLDL e redução do catabolismo de VLDL.
Hipotireoidismo: Hipercolesterolemia. O mecanismo da dislipoproteinemia é a diminuição da depuração do LDL.
Terapia com estrógeno: Hipertrigliceridemia, causada pelo aumento da produção de VLDL.
Terapia com glicocorticóide: Hipercolesterolemia e/ou Hipertrigliceridemia. Ocorre aumento da produção de VLDL e subsequente conversão a LDL.
Hipopituitarismo: Hipercolesterolemia e Hipertrigliceridemia por aumento a produção de VLDL e conversão a LDL.
Acromegalia: Hipertrigliceridemia por aumenta a produção de VLDL e redução do clareamento de partículas ricas em triglicérides devido à resistência insulínica causada pelo excesso de hormônio de crescimento.
Anorexia nervosa: Hipercolesterolemia por diminuição da excreção biliar de colesterol e ácidos biliares.
Lipodistrofia: Hipertrigliceridemia por aumento produção de VLDL e redução do clareamento de partículas ricas em triglicérides devido à resistência insulínica.
Consumo de álcool: Hipertrigliceridemia por aumento a produção de VLDL.
Uremia: Hipertrigliceridemia por diminuição da depuração de VLDL.
Obstrução biliar ou colestase: elevação de lipoproteína X, uma lipoproteína de estrutura lamelar composta por colesterol não-esterificado e fosfolípides. Sua elevação ocorre por extravasamento do colesterol biliar e fosfolípides.
Hepatite: Hipertrigliceridemia e redução do HDL colesterol, por diminuição da atividade da lecithin:cholesterol acyltransferase (LCAT), enzima responsável pela conversão do colesterol livre em éster de colesterol.
Lúpus eritematoso sistêmico: Hipertrigliceridemia pela presença de anticorpos que se ligam à heparina e diminuem a atividade da lipoproteína-lipase.
Gamopatia monoclonal: Hipercolesterolemia e hipetrigliceridemia pela presença de anticorpos que se ligam às lipoproteínas e interferem com o seu catabolismo.
Para o tratamento da dislipoproteinemia, é necessário conhecer inicialmente a qual grupo de risco pertence o paciente, para que se estabeleçam suas metas lipídicas. Existem algumas formas de se estratificar este risco, e a mais usada é o escore de Framingham, que permite o cálculo do risco absoluto de eventos coronarianos (morte, IAM e angina) em 10 anos. São atribuídos pontos para idade, pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD), colesterol total, HDL-colesterol, tagabismo (qualquer cigarro no último mês) e presença ou não de diabetes mellitus. Após o cálculo dos pontos, deve-se consultar a tabela anexa para ambos os sexos. A partir dos fatores de risco clássicos e/ou escore de Framingham, os pacientes são divididos em três grupos de risco.
Tabela 5: Fatores de risco para aterosclerose que modificam as metas de LDL-coleterol.
Fumo |
Hipertensão arterial sistêmica (PA = 140/90 mmHg) |
HDL-C* < 40 mg/dL |
Diabetes mellitus (diabéticos são considerados portadores de aterosclerose) |
Idade (= 45 anos para homens e = 55 anos para mulheres) |
História familiar precoce de aterosclerose (parentes de 1° grau < 55 anos para homens e < 65 para mulheres) |
*HDL-C > 60 mg/dL é considerado fator protetor, devendo ser descontado um fator de risco da soma.
Tabela 6: Cálculo do escore de Framingham
PASSO 1
Idade |
Homens |
Mulheres |
30 – 34 |
-1 |
-9 |
35 – 39 |
0 |
-4 |
40 – 44 |
1 |
0 |
45 – 49 |
2 |
3 |
50 – 54 |
3 |
6 |
55 – 59 |
4 |
7 |
60 – 64 |
5 |
8 |
65 – 69 |
6 |
8 |
70 – 74 |
7 |
8 |
PASSO 2
Colesterol total |
Homens |
Mulheres |
< 160 |
-3 |
-2 |
160 – 199 |
0 |
0 |
200 – 239 |
1 |
1 |
240 – 279 |
2 |
1 |
= 280 |
3 |
3 |
PASSO 3
HDL-C |
Homens |
Mulheres |
< 35 |
2 |
2 |
35 – 44 |
1 |
2 |
45 – 49 |
0 |
1 |
50 – 59 |
0 |
0 |
= 60 |
-1 |
-3 |
PASSO 4
PAS |
PAD |
Homens |
Mulheres |
< 120 |
< 80 |
0 |
-3 |
120 – 129 |
80 – 84 |
0 |
0 |
130 – 139 |
85 – 89 |
1 |
0 |
140 – 159 |
90 – 99 |
2 |
2 |
= 160 |
= 100 |
3 |
3 |
PASSOS 5 E 6
Diabetes |
Homens |
Mulheres |
Sim |
2 |
4 |
Não |
0 |
0 |
Fumo |
|
|
Sim |
2 |
2 |
Não |
0 |
0 |
PASSO 7
Somar os pontos |
Idade + CT + HDL-C + PAS ou PAD + Fumo = total de pontos |
PASSO 8 – Risco absoluto nas tabelas
Pontos |
Risco de DAC em 10 anos (%) |
Pontos |
Risco de DAC em 10 anos (%) |
Homens |
Mulheres | ||
< -1 |
2 |
= -2 |
1 |
0 |
3 |
-1 |
2 |
1 |
3 |
0 |
2 |
2 |
4 |
1 |
2 |
3 |
5 |
2 |
3 |
4 |
7 |
3 |
3 |
5 |
8 |
4 |
4 |
6 |
10 |
5 |
4 |
7 |
13 |
6 |
5 |
8 |
16 |
7 |
6 |
9 |
20 |
8 |
7 |
10 |
25 |
9 |
8 |
11 |
31 |
10 |
10 |
12 |
37 |
11 |
11 |
13 |
45 |
12 |
13 |
= 14 |
53 |
13 |
15 |
|
|
15 |
20 |
|
|
16 |
24 |
|
|
17 |
= 27 |
São indivíduos com, no máximo, 1 fator de risco, excetuando o diabetes mellitus. O risco absoluto de eventos é menor que 10% nos próximos 10 anos. A meta lipídica é:
colesterol total < 200 mg/dL;
LDL < 130 mg/dL (tolera-se até 160 mg/dL);
HDL > 40 mg/dL;
triglicérides < 150 mg/dL
Para estes pacientes, LDL superior a 190 mg/dL indica início de tratamento medicamentoso. Se o LDL estiver entre 160 e 190 mg/dL, pode ser tentado tratamento não-medicamentoso (dieta hipogordurosa e modificação de estilo de vida) e acompanhado trimestral. Níveis entre 130 e 160 mg/dL devem ser acompanhados a cada seis meses. O tratamento medicamentoso pode ser iniciado neste grupo ainda que o LDL esteja entre 130 e 190 mg/dL, a depender da intensidade do fator de risco. Por exemplo, um paciente com hábito tabágico intenso (mais de 2 maços/dia), ou com história familiar muito importante para doença arterial coronariana, ou ainda que apresente HDL muito baixo, pode se beneficiar do tratamento medicamentoso precoce.
Incluem-se nesta categoria os pacientes com risco absoluto de eventos entre 10 e 20% nos próximos 10 anos. A meta lipídica é:
colesterol total < 200 mg/dL;
LDL < 130 mg/dL (opcionalmente, inferior a 100 mg/dL);
HDL > 40 mg/dL;
triglicérides < 150 mg/dL
Se o paciente tem LDL até 160 mg/dL, pode-se instituir mudanças no estilo de vida e reavaliar após 3 meses. Se o nível de LDL for maior que 160 mg/L, é necessário o tratamento medicamentoso.
Este grupo apresenta risco absoluto de eventos maior que 20% nos próximos 10 anos ou presença de diabetes ou de doença aterosclerótica estabelecida. A meta lipídica é:
colesterol total < 200 mg/dL;
LDL < 100 mg/dL (em alguns casos, pode-se preferir a meta de 70 mg/dL);
HDL > 40mg/dL (> 45 mg/dL em diabéticos);
triglicérides < 150 mg/dL.
Atualmente, pacientes com LDL superior a 100 mg/dL já têm indicação de tratamento medicamentoso. Somente quando o LDL for entre 70 e 100 mg/L, é opcional ao médico fazer apenas mudanças no estilo de vida ou acrescentar tratamento medicamentoso.
Recomenda-se dieta pobre em colesterol e gorduras saturadas. As recomendações do Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP III) quanto à dieta estão sumarizadas na Tabela 7.
Tabela 7: Recomendações de dieta do NCEP III
Nutriente |
Recomendação |
Gordura saturada |
< 7% do total de calorias |
Gordura poliinsaturada |
Até 10% do total de calorias |
Gordura monoinsaturada |
Até 20% do total de calorias |
Gordura total |
25 a 35% do total de calorias |
Carboidrato |
50 a 60% do total de calorias |
Fibra |
20 a 30 g/dia |
Proteína |
~ 15% do total de calorias |
Colesterol |
< 200 mg/dia |
Total de calorias |
Deve proporcionar um equilíbrio entre ingestão e gasto de energia, a fim de manter o peso desejado/prevenir ganho de peso |
Atividade física aeróbica deve ser realizada no mínimo 3 vezes/semana, com uma duração mínima de 40 minutos. A frequência cardíaca alvo deve ficar na faixa de 60 a 80% da máxima observada em teste ergométrico, realizado na vigência dos medicamentos de uso corrente. Em indivíduos sem uso de drogas que reduzam a frequência cardíaca, a estimativa da frequência cardíaca máxima pode ser feita subtraindo a idade de 220.
O tabagismo deve ser combatido de forma agressiva e seu tratamento passa por duas etapas: abordagem cognitivo-comportamental e farmacoterapia. Também o tabagismo passivo deve ser combatido.
O consumo de estanóis de plantas presentes em alimentos industrializados (como na margarina Becel ProActive®) pode reduzir o LDL-colesterol em até 10%. Contudo, a quantidade necessária para que se observe o efeito é de 2 g/dia, e o produto deve ser ingerido in natura.
Os ácidos graxos ômega-3 (ácido eicosapentaenóico, EPA e docosaexaenóico, DHA) reduzem os triglicérides por diminuir a produção de VLDL no fígado. Eles podem ser utilizados como adjuvantes aos fibratos na terapia das hipertrigliceridemias ou em substituição a esses em pacientes intolerantes.
O principal estudo que avaliou a suplementação de ácidos graxos ômega-3 em pacientes com hiperlipidemia foi o estudo JELIS (Japan Eicosapentaenoic acid Lipid Intervention Study), no qual quase 15.000 pacientes foram randomizados para tratamento com estatina ou estatina associada ao EPA (Epadel; Mochida, Tóquio, Japão) na dose de 1.800 mg/dia. Após um acompanhamento médio de 4,6 anos, observou-se redução de risco de eventos coronarianos e de angina instável no grupo tratado com o ácido graxo, embora não tenha havido diferença nos níveis lipídicos.
São os fármacos mais empregados para reduzir o LDL-colesterol em adultos. Sua ação ocorre por inibição da enzima HMG-CoA redutase, etapa limitante da reação de síntese do colesterol. Consequentemente, há redução da síntese de colesterol pelo fígado e aumento da expressão dos receptores da LDL nos hepatócitos, levando a maior captação da lipoproteína e sua redução no plasma. Também ocorre elevação do HDL-colesterol em 5 a 15% e redução de triglicérides em 7 a 30%, podendo ser utilizadas nas hipertrigliceridemias leves a moderadas.
Para o tratamento adequado, devem ser atingidas as metas de LDL propostas, utilizando-se as doses necessárias das estatinas. Uma vez estabelecido o tratamento, este deve ser seguido por tempo indeterminado. As estatinas devem ser suspensas caso haja aumento das aminotransferases acima de 3 vezes os valores normais, ou se houver dor muscular ou aumento da creatino-fosfoquinase (CPK) acima de 10 vezes o valor normal. A Tabela 8 cita as doses recomendadas das estatinas disponíveis no Brasil.
Tabela 8: Doses das estatinas para tratamento da dislipoproteinemia
Medicação |
Dose |
Melhor administrar |
Atorvastatina (Lipitor®, Citalor®) |
10 a 80 mg/dia |
À noite |
Sinvastatina (Zocor®, Vaslip®, Genéricos) |
5 a 80 mg/dia |
À noite |
Lovastatina (Genéricos) |
20-80 mg/dia |
Com alimentos |
Pravastatina (Pravacol®, Mevalotin®, Genéricos) |
10 a 80 mg/dia |
À noite |
Fluvastatina (Lescol®) |
20 a 80 mg/dia |
À noite |
Rosuvastatina (Crestor®, Vivacor®) |
5 a 40 mg/dia |
Qualquer horário, com ou sem alimentos |
As resinas de troca são fármacos não-absorvíveis que diminuem a absorção de sais biliares e, consequentemente, do colesterol. Em consequência, ocorre maior excreção fecal de ácidos biliares e a sua oferta ao fígado diminui. Isso estimula a atividade enzimática na célula hepática, incluindo a da HMG-CoA redutase, e o conteúdo diminuído do colesterol intracelular aumenta a expressão de receptores B-E, que apresentam elevada afinidade para as LDL circulantes. O efeito final é o resultado do balanço entre a aceleração da síntese do colesterol e de seu catabolismo (pelo bloqueio da via êntero-hepática de reabsorção de ácidos biliares e colesterol). Em decorrência da maior aceleração dessa via metabólica, há maior síntese hepática de VLDL, o que explicaria o eventual aumento da trigliceridemia, habitualmente discreto. Pode ocorrer também maior síntese de apolipoproteína A1, levando a pequena elevação de HDL-colesterol. A colestiramina, que é a resina de troca de escolha, é usada nas doses diárias de 16 a 24 g, que cursam com redução do LDL-colesterol de 15 a 30%.
Os principais efeitos colaterais da colestiramina relacionam-se ao aparelho digestivo, por interferir na motilidade intestinal: obstipação, empachamento, náuseas e meteorismo. Seu uso deve ser evitado se houver Hipertrigliceridemia. A colestiramina é indicada em casos de Hipercolesterolemia discreta ou moderada. Pode ser administrada a pacientes de qualquer idade, ressalvando que os idosos a toleram com maior dificuldade devido aos efeitos colaterais. A colestiramina pode ser usada como adjuvante das estatinas no tratamento das hipercolesterolemias graves, e é droga de primeira escolha em crianças e em mulheres no período reprodutivo.
São fármacos derivados do ácido fíbrico, indicados no tratamento da Hipertrigliceridemia endógena, sempre que houver falha da intervenção dietética específica. São ligantes do receptor nuclear PPAR-alfa, e sua atividade hipolipemiante inclui aumento da oxidação de gorduras pelo fígado, redução da liberação de VLDL pelo hepatócito, aumento da depuração de VLDL e de partículas remanescentes de quilomícrons por maior atividade da lipoproteína-lipase e aumento do HDL-colesterol.
Quando a trigliceridemia endógena é muito elevada (> 500 mg/dL), o que acarreta maior risco de pancreatite aguda ou de trombose, deve-se iniciar imediatamente a terapêutica farmacológica. A redução da trigliceridemia geralmente ocorre em torno de 30%, tomando-se o cuidado de manter dieta adequada. Paralelamente ocorre aumento do HDL, em média de 10% em relação ao valor basal. Os fibratos também podem diminuir a fração LDL-C entre 10 e 30%. Assim, eles podem ser indicados quando houver intolerância às estatinas.
Embora infrequentes, o uso de fibratos pode desencadear efeitos adversos: distúrbios gastrintestinais, mialgia, astenia, litíase biliar (mais comum com clofibrato), diminuição de libido, erupção cutânea, prurido, cefaléia, perturbação do sono. Ocorrem em 5 a 10% dos casos tratados, são geralmente bem tolerados e desaparecem com a interrupção do tratamento. Raramente, observa-se aumento de enzimas hepáticas ou CPK, também de forma reversível. Recomenda-se cautela nas seguintes condições clínicas:
portadores de doença biliar;
uso concomitante de anticoagulante oral, cuja posologia deve ser ajustada (eventualmente diminuída);
pacientes com função renal diminuída e/ou proteinúria podem apresentar piora pelo uso desses hipolipemiantes;
associação com estatinas.
O ácido nicotínico diminui o LDL-colesterol em 5 a 25%, aumenta o HDL em 15 a 35% e diminui a trigliceridemia em 20 a 50%. Esta classe de drogas age aumentando a degradação intracelular hepática das lipoproteínas VLDL e LDL, reduzindo assim a concentração plasmática do LDL-colesterol e VLDL-colesterol. Naturalmente, este mesmo efeito contribui para a redução dos níveis plasmáticos de triglicérides. Possui o grande efeito de elevar HDL-colesterol, podendo atingir elevação de 48% quando em associação com fibratos.
Na forma tradicional, utilizam-se doses diárias de 2 a 6 g, ajustadas conforme o efeito ou a tolerância. As limitações ao uso do ácido nicotínico são os frequentes efeitos colaterais como rubor facial, hiperglicemia, hiperuricemia e alterações do trânsito intestinal. O ácido nicotínico deve ser utilizado com cuidado em diabéticos, pois pode piorar o controle glicêmico. Pode ser utilizado como alternativa aos fibratos e estatinas ou em associação com esses fármacos em portadores de Hipercolesterolemia, Hipertrigliceridemia ou na dislipoproteinemia mista.
Trata-se de um novo e potente inibidor seletivo da absorção intestinal de colesterol. Assim, reduz-se o aporte de colesterol ao fígado, estimulando a síntese de receptores de LDL, com consequente redução de LDL no sangue. Usado rotineiramente na dose de 10 mg/dia, como monoterapia reduz o LDL em torno de 20%. Combinado com estatina, apresenta um efeito sinérgico, produzindo redução adicional de 20% em relação à estatina isoladamente. É uma droga praticamente desprovida de efeitos adversos. Disponível comercialmente em associação com sinvastatina 10, 20 ou 40 mg (Vytorin®, Zetsim®).
Recentemente, o estudo ENHANCE (Ezetimibe and Simvastatin in Hypercholesterolemia Enhances Atherosclerosis Regression Trial) não mostrou superioridade da combinação sinvastatina 80 mg + ezetimiba 10 mg em relação à estatina isolada na redução da espessura da camada íntima-média da carótida de pacientes heterozigotos para Hipercolesterolemia familiar. Contudo, o estudo foi alvo de críticas metodológicas e o American College of Cardiology, bem como outras entidades médicas, concluíram que os dados do estudo ENHANCE não devem ser utilizados para se estabelecer decisões clínicas.
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